Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano
São Paulo acabou de aprovar revisões do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento, as duas principais normas urbanísticas da cidade. Impulsionar a construção de moradias sociais, elaborar planos para os bairros e fortalecer novas centralidades regionais, com foco em combater desigualdades, estão entre os principais desafios para a gestão municipal. Além disso, o prefeito já deverá discutir no novo mandato o próximo Plano Diretor - o prazo para envio deste texto à Câmara acaba em 2029.
“O peso das políticas de desenvolvimento urbano é enorme. Todo projeto urbano é obrigatoriamente multissetorial, e isso é um desafio enorme para prefeituras”, afirma Regina Prosperi Meyer, urbanista da Universidade de São Paulo (USP).
Olhar para os bairros e integrar o território
Igor Pantoja, da Rede Nossa São Paulo, sugere descentralizar mais a governança, por meio das 32 subprefeituras. “Possibilita às pessoas se aproximarem da própria cidade, com apoio de técnicos da Prefeitura”, diz. “A grande discussão (no zoneamento) foi onde pode se construir mais alto ou não. Isso não deve ser o centro da discussão, mas programas de melhoria de bairros”, acrescenta.
Para ele, uma saída para dar vazão a isso são os Projetos de Intervenção Urbana (PIUs), como os Arcos Tietê e Leste, que preveem regras e incentivos específicos em mais de 20 distritos, como Santana, Vila Maria, Freguesia do Ó (zona norte), Tatuapé e Itaim Paulista (leste).
“Aproximar o emprego da renda, com políticas de investimento em melhorias de infraestrutura em certas regiões. É importante incluir o mercado na discussão”, diz Igor Pantoja, coordenador de Relações Institucionais da Rede Nossa São Paulo.
A capital viu um “boom” de microapartamentos e prédios altos perto de acesso a metrô, trem e corredor de ônibus, fruto da conjuntura econômica favorável e de incentivos de leis aprovadas de 2014 a 2016. Isso verticalizou bairros de classes média e alta, o que também incomoda parte das vizinhanças.
Para Rodrigo Luna, presidente do Secovi-SP, o crescimento espalhado tornou a capital “muito difícil de se viver”, com grandes deslocamentos diários e acesso desigual a hospitais, escolas, parques e outros equipamentos públicos. Para ele, a solução está no adensamento de áreas mais centrais.
“À medida que se verticaliza, aproxima as pessoas e torna a habitação economicamente mais viável, porque o que mais custa na composição da habitação é a terra”, acrescenta.
Moradias sociais
Um ponto chave para repensar a política urbana é a moradia para a baixa renda, principalmente nas áreas demarcadas pelo Zoneamento como Zona Especial de Interesse Social 3 (Zeis-3), que abrangem imóveis ociosos e subutilizados em bairros com boa infraestrutura de empregos e serviços. Isso inclui antigos galpões, cortiços e outros locais deteriorados, mas em bons endereços.
A tragédia no Rio Grande do Sul reforça a necessidade de uma meta de transformação das áreas de risco. Na capital, são 206 mil moradias em locais suscetíveis a deslizamentos ou enchentes, conforme a Prefeitura. O desastre gaúcho também expõe a necessidade de planejamento urbano mais integrado aos cursos d’água.
Para isso, tem papel crucial o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), formado basicamente pelo valor pago (outorga) pelas construtoras para erguer prédios. No ano passado, a arrecadação foi de R$910 milhões e, do total, 35% obrigatoriamente deve ser usado em habitação para baixa renda.
Para Celso Aparecido Sampaio, professor de Urbanismo da Universidade Mackenzie, a verba do fundo é uma oportunidade para o poder público adquirir imóveis vazios e viabilizar políticas de entrega de unidades e de aluguel social. “É preciso um programa de locação social eficiente para atender as diversas faixas de renda.”
Novo Plano Diretor e mais mudanças
Antes de propor e executar mudanças, é necessário avaliar as leis e programas vigentes. Novas leis urbanísticas podem levar cerca de quatro anos para serem absorvidas pelo mercado imobiliário
Diante da disponibilidade orçamentária da Prefeitura, especialistas veem risco de apostas em projetos complexos, mas não necessariamente prioritários. “A marca de um prefeito também é a capacidade de avaliar políticas que deram certo. Não pode começar por inventar a roda”, diz Regina Meyer, da USP.
Segundo a lei, o prazo de envio do projeto de lei do próximo Plano Diretor à Câmara vence em 2029. Mas, por ser o primeiro ano do mandato seguinte, o documento tem de ser desenhado antes.
