Foi numa trivial entrevista com uma mãe ativista antivacinas que o jornalista britânico Brian Deer percebeu que havia alguma coisa errada no estudo científico publicado em 1998 que ligava a vacina tríplice viral (que protege contra sarampo, rubéola e caxumba) à ocorrência de autismo.
Conduzida pelo médico britânico Andrew Wakefield e publicada na The Lancet, uma das revistas científicas mais renomadas do mundo, a pesquisa acompanhou 12 crianças que desenvolveram transtornos de desenvolvimento dias após serem vacinadas. Depois da divulgação do estudo, as taxas de cobertura dessa vacina no Reino Unido começaram a cair ano a ano, chegando ao seu nível mais baixo em 2003, com apenas 79% da população imunizada.
Foi nesse contexto que o então repórter do The Sunday Times, de Londres, resolveu investigar a controvérsia em torno da tríplice viral e descobriu uma das maiores fraudes da história da ciência mundial: o médico responsável pelo estudo havia manipulado dados dos paciente por interesses próprios.
“Quando entrevistei essa ativista, mãe de uma das crianças do estudo, vi que as informações que ela me passava não batiam com nenhum dos casos relatados na pesquisa. Achei estranho e fui procurar quem tinha financiado esse estudo. Foi então que descobri que Wakefield havia sido contratado por advogados para produzir dados contra a vacina para que eles pudessem ganhar dinheiro processando os fabricantes do produto”, resumiu Deer, em entrevista exclusiva ao Estado, concedida na semana passada, quando esteve em São Paulo para participar de um seminário do Instituto Butantã sobre os desafios da educação e da comunicação sobre vacinas.
Após a publicação da primeira reportagem sobre a fraude no estudo, em fevereiro de 2004, o jornalista continuou investigando Wakefield e descobriu outros conflitos de interesse. “Reunimos informações que mostravam que ele tinha registrado a patente da sua própria vacina contra o sarampo, que ele dizia ser mais segura.”
Até mesmo uma estratégia de Wakefield para negar as acusações acabou comprovando a fraude. “Ele resolveu me processar por causa das reportagens e, na ação, seus advogados de defesa anexaram os prontuários médicos dos pacientes que participaram do estudo. Nesses documentos, comprovamos que ele havia manipulado os dados. Em alguns casos, por exemplo, os pacientes relatavam que os sintomas de autismo tinham começado antes da vacinação e Wakefield falava no estudo que haviam começado dias depois da imunização”, diz o jornalista.
A série de matérias seguiu até 2010, quando o médico teve o registro profissional cassado e o periódico The Lancet revogou a publicação do artigo fraudulento.
Mesmo com tantas evidências de que o estudo foi manipulado e com diversas pesquisas posteriores demonstrando que o imunizante não causa autismo, movimentos antivacina no mundo, inclusive no Brasil, seguem disseminando a informação como verdade e acreditando em Wakefield – que hoje espalha suas ideias antivacina nos EUA.
Para Deer, essa crença permanece por três motivos: (1) as pessoas nem sempre têm condições de discernir a informação correta das chamadas fake news; (2) há uma crise de confiança em profissionais e instituições, o que faz os pacientes preferirem acreditar em dados divulgados em redes sociais do que nos seus médicos; (3) e os pais de crianças com transtornos de desenvolvimento que acreditam que o problema foi ocasionado pelas vacinas são constantemente usados por pessoas como Wakefield para comprovar suas teses.
Caminho
Para Deer, a busca pela informação séria e baseada em evidências é o melhor caminho contra as fake news que prejudicam a saúde pública. “Podemos comprovar isso vendo a situação do Reino Unido em meio ao surto atual de sarampo na Europa. As taxas da doença lá não são tão altas como as da Grécia e Itália justamente porque a fraude de Wakefield ficou muito conhecida e as pessoas voltaram a se vacinar. É o acesso à informação que leva a decisões acertadas.”
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