Das 27 vagas existentes hoje no programa Mais Médicos para atuação no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), 19 (70%) estão vazias, de acordo com informações do Ministério da Saúde.
Desde a criação do programa Mais Médicos, em 2013, 56 médicos atuaram no DSEI Yanomami, mas a rotatividade é alta. A média de permanência dos doutores na região é de 322 dias para médicos formados no Brasil e 733 dias para os graduados no exterior.
Levantamento feito pelo Republica.org, instituto dedicado a melhorar a gestão de pessoas no serviço público, mostra que, no último edital do Mais Médicos, em julho do ano passado, foram abertas 19 vagas para atuação no território indígena, mas somente uma foi preenchida.
“Com a grave crise de saúde encontrada em território Yanomami, a atual gestão do Ministério da Saúde realiza um estudo para incentivar profissionais de saúde a atuarem em áreas indígenas por meio do programa Mais Médicos, que teve um redução de quase 50% nos últimos anos, passando de cerca de 350 médicos em Distritos Sanitários Especiais Indígenas para apenas 180 profissionais”, destacou a pasta, em nota.
Vale lembrar que parte das vagas do Mais Médicos em localidades remotas eram ocupadas por profissionais cubanos, que chegaram a 14 mil durante a gestão Dilma Rousseff, mas deixaram seus postos após Cuba romper a parceria com o governo brasileiro em 2019, com a eleição de Jair Bolsonaro, ele próprio um crítico do programa.
No caso específico do DSEI-Y, diz o ministério, há um edital em andamento para suprir as 19 vagas. A previsão é que os médicos comecem a atuar já em março.
Para o médico Paulo Cesar Basta, pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e especialista em saúde indígena, o preconceito contra os povos originários, as condições precárias de trabalho nas terras indígenas e a insegurança são alguns dos fatores que explicam a dificuldade de fixação de profissionais no território Yanomami. “Situações que vivenciei há 20 anos atuando como médico lá continuam se repetindo”, diz.
Ele ressalta que o desconhecimento e o estigma sobre os indígenas fazem com que a saúde dessa população seja negligenciada tanto na formação médica quanto na gestão dos recursos. “Existe um estereótipo, a sociedade olha os povos indígenas como um obstáculo ao desenvolvimento. Essa visão preconceituosa, estigmatizante e racista faz com que o interesse por esse território e por esses povos seja praticamente inexistente tanto no currículo das faculdades médicas quanto na definição de políticas públicas”, destaca.
Mesmo os profissionais que, por escolha ou necessidade, optam por atuar na terra Yanomami acabam não permanecendo por muito tempo por causa das péssimas condições de trabalho e de alojamento na terra indígena, diz Basta.
“Eles têm que ficar num lugar sem alojamento apropriado, sem banheiro, tem que levar seu alimento e dar conta da sua subsistência sem nenhum suporte. O gestor não dá condições de trabalho, não tem estrutura, não tem medicamentos básicos. A terra Yanomami é a maior do Brasil. São 78 Unidades Básicas de Saúde, mas que não se assemelham às UBSs que vemos nas áreas urbanas. A maioria são casebres com um armário de metal com poucos insumos. Se tiver uma maca, é muito. É uma estrutura absolutamente precária”, diz o especialista da Fiocruz.
Para ele, embora o problema seja estrutural e histórico, a situação piorou nos últimos quatro anos. “Na gestão Bolsonaro, houve uma sabotagem das políticas públicas indigenistas, o orçamento foi sendo corroído e isso foi levando à desassistência”, diz.
O avanço do garimpo e o crescimento de conflitos violentos na região tornou a situação ainda mais insalubre para os profissionais que atuam no local. “Um dos polos base de saúde da terra Yanomami foi tomado pelos garimpeiros para armazenamento de material. Os profissionais da saúde foram expulsos. É uma situação de extrema insegurança e vulnerabilidade.”
Para Paulo, além das ações emergenciais adotadas para atender a população Yanomami diante da grave crise sanitária, são necessárias ações estruturantes para aumentar o número de profissionais na região e melhorar a assistência prestada.
“É preciso fazer um investimento pesado na melhoria da infraestrutura local, que dê condições para que o profissional realize o seu trabalho”, diz. O especialista defende ainda a criação de uma carreira médica federal, com incentivos para a fixação de profissionais nos locais onde a população está mais desassistida.
Para Vanessa Campagnac, gerente de Dados e Comunicação do República.org, é necessário ainda investir na formação de profissionais nessas regiões. “Programas de incentivo para interiorizar a alocação de médicos pelo País têm sido implementados. Entretanto, no longo prazo, políticas baseadas no aumento de vagas em universidades ou cotas nessas localidades têm o potencial de diminuir a desigualdade regional na distribuição de tais profissionais”, diz.
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