A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta quarta-feira, 10, a derrubada de parte dos vetos feitos pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) durante a sanção da revisão da Lei de Zoneamento, em janeiro. Parte dos trechos retomados pelos vereadores foram apontados como “retrocessos” e “incentivos excessivos” ao mercado imobiliário por pareceres técnicos de secretarias municipais.
- Os trechos retomados pela Câmara incluem um novo benefício para prédios com intervenções ditas como de menor impacto ambiental — o que inclui o plantio de árvores em floreiras, por exemplo —, o destombamento de áreas destinadas a obras de transporte e o fim da exigência de abertura de áreas públicas (como ruas) em megaempreendimentos com mais de 20 mil m².
No mapa, há alterações na classificação do zoneamento de alguns locais, como de lotes de Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam) transformados em Zona Especial de Interesse Social (Zeis), voltada à moradia de baixa renda, dentre outros.
Em geral, os trechos retomados envolvem propostas incluídas pela Câmara no projeto de lei de revisão. A derrubada dos vetos foi aprovada por 40 dos 55 vereadores, com nove votos contrários e os demais ausentes. Também foi aprovada a manutenção dos demais vetos, por unanimidade.
Dessa forma, não foram retomados alguns dos trechos mais controversos vetados por Nunes, como o que permitia prédios mais altos nos miolos de bairro, o que intervinha na atuação do conselho de patrimônio cultural (Conpresp) e aquele que facilitava habitações em Zonas Especiais de Proteção Ambiental (Zepam). Os vetos rejeitados seguem para promulgação do prefeito.
Parte dos vereadores foi pega de surpresa, visto que a votação dos vetos não foi discutida no último Colégio de Líderes — reunião entre as lideranças da Câmara, realizada às terças-feiras. Também foi criticada a divulgação da lista de vetos a serem votados apenas durante a sessão, o que dificultou uma análise aprofundada de cada ponto.
Já o relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD), respondeu que a votação nesta semana havia sido tratada em parte das reuniões do Colégio de Líderes.
Entre as justificativas apresentadas, estão as que as mudanças são voltadas a permitir que as normas urbanísticas se adaptem à realidade de cada região e que flexibilidade para um desenvolvimento mais sustentável.
Além disso, no caso de mudanças nos zoneamentos de alguns locais, o vereador alegou que as mudanças visam a atender à necessidade de garantir moradia à população de baixa renda e adequar a classificação de algumas áreas às características atuais.
Quais vetos foram derrubados? Veja alguns dos mais criticados
- Artigo 10: Mais benefícios para prédios dito de menor impacto ambiental
O trecho dá incentivos para prédios com alguns tipos de intervenção, como detentores de certificação de sustentabilidade, com arborização vertical, com cogeração de energia limpa parcial, com pré-tratamento de esgoto, com ampliação na capacidade de drenagem, com “teto-jardim”, com floreiras de determinados padrões, dentre outras.
Esse benefício foi criticado porque já existem estímulos para empreendimentos com certificação ou com boa nota na quota ambiental, assim como algumas intervenções não teriam ganhos ambientais suficientes para compensar um estímulo municipal.
Além disso, em carta de indicação de vetos, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente havia apontado “não ser razoável dar incentivo para elementos como floreiras ou arborização vertical (como árvores plantadas em vasos nas varandas), que tende a ter um curto tempo de vida, e que, por ter sido objeto de incentivo, pode vir a preceder de autorização para podas e supressões tal, como as demais árvores da cidade, criando mais uma relação fiscalizatória junto à Prefeitura”.
Já a Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo (Deuso) — que liderou a revisão da lei na Prefeitura no ano passado — disse que se trata de um “benefício cumulativo”. Também ressaltou que afetaria a arrecadação do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que arrecada recursos das construtoras a serem destinados a obras em transporte e habitação, por exemplo.
