Fim de ano e congestionamentos são uma combinação histórica em São Paulo, mas a pandemia derrubou os índices para o mês de dezembro nos últimos dois anos. Agora, porém, muitos motoristas acreditam que o trânsito está pior do que era antes da quarentena. Mas os números comprovam isso? A lentidão nas ruas voltou, mas não fica pior do que na era pré-covid. Na verdade, o trânsito voltou aos mesmos patamares de antes, embora o trabalho híbrido e o ensino a distância tenham virado rotina para uma parte dos moradores da cidade.
A média diária de lentidão dos cinco primeiros dias do mês ficou em 99 quilômetros e 116 quilômetros em 2020 e o ano passado, respectivamente, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). O índice de 2022, de 176 quilômetros, representa alta de 51,7% em relação ao mesmo período do ano passado – quando o distanciamento social já havia recuado bastante, mas surgia uma nova onda da covid causada pela variante Ômicron. Em 2019, a marca foi de apenas um quilômetro a menos: 175.
A gerente de recursos humanos Marcela Nishio, de 37 anos, que mora no Tatuapé, zona leste, tem gastado uma hora e meia para chegar até a Vila Almeida, na zona sul. “Durante (o auge da) pandemia, eu demorava no máximo uma hora tanto na ida quanto no retorno. Agora está o maior caos”, reclama.
A volta para casa está ainda mais difícil, segundo Marcela. “Acredito que o retorno piorou muito, até mesmo em comparação ao período antes da pandemia. Saio do trabalho às 18h e chego em casa perto das 20h. Até pensei que fosse melhorar, por causa das férias que já começaram em algumas escolas”, acrescenta.
Fator Copa
A CET afirma que, historicamente, o mês de dezembro costuma apresentar elevados índices de lentidão, principalmente antes das festas, na comparação com outros períodos do ano. Conforme a companhia, estima-se que o principal fator seja o aumento de deslocamentos e também da população flutuante da cidade, para a realização de compras de Natal e confraternizações. O mês também é marcado pelo início das chuvas intensas do verão.
Além desses fatores, neste ano houve ainda um “elemento fora de época” em dezembro: os jogos da Copa do Mundo, que contribuíram para o aumento de deslocamentos, conforme a CET. Em dias de partidas da seleção brasileira, como as realizadas na sexta-feira, 2, contra Camarões e na segunda-feira, 5, contra a Coreia do Sul, o horário de pico foi antecipado. No dia 2, a menos de duas horas para o jogo, a lentidão na cidade chegou a 474 quilômetros.
No ano, o recorde de congestionamento foi registrado na quinta-feira, 8, na véspera do jogo do Brasil contra a Croácia, o último da seleção na Copa, quando a cidade atingiu 485 km às 18h30, segundo a CET. No mesmo dia, também foi registrada a maior média diária, com 292 km.
Nesta terça-feira, 13, mesmo com as fortes chuvas ao longo da manhã e a falha elétrica na Linha 4-Amarela do Metrô, o maior índice registrado chegou a 231 km às 8h30.
No trajeto entre Brasilândia, na zona norte, onde reside, até a zona leste, onde trabalha, o motociclista Adriano Xavier, de 40 anos, tem observado maior circulação de veículos.
“Mesmo com todas as vantagens que a moto me proporciona, tem sido difícil andar em São Paulo, e não apenas nos dias em que houve jogos da seleção brasileira. O trânsito está bem carregado, lembrando muito os congestionamentos antes da pandemia. Sempre falo que o grande desafio é atravessar todos os dias a Marginal do Tietê. Mesmo quando entro por volta do meio-dia, a via está totalmente parada, com muitos carros e caminhões”, disse ele.
