Passados quase dois anos desde o início da obra de requalificação da Avenida Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, a intervenção ainda é motivo de dor de cabeça para moradores, comerciantes e motoristas. Após ser cobrada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) em agosto do ano passado, a Prefeitura acelerou o trabalho. Mas, para isso, foram adotados turnos de trabalho à noite e interdição de mais faixas de trânsito, piorando o incômodo com o barulho, congestionamento, entre outros transtornos.
Gabriella Chaves, de 26 anos, analista de preços e moradora da região, relata que passou os últimos meses sem dormir direito por conta da obra. “Eles começavam a utilizar britadeiras às 22h e só paravam às 5h da manhã. E o pior é que, durante o dia, essas máquinas mais barulhentas ficavam desligadas. Parece falta de planejamento, não pensaram nos moradores”, reclama. “Acabei desenvolvendo bruxismo (transtorno que pode ser causado por estresse e má qualidade do sono) por conta disso.”
O projeto prevê modernizar o trecho da Santo Amaro entre as avenidas Juscelino Kubitschek e Bandeirantes. A nova previsão de entrega para a primeira parte, que vai da Avenida Juscelino Kubitschek até a Rua Afonso Braz, na Vila Nova Conceição, é até o fim de abril, segundo a Prefeitura.
Depois, deve ser iniciado o segundo trecho de obras, da Rua Afonso Braz até a Avenida dos Bandeirantes. O prazo total para a finalização dos dois trechos foi prorrogado de julho deste ano para o mesmo mês, mas de 2025.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura disse que a requalificação da Av. Santo Amaro visa a “tornar a via mais moderna, acessível, funcional e segura para a população”.
Sobre o barulho, disse que, “durante a noite, são realizados serviços pontuais de concretagem, aproveitando a maior produtividade e a temperatura amena desse período, essenciais para garantir o tempo de cura adequado do concreto”.
Transtornos em série
Desde o começo de março, segundo Gabriella e outros moradores, os barulhos noturnos têm diminuído, conforme a obra avança. Mas outros incômodos surgiram – em especial, interrupções frequentes de serviços de energia elétrica e internet. “Trabalho home office e fiquei dois dias sem internet, sem poder trabalhar. Agora, a internet voltou, mas a luz continua oscilando”, afirmou a analista à reportagem na quarta-feira, 20.
Os vizinhos dizem que já perderam alimentos, remédios manipulados e até ficaram sem água, pois o funcionamento das bombas de água dos prédios é paralisado com a interrupção do abastecimento de energia.
“Falta de água e energia virou rotina. Vivo tendo que ir para casa de amigos para tomar banho e conseguir trabalhar ou simplesmente descansar”, diz Náyra Pizzol, de 34 anos, médica. “Passei o último sábado visitando outros apartamentos para me mudar. Perdi a paciência.”
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Enterrar os fios da avenida é um dos objetivos da obra e, por isso, a fiação tem sido tão impactada. Mas os moradores reclamam de não serem informados sobre quando os serviços serão interrompidos e por quanto tempo.
“Quando a gente liga para uma empresa reclamando da falta de serviço, ela coloca a culpa em outra, que coloca em outra, e assim ninguém resolve direito o nosso problema”, diz Gabriella.
Procurada, a Prefeitura disse que “as obras de enterramento das redes de energia e de telecomunicações na Avenida Santo Amaro estão sendo executadas pela Enel e pelas empresas de Telecom”.
Durante a transição para o novo sistema subterrâneo, continua, “qualquer problema temporário de instabilidade das redes ou desligamento programado de energia elétrica é de responsabilidade das concessionárias informarem aos clientes”.
Já a Enel informou, em nota, que “a obra da Avenida Santo Amaro prevê a conversão de 2 km de rede aérea em rede subterrânea” e que “os clientes da companhia receberam, com antecedência, um comunicado de desligamento programado, informando data e horário previstos em que o circuito que alimenta a região será desligado para que as obras sejam realizadas”.
“A companhia esclarece que obras deste porte exigem que o fornecimento de energia seja interrompido por questões de segurança dos colaboradores e clientes. As obras subterrâneas são realizadas com as devidas autorizações dos órgãos competentes, como por exemplo, da Prefeitura de São Paulo. Para esta obra em específico, a companhia está em contato frequente com a SPObras, que coordena as ações com demais agentes envolvidos na realização do projeto, inclusive as empresas de Telecom”, diz a empresa.
Vivo e Claro, principais operadoras de internet da região, disseram que quem responde pelas empresas de Telecom na obra da Avenida Santo Amaro é a associação de operadoras do setor Conexis.
Procurada, a Conexis afirmou que “a Operação Urbana na Avenida Santo Amaro, executada pela Prefeitura de São Paulo, eventualmente pode causar instabilidades pontuais de serviço de internet no trecho que estiver passando por obras. Quando isso ocorre, as empresas atuam no menor tempo possível para regularização dos serviços”.
Trânsito intenso e dificuldades para pedestres
No trânsito, Marcio de Freitas, de 35 anos, porteiro que trabalha na região, conta que no ano passado já levava cerca de 40 minutos para percorrer, de ônibus, o trecho em obras – o normal seriam cerca de 15 minutos. Mas agora, segundo ele, piorou. “Depois que interditaram mais faixas, demora mais de uma hora (o mesmo trecho)”, diz. “Mas pelo menos agora a obra parece estar andando mais, espero que acabe logo.”
Náyra reclama também de dificuldade em entrar e sair da garagem do seu prédio por conta do trânsito congestionado, das demolições da obra e da grande quantidade de caminhões. “Preciso descer do carro e solicitar para algum funcionário e esperar – no tempo deles – que os retirem para que eu consiga entrar casa”, relata a médica. “Se opto por sair sem o carro, tenho dificuldade em conseguir Uber, pois sempre cancelam quando percebem a localização”, afirma.