Para Celso Sampaio, o próximo Plano Diretor e políticas públicas devem observar mais as necessidades desiguais dos distritos. Isso precisa, diz ele, se refletir na destinação de incentivos e orçamento. “Tem de distribuir os recursos em função da precariedade.”
Outra demanda citada por especialistas é melhorar a qualificação dos espaços públicos. Isso envolve repensar a responsabilidade pela manutenção das calçadas (hoje, em grande parte, da população) e os usos dos leitos carroçáveis (áreas onde carros são geralmente estacionados), por exemplo.
Quais são bons exemplos no exterior?
São Paulo cresceu dando as costas para sua malha fluvial — a maior parte dos cursos d’água foi canalizada e rios como Tietê e Pinheiros, retificados.
Poluído desde o século 17, o Rio Tâmisa, em Londres, se tornou limpo após 150 anos de investimentos, principalmente entre nos anos 1960 e 1970. Mas é um trabalho constante: toda semana, 30 toneladas de lixo são retiradas do rio por dois barcos de limpeza que o percorrem.
Outro exemplo é o projeto Paris Rive Gauche. Na capital francesa, sede dos Jogos Olímpicos, a transformação iniciada na década de 1990 usou um instrumento similar às operações urbanas consorciadas de São Paulo para reurbanizar uma antiga área industrial na margem esquerda do Rio Sena.
Isso potencializou a infraestrutura de mobilidade, erguendo novos edifícios comerciais, escolas e equipamentos culturais. Além disso, ampliou as áreas verdes e incorporou novas unidades de habitação social e residências universitárias.
O Sena recebia esgoto diretamente e, em 1920, foi considerado “morto”. A revitalização passou a ser prioridade a partir dos anos 1960. Hoje, menos 30 espécies de peixes e, apesar das críticas (corretas) de atletas olímpicos que nele precisaram nadar, está bem melhor do que no passado recente.
O que os candidatos propõem em relação ao desenvolvimento urbano (em ordem alfabética)
Guilherme Boulos
Candidato pelo PSOL, Boulos promete construir 50 mil unidades habitacionais por meio de programa municipal e parceria com o Minha Casa, Minha Vida com a inclusão de famílias em situação de rua nos programas. Mirando exemplos internacionais, Boulos aposta no Serviço de Locação Social em que edifícios públicos abandonados passam por intervenções para se tornarem opções de lar para os mais vulneráveis.
Nas favelas, propõe criar o Programa Periferia Viva de Urbanização e Melhoria Habitacional. “Vamos viabilizar pequenas reformas e requalificações em moradias precárias de 100 mil famílias para combater o déficit habitacional e elaborar planos urbanísticos voltados ao saneamento, obras viárias, pavimentação, contenção e estabilização do solo e recuperação ambiental”, afirma.
Para combater a desigualdade na oferta de trabalho, aposta em ações combinadas: geração de empregos nas periferias, melhoria nos deslocamentos urbanos e fomento ao empreendedorismo. “São Paulo enfrenta o fenômeno da cidade-pêndulo, em que os empregos se concentram no centro e as periferias são bairros-dormitórios. Isso tem um efeito perverso de aumento das desigualdades, gera problemas de mobilidade urbana e limita as oportunidades, em especial para os jovens das periferias”, afirma. E exemplifica: “enquanto a Barra Funda oferece 400 empregos para cada 100 moradores, a Cidade Tiradentes, no extremo da zona leste, oferece apenas 8 empregos para cada 100 habitantes”.
José Luiz Datena
Candidato pelo PSDB, o apresentador de TV afirma que a ocupação do território paulistano não pode se render à especulação imobiliária. Caso eleito, Datena promete “trocar imposto por emprego e criar os ‘Territórios do Emprego’ para induzir a ocupação urbana da cidade com mais igualdade”. A ideia é oferecer benefícios fiscais para incentivar empresas a se instalarem na periferia e estabelecer cotas, como obrigação de contratar pelo menos 20% de mão de obra local e promover melhorias no entorno, como construção de escolas técnicas.
Pensando em descentralizar a governança administrativa do município, Datena pretende nomear como subprefeitos os moradores de cada região. “Não vai mais existir indicação meramente política para os cargos de gestores regionais e vamos utilizar as tecnologias das câmeras corporais nos trabalhos de fiscalização com o objetivo de evitar casos de corrupção”, afirma o candidato.
Marina Helena
Economista, a candidata do Novo, Marina Helena, afirma que suas estratégias para melhorar as políticas de moradia social se baseiam na redução de barreiras burocráticas, como simplificação e agilização dos processos de concessão de alvarás para construção e renovação de habitações sociais. E aposta no chamado aluguel social para diminuir o número de pessoas sem moradia. “A distribuição de vouchers para aluguel de apartamentos no mercado privado para famílias em situação de extrema vulnerabilidade promove a liberdade de escolha dos beneficiários”, aponta.
