Vão livre agora será do Masp: saiba o que museu quer fazer após a concessão do espaço

Ideia é retomar proposta original de Lina Bo Bardi, como parte da expansão do museu, cujo novo anexo deve ser entregue em cerca de um mês; Prefeitura também revogou autorização para feira de antiguidades no local

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Foto do author Priscila Mengue

Quase 56 anos depois da inauguração, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) assumirá oficialmente a responsabilidade pela gestão, manutenção e programação do vão livre. A autorização para a concessão de uso do icônico espaço da Avenida Paulista foi publicada no Diário Oficial, no dia 1º.

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O plano do Masp é “ressignificar” o belvedere, com inspiração no projeto original da arquiteta Lina Bo Bardi, de aproximá-lo e integrá-lo com a Paulista e a cidade. A programação aberta será ampliada assim que for concluído o restauro e outras intervenções no museu.

Os planos envolvem também a instalação de mobiliário e a disposição de esculturas, de modo a fomentar o uso como uma praça pública, aberta a todos.

A autorização ocorreu às vésperas da inauguração do anexo do Masp, o Edifício Pietro Maria Bardi, de 14 andares. Para o público em geral, a abertura do novo espaço deve ocorrer por volta de março do ano que vem, em que a edificação será o acesso do museu, com interligação subterrânea ao prédio mais antigo.

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Hoje, tapumes cobrem grande parte do vão livre por causa de obra de restauro e expansão do Masp Foto: Alex Silva/Estadão

No caso do vão livre, a publicação oficial era necessária porque o terreno do Masp é de propriedade da Prefeitura. Até então, o museu detinha exclusivamente a concessão de uso do icônico prédio e de uma pequena parcela do vão (onde estão a bilheteria e o guarda-volumes). A concessão é válida por 20 anos, prorrogáveis por mais duas décadas.

Estudo recente feito pelo Insper identificou que parte da população considera o espaço “sujo”, “escuro”, “inseguro” e “desagradável” (mais informações sobre a pesquisa ao longo do texto).

O despacho é assinado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB). Na publicação, cita que a gestão se baseou em manifestações favoráveis das secretarias e dos órgãos municipais envolvidos, como a Subprefeitura da Sé e o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), dentre outros.

Para a autorização, foi necessária a aprovação da mudança na Câmara Municipal, a qual foi incluída, assim como outros tantos endereços, no projeto de lei que autoriza a cessão de alguns terrenos municipais para a mudança da sede do Governo do Estado para os Campos Elíseos. A sanção foi no fim de julho.

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Além de determinar a “adoção das providências necessárias para a formalização da concessão”, o despacho do prefeito revoga a permissão de uso do vão livre pela Associação de Antiquários do Estado de São Paulo aos domingos. A entidade costumava realizar uma feira de antiguidades no local — a qual tem sido montada temporariamente no Parque Mário Covas, também na Paulista, diante do fechamento da maior parte do vão para a obra.

Procurada pelo Estadão dias antes do despacho, a associação então desconhecia a possibilidade de perder a concessão e salientou que a feira ocorre há mais de 40 anos no local. Também disse ter tido o apoio, à época, do próprio Pietro Maria Bardi (primeiro diretor artístico do museu), como forma de atrair público.

Novo anexo do Masp está em fase final de obra; com parte da nova fachada já visível da avenida Foto: Alex Silva/Estadão

Quais são os planos do Masp para o vão livre?

Com o novo anexo, o Masp não restringirá mais o acesso a uma parte do vão com bilheteria, detector de metais e guarda-volumes. A expectativa é de que o acesso fique livre assim que forem realizadas todas as intervenções necessárias na laje do icônico edifício, hoje parcialmente isoladas por tapumes e gradis..

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Pela característica da obra e autorizações necessárias, não há previsão exata de quando o vão livre voltará a ser aberto. Ao todo, o espaço tem cerca de 3,6 mil m² e 74 metros de comprimento. A ideia é instalar bancos e outros mobiliários temporários, realizar atividades culturais e expor esculturas, dentre outras intervenções.

“É um símbolo de São Paulo, onde acontecem grandes eventos da cidade”, descreve Heitor Martins, diretor presidente do Masp. Para ele, o espaço é um “componente de integração com a comunidade”. E a ideia é atrair desde trabalhadores do entorno até visitantes do museu. “Hoje, o espaço não é tão amigável quanto poderia ser”, avalia.

