É um jargão entre urbanistas e legisladores dizer que a discussão sobre Lei de Zoneamento se dá “quadra a quadra”, “lote a lote”. Mas que lugares são esses? De bairros valorizados aos extremos da cidade de São Paulo, novas regras de altura de prédios, preservação ambiental e uso estão no projeto de revisão, recém-aprovado em 1ª discussão, e que será submetido para deliberação final em 21 de dezembro.
As mudanças envolvem algumas milhares de quadras em todas as regiões da capital. Parte das alterações é oriunda do projeto enviado pela gestão Ricardo Nunes (MDB) à Câmara Municipal, enquanto outra foi proposta no texto substitutivo, apresentado pelo relator, Rodrigo Goulart (PSD), o qual tem destacado a inclusão de demandas levadas pela sociedade civil e vereadores.
A recepção às alterações não é unânime, com opiniões distintas entre moradores, empresários e organizações variadas da sociedade civil. Entre os locais com mudanças propostas, estão a Vila Madalena e a Avenida Rebouças, na zona oeste, e o Jaraguá, na norte, por exemplo.
O Estadão tem acompanhado o processo de revisão ao longo de todo o ano. A seguir, apresenta algumas das principais alterações propostas para diferentes vizinhanças na revisão do zoneamento.
Sem prédios na Vila Anglo Brasileira
A Vila Anglo Brasileira é um bairro de casinhas próximo da estação Vila Madalena, na zona oeste. Hoje, é majoritariamente uma Zona Predominantemente Residencial (ZPR), que permite construções de até 10 metros de altura e alguns pequenos comércios e afins.
Há meses, moradores têm reivindicado a mudança no zoneamento de dois locais na vizinhança marcados como Zona Especial de Interesse Social (Zeis), nas proximidades da Praça Dr. Penteado Médici. Após o anúncio de um condomínio de 200 apartamentos em ao menos uma das Zeis, mobilizaram-se em um abaixo-assinado contrário, com mais de 2,1 mil apoiadores.
Na proposta da Câmara, os dois endereços foram remarcados como ZPR, de modo que passariam a estar nos mesmos padrões dos vizinhos. O argumento é que as características locais não compreendem um prédio de maior porte. Parte dos moradores defende uma mudança adicional no projeto, para que um dos endereços vire uma Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam), com ainda mais restrições, a fim de preservar uma área verde.
Mudança nas proximidades do território guarani do Jaraguá
Duas áreas nas proximidades da Terra Indígena Jaraguá foram transformadas de Zona Especial de Interesse Social (Zeis) para Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam), na zona norte. Um dos locais pertence à construtora Tenda e foi alvo de manifestações promovidas por moradores da reserva indígena guarani, como em 2020. O argumento é que um conjunto habitacional geraria impacto ambiental à fauna, à flora e às nascentes do espaço.
Na revisão do zoneamento, o tema foi tratado especialmente em uma audiência pública realizada em território guarani. As lideranças presentes argumentaram que a área tem papel ambiental, com a presença de nascentes e outras características que deveriam ser protegidas e recuperadas.
A Tenda criticou a alteração em audiência pública recente. Destacou que o local já tem alvarás expedidos pela Prefeitura, o que lhe daria o chamado “direito de protocolo”. Esse dispositivo permite construir com base na lei vigente no início da tramitação do pedido mesmo após mudança na legislação urbanística. A área foi sede do Antigo Clube Sociedade Sul Riograndense anos atrás.
Lado ímpar da Rebouças com comércios e serviços de maior porte
Uma das mudanças apresentadas pelo relator de maior repercussão envolve um trecho da Avenida Rebouças, o qual contempla o lado ímpar do trecho entre a Rua Estados Unidos e a Avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste. Nessa parte da via, há hoje mais restrições construtivas e de atividades, por envolver a “borda” da Zona Exclusivamente Residencial (ZER) dos Jardins.
Com a alteração sugerida, esse perímetro continuaria como Zona Corredor (ZCOR). Mudaria, porém, o tipo de corredor, de ZCOR-2 para ZCOR-3. Essa nova classificação permite mais tipos de estabelecimentos comerciais e de serviços de médio porte (até 500 pessoas), o que hoje é restrito a pequeno porte (até 100 pessoas).
A proposta também permite que os imóveis tenham um aumento de até 50% na altura, de 10 metros a até 15 metros. Além disso, na mesma proporção, aumenta o chamado “coeficiente de aproveitamento” máximo, de modo que seja possível construir de 1,5 vez a área do terreno (hoje o máximo é de uma vez). Isto é, a alteração permitiria construções mais robustas.