- Artigo 26 - Megaempreendimentos estão dispensados de doar áreas públicas
O artigo retomado facilita a implantação de megaempreendimentos na cidade. Entre os pontos, estão a isenção da destinação de parte do terreno a áreas públicas quando tiver de 20 mil m² a 40 mil m², desde que atendam a alguns requisitos.
Em carta de indicativo de vetos, a Secretaria do Verde apontava problemas em dois trechos deste artigo. No caso da dispensa de doação para área pública (diante da grande dimensão), aponta que contraria lei federal. “Convertendo em ônus para o município a área necessária para oferta de equipamentos públicos essenciais ao atendimento da população por conflitos com outros limites impostos na mesma lei”, destaca o documento.
A carta fala também em benefícios demasiados e retirada de exigências, como da destinação de vias a pedestres. “Passa a permitir que os imóveis com usos já isentos de atendimento às dimensões máximas possam combinar usos desde que atenda ao exposto em seus incisos. Dessa forma, entendemos que tal proposta pode gerar conflitos de entendimento, além de dar incentivos excessivos a quaisquer outros usos, promovendo a perda da qualidade urbanística do desenho da cidade”, aponta.
- Artigo 59. Permite ‘destombar’ áreas com obras de transporte
O artigo traz uma série de exceções a regramentos no caso de obras de infraestrutura, de modo que sejam submetidas a normas distintas do zoneamento. No caso de transporte coletivo, por exemplo, permite que não sejam respeitadas restrições de tombamentos.
Em carta de vetos, técnicos da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento chamaram o artigo de um “retrocesso urbanístico”. Também apontaram que fere “o princípio da isonomia, ao estabelecer que quadras atingidas indiretamente pelas obras de infraestrutura de transporte público possam receber novos parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo”.
Já técnicos do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) salientaram que uma lei municipal não pode tirar proteção de entes federativos diversos, como estadual e federal, como é o caso de tombamentos nessas esferas. Além disso, a assessoria técnica e jurídica da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento considerou que o trecho permite o “destombamento” de áreas e “afronta as competências dos órgãos de preservação, contrariando diretrizes e dimensões relevantes” do Plano Diretor.
- Artigo 79. Determina implantação de Plano Municipal de Cidades Inteligentes no sistemas de alvará
O artigo retomado determina a implantação do Plano Municipal de Cidade Inteligente em 90 dias nos sistemas de emissão de alvará. Isto é, prevê a coleta de dados diversos durante esses procedimentos, como área construída por uso, altura, número de unidades habitacionais por tamanho de unidade e outros.
Nesse caso, o parecer negativo da Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo apontou que a exigência não se encaixa em uma lei de zoneamento. “Além disso, esse estabelece prazo inexequível para implantar sistema de emissão de alvará com coleta de dados específicos”, completou.
- 86. Permite que projeto determine onde fica o térreo e onde começa a contar altura máxima
O artigo dá nova definição para diversos conceitos urbanísticos, como retrofit e edifício sustentável. Um dos mais controversos é o que aponta que a altura máxima é contada a partir do pavimento térreo, o qual passaria a ser apontado pelo projeto.
Para a Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo, parte dos conceitos causam “dúvidas na aplicação das demais leis”. No caso da definição de térreo, o desvincula “do acesso do terreno, deixando a cargo do projeto sua definição”.
A definição de prédios de interesse social também foi criticada, pois diz envolver prédios com 50 anos de construção e outras características sem mencionar critério de renda. Por isso, a coordenadoria afirma que dá um “estímulo à especulação imobiliária”, pois “não vincula conceito à moradia voltada à população de baixa renda e cria outra figura de aplicação que pode gerar dificuldade de compreensão”.
Apontamento semelhante foi feito pelo Departamento de Planejamento Habitacional (Deplan), pois permitiria que “edifícios antigos, porém ocupados por população de média e alta renda, passem a ter prioridade de investimentos para reforma, o que contraria a prioridade de atendimento da política habitacional pública”. “Ademais, os edifícios localizados em áreas centrais, ocupados por população de baixa renda, já possuem prioridade de atendimento pela política habitacional.”
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