PUBLICIDADE

Adoçantes artificiais estão cada vez mais presentes na alimentação infantil, apesar de alertas

Classificação recente da OMS sobre risco cancerígeno do aspartame, presente em refrigerantes, levantou debate sobre o tema. Crianças estão particularmente suscetíveis

PUBLICIDADE

Por Laura Reiley

THE WASHINGTON POST - Rebekah Miler tem quatro filhas menores de 10 anos. Ela diz que não é uma “crunchy mom”, como são chamadas as mães com hábitos quase hippies em relação aos filhos, que verifica tudo para garantir que seja rigorosamente orgânico. Mas, ultimamente, começou a ficar preocupada com os saborizadores de amora que suas filhas têm esguichado todos os dias em suas enormes garrafas de água.

PUBLICIDADE

Embora o xarope aromatizante esteja repleto de vitaminas e anuncie seus ingredientes “naturais”, também é composto por sucralose - um dos muitos substitutos do açúcar que aparecem cada vez mais em alimentos e bebidas comercializados para crianças, apesar das preocupações a respeito de seus impactos na saúde.

“Você pensa que está fazendo algo ótimo para seus filhos”, diz a dona de casa de S. Petersburg, na Flórida, explicando que os saborizadores estimulam as filhas a se manterem hidratadas. “Mas agora estou pensando: devo dar isso a minha filha de 3 anos ou a de quase 10 anos que está próximo de passar pela puberdade?”

O aspartame está em cerca de 95% dos refrigerantes que contêm adoçante e cerca de 90% dos chás prontos para beber Foto: Mario Anzuoni/Reuters

Esse é um dilema enfrentado por mais e mais pais ao ouvirem a recomendação de evitar a adição de açúcar. Mas, por fim, eles acabam optando por produtos que estão repletos de adoçantes artificiais. Esses lanches e bebidas costumam ter um verniz saudável, anunciando que contêm “baixo teor de açúcar” ou têm “metade do açúcar” das fórmulas anteriores e a única indicação de que contêm álcoois de açúcar ou adoçantes químicos pode ser a longa lista de ingredientes no verso.

A meta de reduzir o açúcar na dieta das crianças é nobre em um país onde a obesidade triplicou desde o início dos anos 1970, passando para uma taxa de cerca de 1 em cada 5 crianças. Mas os especialistas temem que os pais possam estar trocando um mal por outro, selecionando produtos ultraprocessados carregados com aditivos que não foram amplamente pesquisados em crianças.

Esta semana, um painel da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o aspartame como “possivelmente cancerígeno”, 40 anos depois que o adoçante foi aprovado pela primeira vez pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, a agência reguladora do país.

“Acho que estamos embarcando em um grande experimento sem grupo de controle e incluindo crianças sem o consentimento dos pais”, disse Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Publicidade

Atualmente, há dezenas de adoçantes no mercado alimentício americano, alguns dos quais foram desenvolvidos nos últimos anos. Os consumidores precisam se esforçar para encontrar um lanche ou bebida para crianças que seja adoçado apenas com açúcar.

As barras de granola com pedaços de chocolate “Quaker Chewy 25% Menos Açúcar”, por exemplo, são adoçadas com inulina, que é feita de plantas, e polidextrose, um carboidrato complexo feito de glicose.

O pudim de chocolate “Snack Pack Sem Açúcar” é adoçado com sorbitol, maltitol, sucralose e acessulfame de potássio, que geralmente são combinados para simular os sabores e a textura das guloseimas açucaradas. E as vitaminas mastigáveis “Flintstones Immunity Support”, um produto que os pais dão às crianças para mantê-las saudáveis? Quatro dos cinco primeiros ingredientes são adoçantes.

Até mesmo a nova bebida para crianças lançada por Michelle Obama, a ex-primeira dama dos Estados Unidos que fez da saúde infantil uma marca registrada de seu período na Casa Branca, depende de substitutos de açúcar. O “PLEZi”, que é anunciado como uma bebida com baixo teor de açúcar e inclui sabores como maçã e mirtilo, é adoçado com folha de stévia e fruta do monge.

“PLEZi”, que é anunciado como uma bebida com baixo teor de açúcar e inclui sabores como maçã e mirtilo, é adoçado com folha de stévia e fruta do monge Foto: Gabby Jones/Bloomberg

PUBLICIDADE

Os fabricantes de alimentos dizem que estão respondendo ao aumento da demanda dos pais por produtos sem açúcar e com baixo teor de açúcar e cumprindo as diretrizes federais.

“Sabemos que alguns consumidores estão interessados em comidas sem açúcar, então buscamos soluções que entreguem sabor e cumpram com as regulações do FDA”, afirmou Dan Hare, porta-voz da Conagra Brands, que detém a empresa Snack Pack.

