Quando se fala em doenças raras, o primeiro teste que vem à mente é o do pezinho, exame disponível pelo SUS que detecta pelo menos seis doenças, cinco delas raras, e a doença falciforme, que pode ter frequência rara ou não, dependendo da região do País. A tradicional picadinha no calcanhar do bebê logo quando ele nasce é rápida, pouco invasiva e deve ser realizada até o quinto dia de vida.
Em 2021, uma lei ampliou o teste oferecido no próprio SUS para 50 doenças. Mas a implementação desse exame mais completo no serviço público está sendo feita de forma gradativa e ele não está disponível em muitos lugares. Nos laboratórios privados, entretanto, a prática mais completa é corriqueira.
O exame de sangue feito nos recém-nascidos no calcanhar pode parecer pouco eficaz, afinal são apenas 50 doenças entre os milhares das consideradas raras já identificadas. Mas esse é um falso dilema. “O teste é muito importante, pois detecta doenças que necessitam de um diagnóstico e intervenção muito precoces”, diz Salmo Raskin, presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Um exemplo, segundo os médicos, é o caso do hipotireoidismo congênito. Se identificado desde o início, um tratamento hormonal simples é o suficiente para impedir que a enfermidade progrida. Caso não seja diagnosticado, em poucos meses, a disfunção pode causar problemas neurológicos, perda auditiva e deficiência no crescimento.
Para outros milhares de enfermidades, entretanto, a situação é mais delicada. O diagnóstico, em vários casos, pode demorar em média até cinco anos para chegar. Segundo Magda Carneiro Sampaio, professora titular de Pediatria Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), um dos gargalos que precisam ser enfrentados é a distância normalmente enorme que existe entre as primeiras visitas ao médico, no início de algum tipo de sintoma, e o encaminhamento ao especialista correto. “São muitas consultas e exames desnecessários, muitos imunodeficientes morrem pelo caminho”, afirma Magda. Segundo a médica, é preciso que médicos e enfermeiros da atenção primária estejam mais atentos à possibilidade de o paciente apresentar uma doença rara.
Uma pesquisa liderada pelo enfermeiro Marcos Thomazin Lopes, pós-doutorado em doenças raras pela FMUSP, publicada em 2018 no periódico científico Clinics, do HCUSP, revelou que a demora no diagnóstico é uma das maiores queixas dos afetados pelas doenças raras. “O sofrimento psíquico é muito intenso, tanto dos cuidadores e familiares quanto dos pacientes”, diz.
Revolução genética
O sequenciamento do exoma, um teste abrangente que detecta alterações no DNA e pode identificar quase todas as doenças raras existentes, surgiu como uma revolução no diagnóstico há dez anos. “Com esse exame, o médico nem precisa ter uma hipótese diagnóstica muito forte, o teste diz qual é a doença”, diz Salmo Raskin.
É um exame que custa por volta de R$ 5 mil, mas para alguns casos, como para a investigação de deficiência intelectual, ele pode ser feito via SUS ou por meio de planos de saúde suplementar. “É um exame caro, se pensarmos apenas no preço isoladamente. Mas a falta de diagnóstico custa centenas de vezes mais para a família e para o sistema de saúde”, diz Raskin.
Como a maior parte das doenças raras é hereditária, um casal que tenha uma criança diagnosticada com alguma dessas doenças deve receber aconselhamento genético caso deseje ter mais filhos. Muitas pessoas não recebem esse tipo de atendimento ou porque não chegam a ter um diagnóstico do primeiro filho ou porque os profissionais envolvidos não oferecem essa orientação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.