10 mitos sobre o intestino desvendados

Especialistas analisam alegações sobre probióticos, dietas de eliminação, intestino permeável e muito mais

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Por Alice Callahan (The New York Times)

Para muitos de nós, o intestino é uma espécie de caixa-preta. Os alimentos entram, os resíduos saem, e raramente discutimos ou tentamos entender o que acontece nesse intervalo.

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“Não falamos o suficiente sobre a saúde intestinal”, diz Morgan Sendzischew Shane, gastroenterologista da Miller School of Medicine da Universidade de Miami. “Não é muito elegante” falar sobre digestão, gases e hábitos intestinais, acrescenta ela.

E as pessoas muitas vezes ficam tímidas na hora de falar sobre determinados assuntos com os médicos, nota ela, o que pode propiciar a persistência de velhos mitos sobre a saúde intestinal e a disseminação de novas fontes de desinformação.

Perguntamos a dez especialistas em gastroenterologia e microbioma sobre os mitos que eles mais gostariam de esclarecer. Confira o que eles disseram.

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A saúde intestinal ainda é um tabu, o que contribui para a disseminação de mitos. Foto: Cristina Spano/The New York Times

Mito 1: Você deve “ir ao banheiro” todos os dias

As pessoas geralmente se preocupam se não evacuam todos os dias, ficam pensando que tem alguma coisa errada, informa Folasade P. May, gastroenterologista da David Geffen School of Medicine da UCLA.

Mas pode ser normal evacuar de três vezes por dia a três vezes por semana, comenta ela. O mais importante é a consistência dos movimentos intestinais, a aparência das fezes (não muito duras, nem irregulares, nem aquosas) e a sensação ao evacuar (não muito dolorosa ou difícil), completa Folasade.

Se você estiver se esforçando muito, sentindo dor, precisando de mais de dez minutos no banheiro ou sentindo que não consegue evacuar completamente o intestino, talvez seja bom consultar um médico. Isso é especialmente importante se você notar sangue nas fezes, mudanças repentinas na frequência dos movimentos intestinais ou perda de peso inexplicável. Estes podem ser sinais de doenças graves, como doença inflamatória intestinal, doença celíaca ou câncer colorretal, disse ela.

Mito 2: As dietas de eliminação podem ajudar a curar os sintomas intestinais

Tamara Duker Freuman é nutricionista da New York Gastroenterology Associates, na cidade de Nova York. Quando ela atende pacientes com problemas como inchaço ou constipação, eles geralmente pensam que cortar várias combinações de alimentos – como grãos, legumes, laticínios, ovos e soja – ajudará a acalmar a inflamação e curar o intestino.

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Mas não há nada inerentemente inflamatório nesses alimentos, avisa Tamara. E as dietas de eliminação podem piorar sua saúde intestinal, que geralmente melhora com o consumo de uma variedade de alimentos de origem vegetal, como grãos integrais, frutas, verduras e legumes. Seguir dietas restritivas também pode levar a deficiências de nutrientes ou alimentação desordenada, avisa ela.

Se você tem problemas intestinais regulares, um profissional de saúde pode ajudar a descobrir a causa. Talvez você precise se abster de determinados alimentos – por exemplo, se você tiver doença celíaca e precisar evitar o glúten – mas não é necessário cortar grupos alimentares inteiros da sua dieta.

Mito 3: É possível diagnosticar sensibilidades alimentares com um teste simples

Várias empresas vendem testes caseiros ou de laboratório – os chamados testes de sensibilidade alimentar – e afirmam que, analisando seu sangue ou alguns fios de cabelo, conseguem identificar os alimentos que podem estar causando problemas como inchaço, dor abdominal e indigestão.

Kate Mintz, nutricionista da UCLA Health especializada em saúde intestinal, reconhece que é “tentador” fazer um teste simples na esperança de ter respostas claras.

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Mas os testes de sensibilidade alimentar, inclusive os administrados em casa ou por alguns profissionais de medicina alternativa, ainda não foram avaliados com rigor, informa Kate. E os resultados geralmente sugerem que as pessoas evitem uma longa lista de alimentos – às vezes, aqueles com os quais nunca tiveram problemas –, o que pode ser confuso ou levá-las a seguir dietas desnecessariamente restritivas, acrescenta.