“Fornecer um multi-vitamínico com nutrientes essenciais para crianças em formas e sabores que elas gostem de tomar é importante para nossos consumidores”, disse Nicole Hayes, diretora de comunicações externas da Bayer, empresa que comercializa as vitaminas Flintstones.

Publicidade

Alguns adoçantes mais antigos, como a sucralose, que é comercializada com nome “Splenda”, têm sido estudados repetidamente ao longo de muitos anos e considerados seguros pelo FDA e por agências regulatórias de outros países.

“Décadas de pesquisa apoiam a segurança e a eficácia de Splenda em dietas saudáveis”, disse Ted Gelov, diretor executivo da Splenda. Ele afirmou que a marca de adoçante, que é mais vendida no mercado, é considerada segura pelo FDA e que “ao longo dos anos, vários estudos provaram que, juntamente com exercícios e uma dieta saudável, os adoçantes com baixo teor calórico são uma ferramenta que pode ajudar os consumidores a gerenciar peso corporal e reduzir o risco de doenças crônicas.”

O que é saudável?

A segurança alimentar a longo prazo é difícil de ser estudada, porque os pesquisadores não conseguem controlar a dieta de uma pessoa por décadas. No caso de testes em crianças, a questão é ainda mais espinhosa. Isso levou a mudanças dramáticas na orientação nutricional ao longo dos anos.

Lydia Kives, advogada, produtora de documentários e mãe de dois filhos, mora em Beverly Hills, Califórnia, um lugar repleto de lojas que atendem a uma clientela preocupada com a saúde. Apesar disso, ela luta para alimentar os filhos com comidas saudáveis, isso porque a rotulagem dos alimentos muitas vezes é confusa e, além disso, de década para década o que é considerado “saudável” tem mudado muito.

“Penso na época em que minha mãe estava pensando em como alimentar sua família e a margarina era a alternativa ‘saudável’ à manteiga”, disse Kives. Desde então, as gorduras trans em muitas margarinas têm sido associadas a taxas mais altas de doenças cardíacas, “portanto, lido com muita cautela com esses adoçantes alternativos”.

O surgimento de produtos sem açúcar ou com baixo teor de açúcar não decorre apenas da preferência dos consumidores. No ano passado, o FDA anunciou que exigiria que os alimentos rotulados como “saudáveis” obedecessem a limites rígidos de açúcares adicionados.

Na mesma época, o governo Biden anunciou padrões nutricionais mais rigorosos para as refeições escolares, limitando os açúcares adicionados nos cardápios semanais das escolas a menos de 10% das calorias por refeição. Como consequência, os fabricantes de alimentos estão considerando reformular seus produtos para atender ao limite, com muitos deles recorrendo a substitutos do açúcar.

Publicidade

“Temos que dar um jeito no açúcar!” é o slogan de uma nova alternativa de açúcar chamada “RxSugar”, feita de alulose, um adoçante produzido a partir do milho e recentemente reconhecido como seguro pelo FDA. É 90% mais baixo em calorias do que o açúcar de mesa, porque em grande parte não é digerido pelo corpo.

Alguns especialistas apoiam o desenvolvimento e o uso de adoçantes alternativos, citando o risco representado à saúde por dietas com alto teor calórico.

A PLEZi Nutrition não se constrange com o uso de frutas de monge e stévia, consideradas naturais porque são derivadas de plantas e não contêm calorias. Segundo Michelle Obama em fala durante o lançamento do produto, as crianças estão consumindo muito açúcar adicionado, em média, 53 libras por ano. As bebidas açucaradas são a principal fonte de adição de açúcar e quase dois terços dos jovens consomem esses produtos constantemente.

“Sabemos que a melhor coisa para as crianças beberem é água e leite”, afirmou Sam Kass, co-presidente do conselho de nutrição da PLEZi, que também foi diretor executivo da campanha “Let’s Move!”. “Criamos o PLEZi como uma alternativa mais saudável às bebidas açucaradas que podem competir em sabor e ser menos doces – usamos adoçantes naturais para reduzir significativamente o teor geral de açúcar, porque sabemos que os resultados do consumo dessa substância são prejudiciais à saúde de nossos filhos .”

Kass afirmou que o objetivo dos produtos PLEZi é ter menos açúcar e mais nutrientes, mas com um sabor atrativo, “porque, caso contrário, as crianças continuarão escolhendo refrigerantes e outras bebidas açucaradas”.

Willett, de Harvard, afirmou que não se deve fazer generalizações a respeito das consequências desses adoçantes para a saúde, porque são todos quimicamente diferentes e provavelmente têm efeitos biológicos diferentes. O fato de alguns desses produtos serem “naturais” não é uma garantia, afirmou, porque “eles podem ser consumidos em quantidades não naturais”.

“O açúcar de mesa também é natural, mas é claramente prejudicial quando consumido em grandes quantidades”, analisou.

