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William Waack: Sou piloto amador e estamos todos em busca de explicações sobre acidente em Vinhedo

Colunista do Estadão tem avião e relata que havia alerta de risco de gelo severo na região de São Paulo por onde passou a aeronave ATR que caiu matando 61 pessoas

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Foto do author William Waack

O acidente que ocorreu em Vinhedo, onde morreram 61 pessoas, atinge a todos nós. Mexe de maneira especial com todo mundo da aviação. O primeiro pensamento é para as famílias e as vítimas. Pessoalmente, fico muito atingido com esse tipo de ocorrência. As pessoas me conhecem como jornalista profissional, mas tenho uma paixão enorme por aviação. Sou um piloto privado, não sou um piloto profissional. Sou um jornalista profissional, mas um piloto amador.

Proprietário de uma aeronave, voo todo fim de semana. O avião que piloto é um turboélice monomotor. As características dele obrigam quem opera a ter uma preocupação muito grande com a condição meteorológica quando ela favorece a formação de gelo.

Aeronave ATR que caiu em Vinhedo, matando 61 pessoas Foto: Claudia Vitorino

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O que está sendo debatido pelos colegas pilotos e o que posso compartilhar é o que outros pilotos, amadores como eu, em uma hora dessas pensam em termos de treinamento e de condição. É tentar entender o porquê da queda desse ATR. Nos vídeos está claro que ele está em uma situação que, na gíria, a gente chama de “parafuso chato”.

É uma condição aerodinâmica na qual as superfícies de voo, através das quais o piloto, manipulando o manche e os pedais não consegue fazer o que quer com o avião. Essa superfície de voo perde a capacidade de dirigir a aeronave e a aeronave se transforma em um objeto em queda livre.

É isso que a gente constata pelos vídeos. Por que a aeronave virou um objeto em queda livre se é feita para passar pelo ar e, pelos princípios de física, prosseguir voando da forma que o piloto quer? Provavelmente, porque suas superfícies de atuação estavam inoperantes. Por que que elas se tornam inoperantes?

Há uma explicação para isso que vem de todos os manuais e faz parte do nosso treinamento, que é quando essas superfícies deixam de ser superfícies aerodinâmicas. Elas deixam de funcionar como o princípio da física diz que deve funcionar para fazer um corpo mais pesado que o ar voar. Isso, em geral, em situações desse tipo, está associado à formação de gelo nessas superfícies aerodinâmicas.

Então, traduzindo em uma linguagem mais acessível e não técnica, a asa deixa de ser asa quando o ar que passa por ela não percorre aquilo que os princípios de física dizem que deve percorrer e cria, portanto, sustentação.

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O que altera a aerodinâmica de uma asa é quando ela perde esse perfil. E ela perde o perfil se houver uma formação de gelo muito forte que altere a corrente de ar. Isso ocorre, em geral, no tipo de condição meteorológica que ainda está em cima da área de São Paulo, que é muita umidade transportada pelo ar e baixíssima temperatura.

Quando isso acontece, a umidade condensa e vira gelo. Mas, para virar gelo, ela precisa daquilo que se chama de catalisador, que acaba sendo o avião. Aquele corpo metálico passa e essa umidade congela e gruda na superfície de voo do avião.

Posso trazer apenas a minha experiência pessoal, muito limitada, porque gostaria de reiterar que não sou piloto profissional, sou um piloto amador. Porém, pela minha própria segurança, fui treinado para voar em condição de gelo severo, e isso faz parte do nosso treinamento teórico e prático.

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A primeira lição que todo piloto de aeronave do meu tipo recebe é “saia dessa condição o mais rápido que você puder”. Como sou piloto privado e, por isso, atento à meteorologia, que é uma paixão minha, soube hoje de manhã que havia um aviso de gelo severo. Esse aviso chamava atenção para o cuidado que era preciso ter entre altitudes indicadas porque havia gelo severo. Então, no planejamento de voo, é essencial saber qual a melhor altitude para fugir desse severo.

Hoje, essa camada de gelo começava muito baixa em termos aeronáuticos, em torno de 12 mil pés até 21 mil pés. É exatamente a altitude no qual o ATR gosta de voar. O ATR gosta de voar ali entre 15 e 18 mil pés. É por onde ele estava, onde tinha maior aviso de gelo severo. O gelo severo significa, simplesmente, que a capacidade do sistema de degelo, “anti-ice” como se fala em inglês, não dão conta dele.

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