Uber x prefeituras: Serviço de moto deve ser liberado?

Do ponto de vista legal, poder público não pode impedir a empresa de prestar o serviço, mas especialistas alertam para o possível aumento no número de mortes e acidentes no trânsito por conta da atividade

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Por Caio Possati
Atualização:

O serviço de viagens com motos oferecido pela Uber, o Uber Moto, que começou a funcionar para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro nesta quinta-feira, 5, não pode ser proibido pelas prefeituras, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão. Mas o poder público, segundo eles, pode travar o serviço se a empresa não cumprir resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que tornam a atividade de transporte de passageiros mais segura.

Os profissionais ouvidos pela reportagem também mostram preocupação e cautela com a liberação do serviço, já que o aumento de circulação de motos pode levar ao crescimento do número de infrações e acidentes nas vias das cidades.

Uber anuncia serviço de corrida por motocicleta nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro a partir desta quinta-feira. Foto: Divulgação/Uber

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Do ponto de vista legal, o Uber Moto pode funcionar por estar respaldado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012), que permite que empresas privadas realizem transporte de passageiros. A lei, porém, não define quais tipos de veículos podem ou não prestar o serviço, abrindo uma brecha para a execução da atividade por motociclistas.

“A norma federal que regulamenta o transporte individual privado de passageiros - e que estabelece os limites para a regulamentação pelos municípios - não faz distinção quanto ao tipo de veículo. É comum que a atividade seja desempenhada com automóveis, mas isso não significa que este seja o único modal permitido”, informa a Uber por meio de nota.

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Na prática, portanto, as administrações não podem proibir a atividade. Mesmo assim, as prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro entraram com um pedido para suspender o serviço, que já funciona desde novembro de 2020 e está em mais de 160 municípios no Brasil, incluindo a região metropolitana da capital paulista.

Na cidade de São Paulo, a atividade do mototáxi não é regulamentada, e mesmo com o pedido de interrupção do serviço, o Uber Moto seguiu funcionando ao longo desta quinta.

Por meio de nota, a prefeitura paulistana informou que não há proibição para o mototáxi, já que a lei que proibia a atividade, sancionada pelo então prefeito Bruno Covas, em 2018, foi julgada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de forma definitiva.

“Não há dúvidas de que o serviço de mototáxi pode ocorrer”, explica o engenheiro e mestre em transporte, Sergio Ejzenberg. “Agora a questão é saber se a prefeitura tem interesse em regulamentá-lo. Ela não pode proibir, tem que exigir o que é necessário para garantir maior segurança”, avalia.

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O engenheiro cita que há duas resoluções do Contran que a Uber deve seguir para funcionar dentro das normas de segurança. Uma é a resolução 930 de 2022, que determina a regulamentação de curso especializado obrigatório para os profissionais que transportam passageiros e mercadorias, que exerçam atividades remuneradas na condução de motocicletas e motonetas.

A outra é a resolução 943 também do ano passado, que determina os requisitos mínimos de segurança para o transporte de passageiros (mototáxi) e de cargas (motofrete) nos mesmos tipos de veículos.

“É uma atividade remunerada. Os perigos são os mesmos. Então, se eu exijo treinamento de segurança para quem transporta um passageiro, como um mototaxista, esse treinamento também deve ser feito para o motociclista da Uber”, afirma Ejzenberg.

No entanto, o engenheiro diz que o poder público, mesmo sem poder de vetar a operação do serviço, pode buscar meios de impedir o transporte de passageiros por motos caso a empresa não atenda às duas resoluções citadas.

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Prefeitura de SP pediu suspensão

Na tarde desta quinta-feira, em evento realizado com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o prefeito Ricardo Nunes (MDB) reforçou a informação de que pediu a suspensão do transporte de passageiros por motos e afirmou que uma reunião da prefeitura com a empresa está agendada para esta sexta-feira.