Publicidade

A stévia e a fruta do monge são derivadas de plantas e geralmente são vistas como mais seguras do que outros adoçantes, mas vários estudos mostraram que a stévia pode levar a um desequilíbrio microbiano no intestino, e quase não há pesquisa publicada sobre a segurança do adoçante de fruta do monge para crianças. Ambos também são mais doces do que o açúcar de mesa, o que alguns especialistas dizem que pode “viciar o paladar infantil”, levando as crianças a desejar alimentos cada vez mais doces.

Os aditivos alimentares não passam por uma revisão tão intensiva do FDA quanto os medicamentos. Em 2016, a agência emitiu uma regra que permitia às empresas autocertificar que um novo produto químico ou aditivo alimentar era seguro. Nos últimos 20 anos, o FDA permitiu que muitos adoçantes fossem adicionados ao mercado de alimentos, aceitando os estudos e afirmando aos fabricantes que “não tinham mais perguntas”.

O que a ciência diz

Evidências que têm surgido têm se concentrado mais no impacto dos adoçantes artificiais no sistema digestivo, o que, acredita-se, pode influenciar muitos aspectos da nossa saúde.

Pesquisadores da Universidade estadual da Carolina do Norte e da Universidade da Carolina do Norte descobriram recentemente que uma substância química formada durante a digestão da sucralose pode causar danos ao DNA e tornar o revestimento do intestino mais permeável, embora não esteja claro quanto desta substância vai para a corrente sanguínea. Os autores do estudo, que foi conduzido em laboratório e não em seres humanos, disseram que os resultados mostram a necessidade de mais testes.

Nem mesmo é garantido que essas substâncias contribuam para a perda de peso. Vários estudos sugerem que, embora a curto prazo a substituição do açúcar por adoçantes possa ajudar as pessoas a reduzirem o consumo de calorias, o uso de adoçantes não confere nenhum benefício a longo prazo na redução da gordura corporal em adultos ou crianças.

O aspartame está em cerca de 95% dos refrigerantes que contêm adoçante e cerca de 90% dos chás prontos para beber. A OMS afirmou que a substância pode aumentar o risco de câncer, especialmente no fígado, mas a agência não reduziu suas recomendações relativas à quantidade segura de consumo por dia. Vários estudos, ainda que muitas vezes inconclusivos, relacionaram outros substitutos do açúcar à ocorrência de câncer, diabetes em jovens adultos e outras doenças.

Os adoçantes têm sido fortemente associados à estimulação dos receptores gustativos e ao aumento da ingestão de alimentos, o que, segundo os pesquisadores, pode ser um problema significativo a longo prazo.

Publicidade

Julie Mennella, biopsicóloga especializada no desenvolvimento de preferências alimentares e de sabor do Monell Chemical Senses Center, na Filadélfia, afirma que as crianças, por natureza, preferem níveis mais altos de açúcar no que diz respeito ao paladar do que os adultos. Isso é chamado de “ponto de êxtase”. Os adoçantes sem açúcar variam de cerca de 200 vezes mais doces que o açúcar (sacarina, aspartame , stévia e outros) a 20 mil vezes mais doces (advantame).

“O ponto de êxtase para os adultos é uma Coca-Cola ou Pepsi. Para as crianças é o dobro disso”, disse ela. “Elas vivem em um mundo sensorial diferente.”

Alimentos muito doces para crianças podem consolidar uma predisposição vitalícia para buscar esse sabor, mas pode ser pior do que isso. Alguns pesquisadores acham que os alimentos ultraprocessados com gosto mais doce se encaixam na descrição de “viciantes”.

“As crianças estão sendo condicionadas a responder com súplicas, buscando uma inundação de dopamina no cérebro”, disse Joan Ifland, autora do livro “Processed Food Addiction”. Há também uma ligação crescente entre esses alimentos a depressão e o sofrimento psicológico.

“Os fabricantes estão colocando esses adoçantes em produtos que também são ricos em sal e gordura, permitindo que acionem vários caminhos no cérebro”, disse Ifland. “Estão tornando seus produtos viciantes e resistentes à remissão”.

Os fabricantes estão colocando esses adoçantes em produtos que também são ricos em sal e gordura, permitindo que acionem vários caminhos no cérebro.

Joan Ifland, autora do livro “Processed Food Addiction”

Mesmo com todas as condições adequadas, morando em uma comunidade com fácil acesso a alimentos saudáveis, trabalhando em casa e tendo tempo e energia para fazer a maior parte das refeições de sua família, Kives sabe que não pode evitar uma enxurrada de adoçantes.

“Obviamente, sabemos que o açúcar é ruim para as crianças. Isso afeta o humor, o sono, o que você quiser”, disse. “Mas ler os rótulos é complicado. Existem todas essas alternativas e não tenho ideia do que é realmente seguro e em que quantidade.” /TRADUÇÃO DE PAULA FERREIRA

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.