SÃO PAULO - Dois em cada três casos de aneurisma cerebral estão ligados ao tabagismo, segundo um levantamento da Secretaria de Estado da Saúde obtido pelo JT. A análise leva em conta 250 pacientes atendidos nos últimos dois anos na capital por meio do serviço de neurocirurgia do Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo. Do grupo analisado, 155 pacientes, 62% do total, fumavam regulamente quando apresentaram o problema, caracterizado pela dilatação anormal de uma artéria cerebral, que pode se romper, provocar hemorragia, e levar à morte.
O tabaco ataca a parede dos vasos sanguíneos do cérebro. “Já existem estudos provando essa relação, mas não tínhamos ideia de que a porcentagem de tabagistas seria tão alta”, revela o coordenador do serviço de neurocirurgia vascular do Hospital de Transplantes, Sérgio Tadeu Fernandes. Segundo ele, o cigarro destrói uma proteína elástica (elastina) presente na parede das artérias, tornando-as mais frágeis.
Além de mais vulneráveis ao aneurisma, os fumantes tendem a desenvolver a forma mais agressiva da doença. “Quem fuma e tem aneurisma corre um risco 10 vezes maior de que esse aneurisma sofra uma ruptura”, diz Fernandes. O dado é preocupante porque tem relação com a mortalidade causada pela doença: 12% dos pacientes que têm hemorragia cerebral morrem antes de chegarem ao hospital.
Fernandes afirma que, segundo a literatura médica, passados trinta dias após o rompimento do aneurisma, até 50% dos pacientes apresentarão sequelas que impedirão a volta à rotina normal - dificuldades motoras, paralisias, problemas de fala, alterações de força, além de déficit de linguagem e cognição estão entre as principais.
Elaine Dantas Figueiredo, de 32 anos, teve sorte. Foi operada em outubro, após o rompimento de seu aneurisma, mas conseguiu se recuperar totalmente. No caso dela, o sucesso é dobrado: está no sexto mês de gravidez (veja abaixo). Seu desafio, agora, é abandonar o fumo, vício que carrega desde os 12 anos. O problema, dizem os médicos, é que o cigarro está ligado ao surgimento de novos casos também em pacientes que já trataram a doença.
Os médicos caracterizam o aneurisma cerebral como “traiçoeiro” já que, na maioria dos casos, só apresenta sintomas quando a artéria acometida se rompe. “A pessoa não se percebe doente, apesar de ter uma artéria doente. Quando ocorre a ruptura, há o extravasamento de sangue e o paciente tem uma dor de cabeça súbita e aguda. Naquele momento, descreve a pior dor de cabeça de sua vida”, explica Fernandes. Náuseas e vômitos também são sintomas possíveis.
A pesquisa também apontou que 80% dos pacientes atendidos são, assim como Elaine, mulheres. Alguns especialistas investigam a ligação da doença com alterações hormonais próprias do organismo feminino. Sabe-se, também, que elas têm vasos sanguíneos mais delicados e sinuosos em relação aos homens. Mas, além do cigarro, há outros fatores de risco para a doença: hipertensão, diabete, aumento do colesterol e triglicérides, consumo de álcool, além de malformação congênita das artérias.
Atualmente, muitos aneurismas são descobertos por acaso, em check-ups ou exames pedidos por conta de outros problemas, diz o neurologista Antonio Cezar Galvão, do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho. Segundo ele, cerca de 5% da população tem a doença, mas a maioria não é detectada nem mesmo nos exames.
Galvão afirma que o rastreamento da doença é indicado quando há múltiplos aneurismas em um paciente, fator que indica uma tendência familiar para a doença. Nesses casos, é recomendada uma investigação nos familiares. O exame próprio para a detecção é a angiografia por tomografia ou ressonância magnética.
SAIBA MAIS
OPÇÕES DE TRATAMENTO
Cirurgia convencional:
Com a abertura do crânio, o médico faz a clipagem e a cauterização do aneurisma
Cirurgia endovascular:
Indicada para pacientes que têm contraindicação para a cirurgia tradicional. A partir de uma incisão feita na virilha, o material cirúrgico entra por uma artéria e, por meio de cateterismo, e é levado até o local do aneurisma, onde estanca o sangramento
Cirurgia endovascular feita com stent:
Ainda em experimentação, a técnica foi usada pela primeira vez em agosto, no Paraná. Com o cateterismo, um stent é levado para o local do problema. Esse stent barra a conexão entre o aneurisma e a artéria, levando à regressão do aneurisma, que deixa de receber sangue
FATORES DE RISCO
Tabagismo, hipertensão, diabete, aumento do colesterol e de triglicérides, consumo de álcool, malformação congênita das artérias
EM NÚMEROS
MAIS COMUM EM MULHERES, DOENÇA TEM ELEVADO POTENCIAL INCAPACITANTE
10 Vezes
Mais risco de o aneurisma cerebral estourar é o índice esperado para tabagistas que têm a doença
12 Por cento
Das pessoas que passam pela hemorragia cerebral após o rompimento morrem antes mesmo de chegarem ao hospital
50 Por cento
Dos pacientes atendidos após o rompimento do aneurisma podem ficar com sequelas que impedem o Retorno às atividades normais
80 Por cento
Dos pacientes acometidos pela doença são mulheres, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde
‘Cigarro não causa apenas câncer’
Cerca de um terço dos pacientes tabagistas voltam a fumar depois da operação contra o aneurisma cerebral, segundo o neurologista Sérgio Tadeu Fernandes, do Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo. Ele afirma que os indivíduos com a doença se surpreendem quando descobrem que o cigarro contribuiu para o quadro.
“As pessoas têm de entender que, quando se fala do tabagismo, o problema não é só o câncer de pulmão. O cigarro é extremamente nocivo à saúde e provoca outros tipos de câncer, além de enfarte, isquemia, formação de aneurismas, amputações”, enumera.
Mesmo com motivos muito fortes para abandonar o cigarro, Eliana Dantas Figueiredo, de 32 anos, ainda não conseguiu parar de fumar. No sexto mês de gravidez e recuperando-se de uma cirurgia para tratamento de aneurisma cerebral, agora ela já sabe que o vício, mantido desde os 12 anos, contribuiu para o surgimento da doença.
“Ainda estou na luta. Tenho de parar, mas parece quase impossível. Acho que o corpo pede nicotina. A sensação parece a de quando a gente está com sede e não pode beber água”, explica.
O início das intensas dores de cabeça de Eliana coincidiram com a notícia de que estava grávida. Ela passou por dois hospitais com crises fortes de dor, mas a detecção do aneurisma demorou cerca de três meses para ocorrer. Chegou a ficar um mês internada, mas os médicos hesitaram durante um tempo em fazer a angiografia por causa da gestação.
Quando o diagnóstico finalmente foi concluído, Eliana foi informada de que a cirurgia convencional era a única solução para seu caso. “Por incrível que pareça, eu não senti medo. Vi na cirurgia a solução para a minha vida. Depois que acordei da anestesia, não senti mais dor”, lembra.
Agora, Eliana aguarda novos exames para confirmar se o procedimento não afetou a saúde do bebê. Casos como o dela, em que o rompimento do aneurisma não traz sequelas, são raros.
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