Organizações não-governamentais e cidadãos que queiram doar alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade social na cidade de São Paulo deverão pedir autorização prévia e manter um cadastro atualizado na Prefeitura paulistana. No momento da doação, será preciso oferecer tendas, mesas e cadeiras e limpar as áreas da entrega da comida, antes e depois da distribuição.
Se essas regras não forem obedecidas, a multa é de R$ 17 mil, o que equivale a 500 UFESPs (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo). Em caso de reincidência, a ONG ou pessoa física será descredenciada por três anos.
Essas determinações fazem parte do projeto de lei 445/2023 do vereador Rubinho Nunes (União Brasil) apresentado na Câmara Municipal de São Paulo nesta quinta-feira, 10. A tramitação ainda não foi definida.
O texto, que tem o objetivo de “estabelecer protocolos de segurança alimentar para pessoas em vulnerabilidade social”, prevê ainda o cadastramento dessas pessoas na Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social para receber os alimentos. Além disso, o local de preparo dos alimentos será vistoriado pela Vigilância Sanitária, de acordo com a proposta.
O parlamentar explica que a proposta quer centralizar a distribuição de alimentos e trazer inteligência, evitando o desperdício. “O projeto ainda permite que a assistência social mantenha o cadastro de pessoas em situação de rua atualizado e mapeie a migração dessas pessoas pela cidade. Por fim, garante segurança alimentar para essas pessoas, pois há o risco de envenenamento dos alimentos por pessoas maldosas”, afirmou o vereador.
A proposta gerou críticas de movimentos sociais. “A cidade de São Paulo está reprimindo a solidariedade. É uma forma de controlar e extinguir a solidariedade. É muito difícil imaginar que os voluntários vão fazer cadastros e pedir autorização à Prefeitura para fazer as doações”, afirmou o padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo.
“Isso é para que a burocracia impeça os famintos de comer. É a legalização da fome”, diz o sociólogo Paulo Escobar, coordenador do Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga. “Nós vamos continuar alimentando as pessoas que estão passando fome nas ruas, pois quem tem fome tem pressa, como dizia Betinho, e a burocracia levará dias para autorizar as pessoas a comer”, diz.
O projeto de lei representa mais uma ação controversa voltada às pessoas em situação de rua. Na esfera do poder Executivo, as grades de proteção colocadas nos jardins da Praça da Sé em junho, para conter “a desordem urbana”, de acordo com a Subprefeitura da Sé, foram instaladas em pelo menos mais dois endereços: a Praça Manoel da Nóbrega e o Largo São Bento. As grades limitam a presença dos sem-teto.
Em abril, a Prefeitura de São Paulo iniciou um movimento na região para impedir o uso das barracas de camping por pessoas em situação de rua durante o dia. A justificativa é um decreto de 2020 que não permite ocupações permanentes em locais públicos que atrapalhem a livre circulação de pedestres e veículos. Objetos como camas e sofás também foram removidos, segundo o Município, por não serem considerados de “uso pessoal”.
Diante das críticas, o poder municipal adotou uma nova forma de acolhimento da população de rua com a presença de pedagogos, sociólogos, terapeutas ocupacionais e arte-educadores.
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