Xavier ainda tenta buscar alternativas para fugir dos congestionamentos dentro dos bairros da zona norte. “Utilizo três opções para chegar até a Marginal do Tietê: Avenida Inajar de Souza, Avenida Deputado Emílio Carlos ou Avenida Imirim. O problema é que, ultimamente, em todos os caminhos tenho encontrado muito trânsito”, diz. “Acredito que a volta da normalidade tem feito muita gente sair de casa, apesar de algumas pessoas que mudaram sua rotina e estão trabalhando de forma híbrida ou mesmo estudando de forma remota.”
Obras
O coordenador de serviços Fábio Alcides, de 47 anos, que mora na Ponte Rasa, na zona leste, e trabalha no Jardim Paulistano, na região oeste da cidade, atribui a piora do trânsito a obras na cidade e semáforos sem funcionar.
“Tenho gastado mais de duas horas e meia no trânsito. Além de excesso de veículos, observo que o congestionamento também é provocado pela realização de obras pontuais em horários de pico, que estão ocorrendo neste momento, por exemplo, em vias muito movimentadas como na Avenida 9 de julho com a Santo Amaro. Sem contar a quantidade de semáforos queimados que tenho observado em vias da zona leste, assim como na própria Radial Leste”, disse ele.
Para o engenheiro Cláudio Barbieri da Cunha, professor do Departamento de Engenharia de Transporte da USP, os horários em que ocorrem algumas obras deveriam ser reprogramados. “Eu vejo muitas obras de limpeza ocorrendo pela manhã, bloqueando faixas, como corte de grama, limpeza de sarjetas, para desentupir bueiros, que envolvem drenagem”, afirma. “Mas me questiono se não poderiam ser feitas em outros horários do dia.”
Segundo ele, a programação das obras poderia ser melhor distribuída entre bairros residenciais e vias com maior fluxo de carros. “Obras de madrugada sendo executadas em ruas residenciais, perturbando até o sono dos moradores, enquanto obras são feitas no período da manhã em vias de passagem, onde o volume de tráfego é maior”, acrescenta o especialista.
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal das Subprefeituras, afirma que o recapeamento ocorre nas vias após a emissão dos Termos de Permissão de Ocupação de Via (TPOV), pela CET.
“As obras de recapeamento são feitas preferencialmente no horário da madrugada e em outros horários alternativos, levando em conta a situação do local e da obra. As vias que passam pelo serviço são bloqueadas durante as obras para o tráfego de veículos, com indicação de rotas alternativas para minimizar impactos no trânsito”, disse
A Secretaria das Subprefeituras, que coordena o Programa de Conservação e Manutenção da Malha Viária da Cidade de São Paulo, afirma que, no momento, 26 trechos estão em andamento, totalizando uma área de quase 700 mil m² de recape. Após o serviço finalizado pelo programa de conservação e manutenção da malha viária, as vias entram no cronograma da CET para sinalização. As informações sobre o programa são compiladas e atualizadas em tempo real e podem ser consultadas aqui.
Impacto dos semáforos queimados no trânsito da cidade
Barbieri, especialista em mobilidade urbana, também reclama da situação caótica provocada por semáforos queimados em diversos bairros da cidade. “Não é possível que uma cidade do porte de São Paulo tenha cruzamentos importantes com semáforos apagados ou no amarelo piscante, fazendo motoristas arriscarem suas vidas”, afirma. “Essa situação vem se deteriorando e se tornando muito caótica. Impacta ainda mais no transporte público, pois os ônibus gastam mais tempo para circular e fazem menos viagens, deixando os passageiros mais tempo nos pontos de ônibus.”
A Prefeitura de São Paulo informa que as equipes da Ilumina SP, responsável pela manutenção e modernização do parque semafórico da cidade, estão nas ruas executando os reparos dos equipamentos que apresentaram falha.
“Os munícipes podem solicitar o reparo de semáforos por meio da Central SP 156. Desde 1º de setembro de 2022, a manutenção dos equipamentos vem sendo feita pela concessionária de iluminação pública, conforme contrato de concessão fiscalizado pela SP Regula”, acrescenta a CET.
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