Sessão da Mostra de Cinema de São Paulo no vão livre, em 2021 Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 27/10/2021

“No imaginário coletivo, (o prédio e o vão) são uma coisa só. Foi construído para ser um lugar onde as pessoas se encontram”, completa. “É menos uma dimensão arquitetônica nova, porque a arquitetura já está definida, é a da Lina. É de aproximação. Se depender de nós, o vão vai ser sempre aberto”, aponta.

O diretor avalia que a concessão permitirá reaproximação com a cidade. E também dialoga com a nova fase da Paulista, consolidada como corredor cultural, com diversos centros culturais e museus inaugurados e reabertos em seu entorno nos últimos anos. A lista inclui o Sesc, o IMS, o Itaú Cultural, a Japan House, a Casa das Rosas, o Centro Cultural Coreano e a recém-inaugurada Casa Bradesco — no megacomplexo Cidade Matarazzo.

Martins defende, ainda, que a concessão deve trazer “melhoria substancial” de zeladoria, manutenção e segurança do local. “Seria uma melhoria visível para a cidade como um todo, e no cartão-postal de São Paulo”, afirma.

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‘Gostaria que lá fosse o povo’, dizia Lina sobre o vão livre

Em 1967, Lina comentou sobre aquela região. “Procurei recriar um ‘ambiente’ no Trianon. E gostaria que lá fosse o povo, ver exposições ao ar livre e discutir, escutar música, ver fitas. Gostaria que crianças fossem brincar no sol da manhã e da tarde”. A ideia está presente em um conhecido desenho da arquiteta, em que o vão é quase que um playground para crianças.

Exposição no vão livre do Masp, em 1969 Foto: Sérgio Araki/ Estadão - 21/06/1969

Dessa forma, o museu foi construído com pavimentos superiores e subterrâneos, deixando o espaço a nível da rua livre. Ao longo de décadas, recebeu atividades culturais esporadicamente, como shows e sessões da Mostra de Cinema de São Paulo.

Para o Masp, o vão livre é parte intrínseca do projeto de Lina Bo Bardi, uma extensão do prédio, que preservou o uso como belvedere que já existia no local. A instituição costuma descrever a criação da premiada arquiteta como o “maior e mais singular item do acervo”. A sede do museu é tombada como patrimônio cultural nacional.

Segundo a instituição, o uso do vão livre também seria uma forma de inclusão social e cultural, tanto para quem mora, trabalha ou transita pelo entorno quanto para visitantes e turistas em geral. Além disso, tem apontado um movimento de retomada, há cerca de dez anos, dos valores originais de seu projeto, acervo e papel. Isso inclui desde a volta do uso dos cavaletes de cristal e concreto (projetados por Lina) até a entrada gratuita às terças-feiras.

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No Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), da Prefeitura, foram indicados alguns compromissos para a concessão, como preservação integral do piso de paralelepípedos e a não instalação de mobiliário ou obras permanentes (apenas temporárias). Essas colocações não envolvem alterações nos bancos do belvedere, aos fundos do Masp, cujo alteamento é discutido há anos, especialmente após a morte de um adolescente.

Apresentação de palhaços no vão livre durante celebração do aniversário de São Paulo, em 2017 Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 25/01/2017

“É como se fosse um balcão (com vista para o centro da cidade), quase como um palco”, diz Pesquisador e doutorando em Arquitetura e Urbanismo, Fred Costa.

O urbanista cita os diversos eventos que têm concentração no entorno do vão livre, como manifestações e a Parada do Orgulho LGBT. “Também é um palco para a cidade porque o que acontece ali reverbera no imaginário da cidade como um todo.”

Também destaca que o próprio trabalho da Lina ao longo da carreira foi caracterizado por “confundir” as fronteiras entre o que é ou não a arte. Por isso, defende que futuras exposições no vão tenham regras distintas, de maior interação, como por meio do toque.

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Pesquisa identificou esvaziamento diário do vão a partir das 16h

Em parceria com o Masp, o laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper, fez uma pesquisa sobre hábitos e impressões da população em relação ao vão livre. O estudo envolveu três frentes básicas: zeladoria, segurança e mobiliário urbano. Ao todo, foram ouvidas cerca de 300 pessoas.

Coordenadora do Núcleo Arquitetura e Cidade do laboratório, Laura Janka Zires descreve o vão como “um dos espaços livres mais importantes da cidade”. Durante os trabalhos, identificou-se que há grande número de pessoas que circulam pelo entorno, mas que não frequentam o local.