Para melhorar a oferta de postos de trabalho nas franjas da cidade, Marina afirma: “não acreditamos na capacidade de governos de definir quais regiões terão mais ou menos crescimento”. A candidata propõe simplificar a burocracia e reduzir o ISS (imposto sobre serviço) no momento em que arrecadação subir mais que o PIB para beneficiar tanto o centro quanto a periferia.
Para as regiões localizadas e administrações regionais, o plano de Marina é criar o programa Zelador do Bairro, um sistema de avaliação do subprefeito e sua equipe pela população, com métricas de produtividade. Segundo ela, a medida visa a aumentar a transparência e prestação de contas na gestão pública, criando incentivos para melhorar o desempenho e a qualidade dos serviços.
Pablo Marçal
O candidato não enviou posicionamento até a tarde de sábado, 10.
Ricardo Nunes
Na cidade, o déficit habitacional é estimado em 400 mil moradias, segundo a Prefeitura. Candidato à reeleição pelo MDB, Ricardo Nunes afirma que o enfrentamento deverá ser feito com combinação de fatores como construção de unidades habitacionais, locação social, regularização fundiária, urbanização de favelas e mitigação das áreas de risco.
Nunes pontua que a administração fez ações como o programa Pode Entrar, que prevê a entrega de 72 mil unidades, e o Pode Entrar Melhorias que oferece créditos de R$30 mil por família para pequenas reformas. “Estimulamos o retrofit dos prédios do centro da cidade e ações de regularização fundiária. Desde 2021, 122 mil famílias foram beneficiadas”, afirma. Na periferia, enaltece as parcerias com o Governo do Estado, com a construção de 1.500 moradias em Guaianazes, na zona leste.
Entre as perspectivas para o Plano Diretor, aponta que sua gestão revisou o projeto de desenvolvimento, incentivando o uso dos eixos de transporte e preservando áreas de interesse urbanístico e ambiental. “Aprovamos também diversos Projetos de Intervenção Urbana (PIUs) e revisamos Operações Urbanas (OUCs), como estratégia de incentivo a novas centralidades, reduzindo deslocamentos e aproximando moradias dos locais onde existe emprego e renda.”
Além da revisão do Plano Diretor, Nunes aposta em novos instrumentos para melhorar o desenvolvimento da capital. “Tivemos a inclusão do Complexo de Paraisópolis como receptor dos recursos da Operação Urbana Faria Lima, o que permitirá mais investimentos para as três comunidades, onde moram mais de 120 mil pessoas. Com a aprovação do PIU - Vila Leopoldina, iremos construir 853 unidades habitacionais e diversas obras de infraestrutura e drenagem e Implantaremos, a partir do PIU Jurubatuba, o prolongamento da Marginal Pinheiros, integrado ao parque fluvial, construiremos a Ponte de Veleiros que ligará a região da Avenida do Rio Bonito ao bairro do Jurubatuba, integrando o desenvolvimento urbano com o desenvolvimento sustentável”, aponta.
Tabata Amaral
De acordo com a candidata do PSB, é preciso que o contribuinte possa ter mais protagonismo de escolha em relação onde quer morar. “Vou criar uma plataforma digital de locação social e compra subsidiada de imóveis residenciais, administrada pela Prefeitura e sem intermediários”, propõe. Segundo o projeto, será um processo de compra direta de unidades do setor privado que permite acesso à moradia digna para a população de baixa renda e benéfico para proprietários de imóveis ociosos.
Para potencializar as centralidades regionais, Tabata afirma que São Paulo precisa explorar as vocações econômicas regionais. “Criaremos o Distrito Eletrônico da Santa Ifigênia, para atrair empresas de tecnologia, instituições de pesquisa científica, centros de inovação e startups. Será um dos Distritos Regionais de Desenvolvimento Econômico que vamos implantar em diferentes zonas da cidade”, exemplifica.
E relação ao Plano Diretor, Tabata, que é cientista política, propõe monitoramento constante e periódico dos impactos do crescimento da cidade. “A Prefeitura precisa garantir que as habitações de interesse social sejam encaminhadas para a população mais pobre e que as regiões com estímulo ao adensamento estejam cumprindo a sua função.” E para o futuro, ela planeja debater sobre um novo plano que coloque a adaptação às mudanças climáticas no centro e que preveja os estímulos corretos para novas moradias mais próximas às regiões com mais empregos.
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