Planejado há quase 100 anos, um túnel imerso que interliga as cidades de Santos e Guarujá deve finalmente sair do papel. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) assinam nesta sexta-feira, 2, em Santos, o termo de cooperação técnica para a execução das obras.
O principal objetivo da obra é melhorar o fluxo de pedestres, cargas e automóveis que transitam entre as duas cidades do litoral, com reflexos em pelo menos nove municípios da Baixada Santista. É uma tentativa de resolver um histórico gargalo de mobilidade, impactando a vida de dois milhões de pessoas.
Um dos principais benefícios da obra é a redução do tempo na viagem entre as duas cidades. Interligando os bairros Macuco, em Santos, e Vicente de Carvalho, Guarujá, o túnel terá 860 metros de extensão, dos quais 761 serão imersos, embaixo do canal do Porto de Santos.
A travessia deve ser feita em menos de dois minutos, de acordo com a Autoridade Portuária de Santos, empresa pública responsável pela gestão do Porto de Santos. Trata-se de um ganho em relação ao trajeto de uma hora para percorrer os 43 quilômetros de estrada que separam as duas cidades.
Hoje, outra opção dos motoristas é usar uma balsa, que opera de 15 em 15 minutos, com capacidade para 872 veículos por hora. Mas ela depende da movimentação do próprio Porto de Santos. O serviço é interrompido quando os navios circulam – são 35 por dia. A média de espera é de 20 a 60 minutos.
Tarcisio Celestino, gerente de Engenharia Civil da Themag Engenharia, empresa que participou do projeto do túnel no litoral, critica a atual de interligação das cidades. “É um absurdo que uma área metropolitana seja interligada dessa forma”, diz ele, professor de Geotecnia da USP São Carlos.
“Uma balsa está sujeita às incertezas da demanda de tráfego de carros, de navios e aos acidentes que já aconteceram, de colisão de balsa com navio”, afirma.
A pressão pública pela construção de uma ligação mais moderna tem sido tão grande que empresas e associações criaram o movimento ‘Vou de Túnel’ para defender a passagem submersa. Segundo o engenheiro Casemiro Tércio Carvalho, porta-voz do movimento, sócio da 4Infra e responsável pelas primeiras versões do projeto, uma obra dessa envergadura ajuda a melhorar a dinâmica urbana da região.
Essa é a mesma visão do prefeito de Santos, Rogério Santos (Republicanos). “Essa obra pode representar um momento de transformação no desenvolvimento das duas cidades”, diz.
Na parte submersa do túnel, a previsão é de que a altura calculada de 21 metros abaixo da lâmina da água não comprometa o tráfego de navios no local.
Segundo o Executivo paulista, a proposta para implementar o projeto, chamado “Túnel Imerso Santos-Guarujá”, prevê investimentos de R$ 5,96 bilhões, com aportes públicos de R$ 2,7 bilhões dos governos estadual e federal, além da participação da iniciativa privada, por meio de parceria público-privada (PPP). A inauguração está prevista para 2028.
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A denominação “túnel imerso” tem relação com a maneira como a obra será construída, explica Celestino. “Essa técnica de fazer construções pré-moldadas na superfície, fazê-las flutuar até determinado ponto e depois fazer a imersão, ou seja, afundá-las constitui um túnel imerso”.
O túnel terá três faixas de rodagem no sentido do Guarujá, três no sentido de Santos, ciclovia e passagem urbana, além de espaço para o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que será adotado em uma fase posterior. Os planos preveem a cobrança de pedágio com tarifa, que deve ficar entre os valores atuais do pedágio da rodovia Domenico Rangoni (R$ 14,20 por automóvel) e o da balsa (R$ 12,30). Ciclistas e pedestres estarão isentos.
Discussão de um século
A ligação seca entre Santos e Guarujá é discutida há quase um século. Em 1927, foram apresentados os primeiros estudos para a construção de um túnel escavado para a passagem do bonde elétrico, conforme o Sindicato dos Engenheiros do Estado de SP. Os registros estão nas páginas do jornal A Tribuna de Santos.
Na década de 1940, o engenheiro civil e arquiteto Francisco Prestes Maia elaborou o Plano Regional de Santos para trazer modernização e desenvolvimento do Porto, do turismo e da indústria. Parte das ideias foi absorvida pelo município, mas o projeto foi, novamente, engavetado.
Em 2010, o então governador José Serra (PSDB) anunciou uma ponte estaiada que ligaria as cidades em um complexo de 4,6 km. Para atender às especificações do porto, a altura da estrutura foi projetada em 80 metros. Houve uma cerimônia, com apresentação de uma maquete, mas o projeto foi abandonado um ano depois.
As controvérsias sobre a melhor solução de engenharia estão por trás do atraso, na opinião de Tarcísio, da USP São Carlos. “A ponte é uma solução inadequada, porque traria uma limitação eterna de altura para o Porto de Santos”, avalia. “Alguns projetos também podem ter esbarrado nas dificuldades técnicas da época.”
Em 2011, o governo decidiu pelo túnel submerso, apresentando os projetos e o estudo ambiental para abrir a licitação, mas o processo foi cancelado em janeiro de 2015. Luciano Machado, engenheiro civil especialista em geotecnia e sócio da MMF Projetos, acrescenta que os atrasos podem estar relacionados à “paternidade” do projeto. “Essa obra de R$ 6 bilhões traz grande disputa por visibilidade política, um dos fatores para ela nunca ter saído do papel”, afirma.
O cenário de disputas entre os poderes federal e estadual marcou os últimos anos. Na mais recente, o plano da União era construir o túnel por meio de uma PPP (Parceria Público-Privada) sem apoio da gestão paulista. Depois de várias reuniões, Lula recuou e firmou a parceria com Tarcísio, embora estejam em campos políticos opostos.
Número de desapropriações ainda não está definido
O projeto ainda tem pendências, principalmente no que se refere a impactos sociais e ambientais. Representantes da Associação de Moradores e Comerciantes do Macuco (Acom) se mostram apreensivos com o total de desapropriações. A previsão variou ao longo das atualizações do projeto. As primeiras versões citavam quatro mil desalojados; as mais recentes reduziram drasticamente esse impacto.
A Autoridade Portuária de Santos promete realocar 700 famílias que vivem em palafitas nas áreas portuárias, sem saneamento básico, na Comunidade da Prainha. Elas estão sendo transferidas para conjuntos habitacionais.
Leonardo Gazillo, secretário de Desenvolvimento Econômico e Portuário de Guarujá, afirma que a intenção é definir um traçado com o menor número possível de desapropriações. “Sem essa construção, não é possível conceber o crescimento do Porto de Santos e de toda a região, mas há compromisso com o impacto social.”
A consulta pública referente ao projeto deve ser lançada em março. “Aceitamos o projeto mais recente, com uma desapropriação (de uma empresa pública). Não aceitamos as versões anteriores, com 170, quase 200 desapropriações”, diz o empresário e engenheiro José Santaella, vice-presidente da Acom.
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