Motociclistas trafegam sobre uma das faixas exclusivas para motos na Avenida dos Bandeirantes, em São Paulo. Foto: Marcos Mattos/CET

“Evidentemente não vamos deixar acontecer nada na cidade de São Paulo que possa gerar acidentes para as pessoas”, disse Nunes, que informou que já pediu um estudo sobre como o mototáxi tem sido utilizado no mundo.

“Hoje nós temos 6,5 pessoas para cada 100 mil habitantes que morrem no trânsito na cidade de São Paulo”, afirmou o prefeito. “Tem um programa de metas que estabelece 4,5 por 100 mil habitantes. Vai ser difícil chegar nessa meta tendo em vista os dados que a gente tem visto na cidade”, completou citando investimentos do executivo paulistano na faixa azul (faixa exclusiva para motociclistas) e na melhoria do asfalto das vias da cidade.

A Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Transportes, também afirmou que vai tentar impedir o uso de Uber Moto na cidade. “A empresa de mobilidade lançou mais um serviço em que visa somente o lucro, sem prestar as devidas contrapartidas aos trabalhadores e órgãos públicos”, disse o Executivo por meio de nota. Em setembro de 2022, por meio de decreto, o município regulamentou a profissão de mototaxista, cuja atividade ainda opera na informalidade.

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A administração da capital fluminense informou ainda já enviou ao Legislativo um Projeto de Lei que complementa a regulamentação e tem como objetivo atualizar a legislação existente.

Crescimento de acidentes e mortes

Sergio Ejzenberg acredita que, com a introdução do Uber Moto, a atividade de transporte de passageiros será regulamentada na capital de São Paulo como forma de dar mais segurança ao serviço e evitar acidentes. Porém, mesmo assim ele projeta um cenário preocupante com o aumento de motos circulando pelas ruas.

O consultor em Segurança do Trânsito, e pesquisador da área, Horácio Augusto Figueira também acha que a regulamentação do serviço seria “uma perfumaria”. “Não vai significar muito”, diz, em relação a possíveis melhorias na segurança do trânsito.

“Há 20 anos, a moto já era o modal que mais causava infrações e sinistros (acidentes)”, afirma Figueira, que também diz ser contra o transporte de pessoas por meio de motocicletas por entender que, por melhor intencionados que a Uber esteja, corre o risco da empresa perder o controle de quando a operação for a campo.

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Paulo Bacaltchuk, consultor e professor de Engenharia de Tráfego da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também diz ser contrário à implementação do serviço na cidade. “Cerca de 1,5 motociclista morre por dia em São Paulo, que é uma cidade mais saturada, nervosa e corrida. Esse serviço vai jogar mais motos nas ruas e vai resultar em mais mortes”, afirmou.

A Uber afirma que a empresa realiza “checagem de antecedentes dos parceiros e dão aos usuários a possibilidade de compartilhar com seus contatos a placa, a identificação do condutor e sua localização no mapa, em tempo real”, independe por qual modal é feita a viagem.

Conforme o sistema de monitoramento de acidentes de trânsito do governo de São Paulo (Infosiga), 380 motociclistas morreram em acidentes na capital entre janeiro e novembro deste ano. No mesmo período do ano passado, o número de vítimas foi de 301 (houve aumento 26,2%).

Em 2019, último ano antes da pandemia da covid-19, 77% indenizações pagas pelo Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não (Seguro DPVAT) foram oriundas de acidentes envolvendo motocicletas e ciclomotores. O índice para o transporte público foi de 2%.

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Os números, de acordo com o engenheiro Sergio Ejzenberg, traduzem o potencial mortal que o transporte por motos carrega. Além disso, segundo o especialista, o serviço de mototáxi pode transferir as pessoas do transporte público, como o ônibus, considerado mais seguro para as motos, um modal estatisticamente mais perigoso. “Estamos falando de mortes evitáveis. Precisamos evitar essas mortes. É o mínimo de podemos fazer”, diz o engenheiro.

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