Em vez disso, consulte um nutricionista que possa ajudar a descobrir quais são os alimentos que estão causando seus sintomas, se é que o problema vem dos alimentos. Isso pode levar tempo, informa Kate, mas é provável que produza resultados melhores.

Mito 4: O estresse pode causar úlceras

Os médicos costumavam pensar que as úlceras pépticas – feridas abertas no revestimento do estômago ou na primeira seção do intestino delgado – eram causadas pelo estresse ou por outros fatores do estilo de vida, como comer alimentos apimentados.

Esse pensamento caiu na década de 1980, quando cientistas descobriram que a Helicobacter pylori, bactéria que penetra no revestimento protetor do estômago, causava muitas úlceras pépticas, descreve William D. Chey, chefe de gastroenterologia da Michigan Medicine. O uso frequente de medicamentos anti-inflamatórios não esteroides, como aspirina, ibuprofeno e naproxeno, também pode causar úlceras.

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Não tratar a “causa raiz” das úlceras – com antibióticos, se forem causadas pela H. pylori, ou reduzindo o uso de anti-inflamatórios não esteroides, se eles forem os culpados, por exemplo – pode propiciar a recorrência delas, explica Chey.

As úlceras recorrentes podem aumentar o risco de sangramento ou de formação de um bloqueio ou buraco no estômago ou no intestino delgado. Infecções por H. pylori não tratadas também podem aumentar o risco de câncer de estômago.

Mito 5: As limpezas com suco e jejuns podem curar o intestino

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É uma ideia bem conhecida: faça um suco com vários ingredientes que você encontraria no corredor de hortifrútis – laranja, abacaxi, limão, pepino, gengibre, açafrão-da-terra – e consuma-o todos os dias para melhorar a digestão, diminuir o inchaço e ter um intestino mais saudável.

Se você gosta de preparar esses elixires (ou comprá-los em algum lugar), não há problema em tomá-los com moderação, diz Morgan. Mas alguns sucos podem ser ricos em açúcar, ressalta ela, e “não ajudam a limpar nada”.

Na verdade, fazer suco de frutas e vegetais remove as fibras, que alimentam os micróbios benéficos do intestino e regula os movimentos intestinais. É melhor preparar um smoothie, que não remove as fibras, ou fazer uma salada, orienta Morgan.

A versão extrema desse mito é a limpeza com suco, na qual as pessoas consomem apenas suco por vários dias. Isso não é benéfico nem sustentável, acrescenta Morgan, e é perigoso promover a ideia de que “seu corpo precisa ser privado de alimentos para ficar limpo e saudável”.

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Mito 6: O câncer colorretal afeta principalmente pessoas mais velhas

Quando estava na faculdade de medicina, no início dos anos 2000, Folasade aprendeu que o câncer colorretal era uma doença de idosos. Mas suas taxas aumentaram em pessoas mais jovens, e agora é a principal causa de mortes relacionadas ao câncer entre homens com menos de 50 anos e a segunda mais comum entre mulheres dessa faixa etária.

Hoje, Folasade diz aos estudantes de medicina que, quando os adultos apresentam mudanças nos hábitos intestinais, perda de peso inexplicável ou sangue nas fezes, o câncer colorretal deve estar na lista de preocupações.

Como os estágios iniciais do câncer colorretal geralmente não apresentam sintomas, todos devem fazer exames preventivos – uma colonoscopia ou um exame de fezes feito em casa – a partir dos 45 anos de idade, ou ainda antes, para quem tiver determinados fatores de risco, informa Folasade.

Mito 7: Comer castanhas ou pipoca pode causar diverticulite

A diverticulite ocorre quando pequenas bolsas na parede do cólon ficam inflamadas, causando dor abdominal, náusea, vômito, constipação, cólicas ou febre.

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Os médicos costumavam dizer que, se você fosse propenso a ter diverticulite, deveria evitar castanhas, sementes e pipoca, pois achavam que elas poderiam ficar presas na parede do cólon e causar inflamação, informa Nitin K. Ahuja, gastroenterologista da Universidade da Pensilvânia.

