Você mora em uma ilha de calor? Consulte sua rua no mapa interativo de SP

Bairros ricos concentram áreas verdes, enquanto regiões de menor renda estão mais sujeitas a efeitos das altas temperaturas, mostra plataforma criada pela USP e mais universidades

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Foto do author Lucas Thaynan
Por Juliana Domingos Lima e Lucas Thaynan

A cidade de São Paulo tem a pior posição no Estado em relação a ilhas de calor, áreas com temperaturas acima da média municipal.

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A comparação se baseia no coeficiente de ilha de calor da plataforma UrbVerde. O cálculo considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média). Depois, multiplica o valor pela população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.

Ou seja, o pior desempenho da capital segundo esse coeficiente se deve não só à intensidade ou extensão das ilhas, mas também à maior quantidade de pessoas vulneráveis atingidas, em números absolutos.

Lançada em 2023, a UrbVerde foi desenvolvida por alunos e professores da USP, Universidade Lusófona, federais de São Carlos (UFSCar) e da Bahia (UFBA), com o objetivo de fornecer dados ao poder público e aos cidadãos no contexto das mudanças climáticas.

Pode servir, por exemplo, para que se evite construir habitações sociais nos locais mais propensos ao calor extremo ou para prever quais hospitais deverão sofrer maior pressão durante uma onda de calor. Também ajuda a identificar a demanda por novas áreas verdes, como parques.

Capão Redondo, bairro da periferia da zona sul paulistana, é considerado uma ilha de calor; situação diferença de Alto de Pinheiros, na zona oeste, onde a cobertura vegetação dá mais frescor ao ambiente urbano Foto: Felipe Rau/Estadão

De acordo com dados da plataforma, a capital paulista também é uma das piores no Estado em temperaturas máximas de superfície, que chegam a 42°C. Trata-se da medida da temperatura dos materiais de edifícios e pavimentos – em geral, concreto e asfalto –, aferida por satélite.

Segundo Marcel Fantin, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos e coordenador da UrbVerde, os dados da plataforma indicam a distribuição desigual dos ônus e benefícios ambientais no território.

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A ferramenta traz informações sobre temperatura, ilhas de calor, vegetação, e distribuição de parques e praças, combinadas ao fator de renda em todos os municípios paulistas de 2016 a 2021.

Amanhecer visto a partir da zona norte da capital paulista; cidade tem diferentes temperaturas, de acordo com o bairro Foto: WERTHER SANTANA - 17/03/2024

Mais verde, menos calor

A diferença de temperatura média de superfície entre bairros ricos e pobres na capital pode ultrapassar 10°C, em grande parte devido à maior presença de vegetação nas áreas ricas, que se tornam mais frescas. Entre a favela de Paraisópolis e o bairro do Morumbi, vizinhos na zona sul, a discrepância chega a 9°C.

Embora a temperatura de superfície não seja igual à temperatura ambiente, aferida pelos termômetros meteorológicos através do ar, ambas estão diretamente relacionadas.

Os edifícios e pavimentos são conhecidos por intensificar o calor e em áreas muito adensadas e sem vegetação, configuram o fenômeno das ilhas de calor.

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Os dados da plataforma indicam que áreas de menor renda têm coeficiente de ilha de calor mais alto e temperaturas de superfície igualmente mais elevadas devido à menor cobertura vegetal, o que também resulta em pior qualidade do ar. O inverso acontece nas localidades mais ricas.

“Quanto menor a renda, menor é o acesso a áreas arborizadas, parques e praças, o que implica em bairros mais concretados, densos e suscetíveis às mudanças climáticas. Por outro lado, as regiões da cidade com maior renda geralmente têm melhor acesso a áreas verdes. Podemos dizer que dinheiro não dá em árvore, mas a árvore acompanha o dinheiro”, diz o professor Marcel Fantin.

Ele cita os exemplos de bairros como Jardim Paulista, Morumbi e Alto de Pinheiros. Eles possuem ampla cobertura vegetal e diversos parques, que proporcionam temperaturas mais amenas e melhor qualidade de vida, especialmente durante os meses de verão.

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Já os bairros periféricos e favelas em diferentes regiões da capital apresentam temperaturas de superfície significativamente mais altas e ilhas de calor. Em geral, são essas mesmas áreas que também estão vulneráveis a desastres climáticos ligados a chuvas, como deslizamentos e inundações.

É o caso do Jardim Ângela, Cidade Ademar, Carrão, Vila Formosa, Ermelino Matarazzo, Vila Medeiros, Freguesia do Ó, Jaguaré, Cidade Dutra, Paraisópolis, Heliópolis e São Mateus, com grandes áreas concretadas e pouca vegetação.

A associação entre vegetação e temperatura é mostrada em muitas pesquisas, mas a UrbVerde permite observar a distribuição espacial dessa correlação nas cidades paulistas. Até o fim de 2024, os pesquisadores pretendem ampliar a base de dados da plataforma para todo o Brasil.

Cidade vulnerável

Além das áreas com maior temperatura de superfície espalhadas pela cidade, é preciso considerar que toda a região metropolitana de São Paulo funciona como uma ilha de calor.

A vegetação é substituída por superfícies impermeáveis que retêm mais calor, como o asfalto. Além de reduzir a evapotranspiração do solo, somada ao calor emitido pelas atividades humanas (veículos e indústrias), isso faz com que toda a mancha urbana apresente temperatura mais elevada se comparada ao seu entorno.

Com ondas de calor mais frequentes devido às mudanças climáticas – somente em 2024, a capital já vivenciou quatro –, é possível dizer que a cidade como um todo sentirá os efeitos do calor extremo.

Os dados da UrbVerde, no entanto, mostram quais são as zonas mais críticas: as que têm pouca infraestrutura verde para mitigar os efeitos do calor, tornando-se particularmente suscetíveis às mudanças climáticas.

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Entre eles estão bairros como Itaquera e Itaim Paulista, Campo Limpo e Freguesia do Ó, além de outros já citados. Nesses locais, de acordo com Fantin, “a situação pode se agravar com o aumento das temperaturas e a intensificação do fenômeno das ilhas de calor”.

Especialistas também têm defendido o uso de soluções baseadas na natureza, como jardins de chuva e parques drenantes, para ampliar a cobertura vegetal da cidade e evitar os impactos dos temporais.

No trânsito, o investimento na mobilidade ativa (a pé ou de bicicleta) e no transporte coletivo com energia limpa são apontados como saídas para reduzir os congestionamentos e também as emissões de poluentes na atmosfera. Mas alternativas nessa linha, como os ônibus elétricos, ainda enfrentam barreiras para decolar no Brasil.

Secretaria diz investir em criar parques e no plantio de árvores

Em nota, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente informa que seis novos parques foram inaugurados pela atual gestão, iniciada em 2021, e outros seis estão em processo de implementação.

Os já em funcionamento estão em Santo Amaro, Paraisópolis, Consolação, Grajaú, Butantã e Santa Cecília. Há parques a serem inaugurados no Sapopemba, Campo Limpo, Mooca, Casa Verde, Jardim Apurá e São Mateus.

A pasta ainda cita a ação de 2024 da Prefeitura, que decretou 32 áreas verdes particulares como de utilidade pública (28 delas na periferia).

A secretaria diz ainda ter plantado, no ano passado, 85.250 árvores por incremento, compensação e reparação ambiental. São Mateus e Capela do Socorro foram as áreas mais beneficiadas, com 9.742 e 8.891 árvores respectivamente.

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O Município destaca ainda ter uma secretaria de Mudanças Climáticas e contar, desde 2021, com o Plano de Ação Climática.

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