A gerente comercial Denise Scaglione, de 59 anos, diz que está difícil atravessar a avenida. “O cruzamento da Juscelino com a Santo Amaro vive jogado à própria sorte, porque os agentes da CET que permanecem estacionados ali pouco ajudam. Cansei de pedir ajuda para atravessar, mas os que ficam com as viaturas estacionadas no canteiro central falam que não é com eles o auxilio com semáforos e pedestres”, relata.
“Também tem morador aqui que já caiu na porta do prédio devido aos buracos na estreita passagem que virou a calçada”, afirma a moradora. Segundo comerciantes, há muitos meses as calçadas ficaram inviáveis para pessoas com mobilidade reduzida, atrapalhando também o acesso ao comércio.
Eles reclamam que, apesar de a obra se arrastar há muito tempo, ela não tem sido feita em etapas planejadas para minimizar os impactos negativos. “Demoraram uma eternidade com um canteiro minúsculo no centro da avenida, para depois quererem correr – só porque é ano de eleição –, fazendo tudo ao mesmo tempo e deixando a gente quase sem conseguir andar por aqui”, diz Pedro Marques Santos, de 58 anos, comerciante da região.
Desde o ano passado, além da aceleração das obras da Avenida Santo Amaro, a gestão tenta acelerar mais entregas, como o recapeamento de vias e o projeto de inauguração do Aquático SP, primeiro transporte hidroviário da capital. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) pretende se candidatar à reeleição em outubro.
Em nota, a Prefeitura informa que “desde setembro, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) realiza os desvios na Av. Santo Amaro no trecho entre a Avenida Juscelino Kubitschek e a Rua Afonso Braz. As equipes da CET monitoram o trânsito na região, adotando as medidas operacionais cabíveis para minimizar os impactos de pedestres e motoristas e, sobretudo, preservar a segurança dos usuários de passagem.”
A gestão acrescenta que “a SPTrans monitora diariamente a operação dos ônibus durante as intervenções na Av. Santo Amaro e realiza ajustes na operação das linhas que circulam na região, quando necessário, a fim de conferir maior segurança e fluidez na circulação dos coletivos”. Quatro linhas já tiveram itinerário alterado por causa da obra.
É possível conferir as mudanças no site da SPTrans.
Atrasos
A obra da Avenida Santo Amaro já custa quase o dobro aos cofres públicos do que o valor estipulado no contrato assinado em 2016 pela Prefeitura. O aumento foi gerado por aditivos e reajustes anuais. Após uma série de entraves com estudos técnicos, licenciamentos e desapropriações, a obra demorou a ser iniciada – começou só em julho de 2022 – e o prazo para conclusão foi prorrogado de 24 para 36 meses.
Em 2016, o contrato assinado com a gestão Fernando Haddad (PT) previa valor de R$ 58,699 milhões. Isso equivale a R$ 86,063 milhões em valor corrigido pela inflação, pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).
Após a demora no início da execução e aditivos contratuais, o custo saltou para R$ 161,4 milhões, alta de 87,5%. A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que o último aumento de valor, por meio de aditivo assinado em janeiro, refere-se à atualização financeira anual prevista em contrato, acumulada no período 2016 a 2022.
“O reajuste segue o Índice Nacional de Construção Civil – Pavimentação Vias Arteriais como referência, conforme estipulado contratualmente”, informa a Prefeitura, em nota. Por esse índice, o último reajuste foi de 117,5592%, conforme o aditivo assinado.
O projeto inclui enterramento de fios, alargamento de calçadas, construção de novas paradas de ônibus e mais faixas de ultrapassagem para o transporte coletivo, com o objetivo de melhorar o trânsito e o acesso ao comércio.
O prazo atualizado para a entrega do primeiro trecho, entre a Juscelino Kubitschek e a Rua Afonso Braz, é até o fim de abril, segundo a administração municipal. Já o segundo trecho, entre a Afonso Braz e a Avenida dos Bandeirantes, deve levar mais 15 meses, considerando o prazo total estipulado de três anos.
O TCM diz que a reforma está andando de forma mais acelerada desde que foi realizada mesa técnica junto à SPObras e a CET e que pretende instalar câmeras ao longo da avenida para fazer acompanhamento em tempo real a partir de agora, até o fim do projeto.
A Prefeitura informou ao Estadão que, nos últimos meses, foram executados os seguintes serviços neste primeiro trecho de obras, entre a Juscelino Kubitschek e a Afonso Braz, a ser entregue até o fim de abril:
- Reforma no canteiro central;
- Instalação da nova adutora da rede da Sabesp;
- Troca da rede de água e esgoto;
- Conclusão do alargamento da Rua Egito;
- Criação de uma nova rua destinada à conversão dos ônibus para a Rua Afonso Braz;
- Abertura de valas técnicas para enterramento de cabos;
- Demolição das antigas paradas de ônibus;
- Execução de pavimento rígido (concreto) em vários pontos da via;
- Finalização de trechos de novas calçadas do lado ímpar.
“No dia 13 de março foi iniciado o processo de remoção dos postes da avenida, substituindo-os por cabos enterrados. Em paralelo ao andamento das atuais melhorias, a SPObras finaliza os estudos com o planejamento de frentes de trabalho que devem ser implementadas para o trecho entre a Rua Afonso Braz e a Av. dos Bandeirantes, com o objetivo de garantir maior agilidade na entrega do novo viário com o menor impacto sobre a região”, diz a gestão.
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