Alterações no regramento do trecho citado da Rebouças são uma demanda de parte dos donos de imóveis da via, que relatam dificuldades para a locação diante das restrições. O zoneamento do restante da avenida é quase integralmente de eixos de verticalização, com incentivos para prédios altos e pouquíssimas restrições.
Há abaixo-assinados contrários e favoráveis à mudança na ZCOR da Rebouças. A oposição à proposta é liderada especialmente pela associação Ame Jardins, a qual argumenta que traria impacto nas áreas verdes e outros impactos negativos nos bairros Jardins.
Veto a novos prédios altos na Vila Madalena
O projeto propõe a exclusão de praticamente todo o eixo de verticalização do entorno da estação Vila Madalena, onde hoje há incentivos e descontos municipais para a construção de prédios altos com apartamentos. Dessa forma, quadras de ruas como Harmonia, Paulistânia e outras teriam um zoneamento menos flexível e sem os incentivos atrativos ao mercado imobiliário.
O impacto dessa mudança pode ser restrito na prática, contudo. Como o Estadão mostrou, grande parte dessas quadras está bastante verticalizada e com projetos em obras ou em tramitação na Prefeitura, o que permite que sejam construídos prédios altos mesmo após a mudança na legislação (o chamado “direito de protocolo”). Além disso, o texto apresentado pelo relator libera novas construções de maior porte se estiverem na média de altura de ao menos 40% da quadra (hoje, essa regra é de 50%).
Nova Zona Predominantemente Residencial na Pompeia
Uma nova Zona Predominantemente Residencial (ZPR) é proposta para cerca de 10 quadras da Pompeia, na vizinhança de futuras estações da Linha 6-Laranja. Grande parte desses endereços seria transformada em “eixo de verticalização” pelo projeto de lei enviado pela Prefeitura, com incentivos para a construção de prédios altos. Como o Estadão contou, há um boom imobiliário na região estimulado pelas obras de metrô.
Com a mudança, essas locais poderão ter apenas imóveis de até 10 metros de altura e alguns tipos de pequenos comércios e serviços. As possíveis novas ZPR ficam principalmente entre a Rua Caiubi e Rua Wanderlei, como nas quadras das Rua Aimberê, Rua Campevas, Rua Valparaíso e Rua Raul Devesa. Hoje, grande parte dos imóveis nesses locais são sobrados geminados, com uso residencial.
Mais quadras para prédios altos em Moema, Itaim Bibi e Santo Amaro
Distritos vizinhos da Linha 5-Lilás, na zona sul, como Moema, Itaim Bibi e Santo Amaro, estão entre os que têm mais novas quadras com incentivos e descontos para a construção de prédios altos na proposta. Esses possíveis novos eixos estão em vias como a Rua Canário, a Rua Nova York e Rua Vitorino de Moraes, dentre outras.
A vizinhança dessa linha de metrô tem chamado a atenção do mercado imobiliário nos últimos anos. Como mostrou o Estadão, o entorno da Estação Brooklin é o eixo de verticalização campeão de novos apartamentos lançados na cidade, por exemplo. A ampliação não é unânime entre moradores e proprietários de imóveis na região.
Regras mais flexíveis em área militar perto do Ibirapuera
O projeto cria uma Zona de Ocupação Especial (ZOE) em uma área do Exército nas proximidades do Parque do Ibirapuera, na zona sul. O Comando Militar do Sudeste tem planos de expansão do Forte Ibirapuera, nas Ruas Manoel da Nóbrega e Abílio Soares, com novas instalações da recém-recriada Companhia de Comando da 2.ª Divisão de Exército e dos Próprios Nacionais Residenciais (apartamentos para moradia de militares).
A proposta está na revisão desde o envio pela Prefeitura. Ao Estadão, o Comando Militar do Sudeste explicou ter feito o pedido durante o processo de participação popular da revisão do zoneamento. Com a alteração, seria possível firmar regras mais flexíveis para o endereço, o que facilitaria uma expansão e verticalização. Esses endereços hoje estão em Zona Mista, classificação com algumas restrições, como altura máxima de 28 metros.
Todos os imóveis pertencem à União. Os endereços ficam ao lado do Complexo Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães (mais conhecido pelo Ginásio do Ibirapuera) e a menos de uma quadra da sede do Comando Militar do Sudeste. A avaliação das Forças Armadas é de que a transformação em ZOE é justificada por ser um “território com diferentes características ou com destinações específicas, que requerem normas próprias de uso e ocupação do solo”.
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