Vão livre está parcialmente fechado durante obras no Masp Foto: Alex Silva/Estadão - 01/11/2024

Com o estudo, identificou-se que cerca de 70% dos usuários do vão livre são visitantes do Masp e que, portanto, esse público aumenta nas terças — dia de entrada gratuita. Outro dia de maior fluxo é o domingo, quando há a Paulista Aberta. Em contraste, a baixa presença no sábado surpreendeu a equipe de pesquisadores.

O grupo de pesquisa indicou a necessidade de melhorias de iluminação, mobiliário e espaços de estar para as pessoas. Já os entrevistados defenderam mais atividades culturais, lugares de sombra e opções de alimentação.

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Também foi constatada falta de diversidade, com predomínio de homens e pessoas brancas adultas. Ao todo, foram 45% de mulheres, 33% de pessoas negras, 9% de idosos e 3% de crianças.

Em zeladoria, constatou-se acúmulo rápido de sujeira e número inferior de lixeiras ao que seria adequado. “Sujo”, “escuro” e “desagradável” estivam entre as palavras mais indicadas.

Fundos do vão livre do Masp, com vista para a Avenida Nove de Julho Foto: Alex Silva/Estadão

No caso de segurança, o espaço recebeu nota 1,8, em escala até 5. Além disso, constatou-se queda de metade do número de frequentadores após as 16h. “Isso em área da cidade que tem caráter bastante noturno, como a Paulista”, destacou a coordenadora.

Após esses relatos, o grupo de pesquisa fez um experimento, com a colocação de 50 cadeiras de praia no vão. O teste foi baseado no conceito de “placemaking”, de “criação de lugar”, tornando-o mais atraente para as pessoas do entorno.

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O resultado final foi a constatação de que um espaço mais confortável e acolhedor trouxe mais gente para o local, por mais tempo e com maior variedade de atividades (de ler um livro até mexer no celular, dentre outras). Como referência, o grupo se inspirou em exemplos da Europa (como a Serpentine Gallery, de Londres) e do Brasil (como o Píer Mauá, no Rio).

“As pessoas não ficavam apenas 5 minutos, ficavam até mais de 40 minutos, mais de uma hora, até mais de duas. E isso não acontecia”, conta a urbanista. “E a gente viu que tinha mais crianças e mais diversidade”, completa. “Mas, obviamente, cadeiras não resolvem tudo.”

Novo prédio do Masp deve ser inaugurado em breve Foto: Alex Silva/Estadão

O que terá no prédio anexo do Masp, que será inaugurado em breve?

O Masp tem descrito o anexo como a “maior expansão física” desde a mudança da sede do centro para a Paulista. Para manter a continuidade do aspecto do vão do prédio vizinho, a nova estrutura é de vidro transparente na parte mais baixa, enquanto os demais pavimentos são recobertos por uma malha metálica.

A ampliação deve aumentar a área expositiva em cerca de 70%, permitindo novas possibilidades para o acervo — de cerca de 12 mil obras, de modo que apenas 1% fica em exposição.

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As obras alteraram o antigo Edifício Dumont-Adams, da década de 1950, ao lado do Masp. O imóvel havia sido comprado pelo museu em 2010, mas as obras passaram por período de paralisação e alterações. A atual foi iniciada por volta de 2021, com projeto da Metro Arquitetos e de Julio Neves.

A expansão envolve novo restaurante, salas de aula, espaços de evento, mirante, duas galerias multiuso, laboratório de restauro e cinco espaços expositivos, dentre outras novidades. A expectativa é de receber até 2 milhões de visitantes por ano (o recorde é de 2019, com 729,3 mil, quando a exposição Tarsila Popular se tornou a mais visitada da história do Masp).

Edifício Lina e Edifício Pietro Bardi ficam lado a lado, na Avenida Paulista Foto: Alex Silva/Estadão

O Masp tem dito que o novo edifício “colocará São Paulo lado a lado com metrópoles culturais, como Londres, que viveu a experiência de ampliação com a Tate Modern, Nova York, com o MoMA; e São Francisco, com o SFMOMA”. Segundo o museu, a expansão é financiada com “doações de famílias brasileiras, sem qualquer isenção fiscal”.

A obra envolve também o restauro e outras intervenções no prédio principal, antes chamado de Edifício Trianon e, agora, renomeado como Edifício Lina Bo Bardi. Desse modo, o Masp passa a homenagear seus três maiores idealizadores, com o nome dos dois edifícios e o da própria instituição (em referência a Assis Chateaubriand).

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