Mas isso se mostrou errado, diz Ahuja. De fato, algumas pesquisas sugerem que as pessoas que consomem castanhas ou pipoca têm menos probabilidade de desenvolver diverticulite do que aquelas que não consomem. Esses alimentos contêm fibras, que estão associadas a um risco reduzido de diverticulite.

Mito 8: Comer feijão e outros alimentos com lectina pode deixar o intestino “permeável”

Alguns influenciadores afirmam que certos alimentos que contêm substâncias químicas chamadas lectinas – como feijão, grãos e alguns vegetais – causam inflamação e deixam o revestimento intestinal mais “permeável”, o que pode permitir que micróbios e substâncias tóxicas passem do intestino para outras partes do corpo.

Todos os vegetais contêm lectinas, e elas são particularmente abundantes no feijão; é por isso que o consumo de feijão cru ou mal cozido pode causar desconforto gastrointestinal. Mas a maioria das lectinas é destruída pelo cozimento, então você não precisa se preocupar com seus níveis em feijões, grãos ou outros alimentos cozidos, comenta Justin Sonnenburg, professor de microbiologia e imunologia da Universidade de Stanford.

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E embora alguns vegetais que você possa comer crus – como tomates, pimentões e ervilhas – contenham lectinas, elas estão presentes em concentrações muito menores do que no feijão seco e não foram associadas a sintomas digestivos.

Evitar vegetais que contêm lectina por causa desse mito não ajudará seu intestino, esclarece Sonnenburg. Na verdade, pode até prejudicá-lo. Evitar vegetais pode privar seus benéficos micróbios intestinais de fibras suficientes, diz o médico. Quando isso acontece, eles podem começar a comer o revestimento protetor do muco do intestino – o que, por si só, pode causar inflamação e levar a um intestino mais “permeável”, adiciona ele.

Mito 9: Síndrome do intestino irritável é “coisa da sua cabeça”

Dor abdominal, inchaço, diarreia, constipação: os sintomas da síndrome do intestino irritável (SII) são reais e podem ser debilitantes. Mas, historicamente, a doença tem sido alvo de certo estigma, em parte porque não existe um exame de diagnóstico, os cientistas não entendem totalmente sua causa e certos problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, podem agravá-la.

Ainda hoje, alguns profissionais de saúde não levam a doença a sério, fazendo com que muitos pacientes se sintam considerados “loucos”, aponta Baha Moshiree, gastroenterologista da Atrium Health Wake Forest em Charlotte, Carolina do Norte.

A SII é um distúrbio da interação entre o intestino e o cérebro, define ela. Alguns nervos do intestino – como os que sentem dor, por exemplo – podem ficar muito sensíveis, o que pode causar dor até mesmo nas funções digestivas normais.

Mesmo que a saúde mental possa desempenhar um papel na SII, isso não faz com que o problema seja menos real ou digno de tratamento, ensina Baha.

Mito 10: Todos devem tomar probióticos para a saúde intestinal

Embora algumas pessoas possam se beneficiar do uso de suplementos probióticos, há poucas evidências de qualidade que sugiram que a maioria das pessoas precise deles, informa Brian Lacy, gastroenterologista e professor de medicina da Clínica Mayo em Jacksonville, Flórida.

Milhares de espécies microbianas vivem no nosso intestino, diz ele, portanto, é improvável que uma pequena cápsula contendo apenas uma ou algumas cepas vivas contribua muito para melhorá-lo.

E, para algumas pessoas, os probióticos podem piorar os sintomas. As pessoas com prisão de ventre, por exemplo, podem ter mais gases, inchaço e náusea depois de tomar um probiótico, ressalta Kayla Hopkins, nutricionista da Atrium Health Gastroenterology and Hepatology em Charlotte, Carolina do Norte. Em vez disso, ela recomenda o consumo de alimentos fermentados como iogurte, kefir, kimchi ou chucrute, além de uma variedade de vegetais.

“O intestino ideal”, diz Kayla, “não começa com muitos comprimidos e muitas poções, se você puder evitar. Começa com nutrição balanceada e variedade”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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