Ansiedade e dificuldade para dormir: 6 em 10 alunos de pós-graduação relatam esses problemas

Pandemia agravou quadro de saúde mental e afeta rendimento dos estudantes, mostra pesquisa da Fiocruz; especialistas defendem políticas públicas de acolhimento

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Por Ana Luiza Antunes
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Pressão dos prazos, exigência sobre a qualidade da pesquisa, malabarismos para colocar a leitura em dia e, em alguns casos, a necessidade de dividir a atenção com outros trabalhos. A vida do aluno de pós-graduação nunca foi fácil, mas a pandemia do novo coronavírus potencializou problemas de saúde mental entre esses estudantes, como mostra uma pesquisa feita pela Fiocruz.

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O trabalho envolveu 5.985 alunos, das cinco regiões do País (51% no mestrado, 43% no doutorado e 6% na especialização). Seis em cada dez alunos relataram ansiedade e problemas para dormir. Já desmotivação e dificuldades de concentração são queixas de quase 80% dos pós-graduandos.

Segundo Roberta Pires Corrêa, autora da pesquisa e doutora em Ensino de Biociências e Saúde pela Fiocruz, os resultados evidenciaram a saúde mental como um desafio de saúde pública. Conforme aponta, os alunos e instituições precisaram se readequar ao novo momento, com aulas remotas e outras rotinas de trabalho, o que impactou no rendimento dos estudantes. Mas, destaca Roberta, estudantes, orientadores e coordenações dos cursos se uniram para que as atividades acadêmicas seguissem com qualidade.

“Eles estavam produzindo seus trabalhos em uma crise que nunca tinham vivenciado antes, em que a maioria dos projetos foi alterada”, diz. De acordo com o estudo, 80% dos alunos tiveram de alterar seus projetos de pesquisa – 9% mudaram complemente seus estudos, 35% fizeram alterações significativas e 37%, mudanças pequenas. Muitas das instituições e agências de fomento flexibilizaram prazos de entrega de trabalhos ou conclusão de disciplinas, com o objetivo de não prejudicar os estudantes.

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Mesmo com o abandono do isolamento social nos últimos meses, muitas universidades têm adotado modelos híbridos, que conciliam atividades remotas e presenciais. Somado ao cenário de acúmulo de trabalho, o período da pandemia ainda coincide com uma crise socioeconômica generalizada no País e restrições de orçamento para o setor. Para aqueles que se dedicam exclusivamente aos estudos, o desafio econômico também pesa: as bolsas federais para mestrado e doutorado, por exemplo, são de R$ 1.500 e R$ 2.200, respectivamente, e não têm reajuste desde 2013.

“Nos seis primeiros meses tive muita dificuldade de lidar com os problemas que o cenário pandêmico causava”, diz João Paulo de Lucena Laet, de 26 anos. Durante o mestrado em Biociências e Biotecnologia em Saúde feito entre 2020 e 2021, ele lembra que tudo que tinha sido planejado inicialmente precisou ser alterado para conseguir se adaptar ao dia a dia de pesquisa em casa, pois não conseguia se concentrar. “Procurei ajuda psicológica da instituição para me ajudar a controlar a ansiedade”, desabafa.

De acordo com a pesquisa, 45% dos alunos relatam que foram diagnosticados com ansiedade generalizada e 17% com depressão durante o primeiro ano da crise sanitária. “Na pandemia, eu me senti menos produtiva. O (trabalho) remoto tira a concentração e senti bastante falta do ambiente acadêmico”, conta Katharina Cruz, de 24 anos. “O maior desafio é manter o foco. Tento trabalhar a mente para criar uma rotina de estudos e leituras”, acrescenta a mestranda em Saúde Pública.

“Tive conversas com o psiquiatra para entender momentos de pico de ansiedade que senti em diversos momentos desde 2020. Entendi que, apesar do tempo extra que ganhei, também era necessário que a mente estivesse em equilíbrio para fazer bom uso dela”, afirma o aluno de pós-graduação em Direito Digital Leone Carvalho, de 24 anos.

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"Entendi que, apesar do tempo extra que ganhei, também era necessário que a mente estivesse em equilíbrio para fazer bom uso dela”, afirma o aluno de pós-graduação Leone Carvalho, de 24 anos. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Universidades precisam criar estruturas de acolhimento

Pesquisador do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos da Fiocruz, Paulo Soares Stephens, que também coordenou o estudo, diz ser fundamental a necessidade de acolhimento por parte das instituições. “Não que esse acolhimento não seja feito de maneira informal, mas precisamos de programas mais estruturados”, aponta.

“Muitos estudantes buscaram apoio de amigos, colegas, familiares e turma”, afirma Stephens. “Precisamos que isso seja feita de forma contínua e não apenas em um momento de pandemia”, diz. Segundo ele, embora poucos programas tenham setores estruturados para fazer esse acolhimento, a maioria deu o suporte possível aos estudantes.

Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Ricardo Marcelo Fonseca diz que na pandemia houve a criação de grupos de trabalho para discutir os problemas de saúde mental e que estudos voltados para os alunos de pós-estão em andamento. “As negociações de prazos para defesas e vigência de bolsas têm sido feitas em conjunto com as agências de fomento para buscar amenizar possíveis causas de depressão e angústia nos estudantes”, afirma.

“Estamos fazendo os balanços de eventuais déficits de aprendizado e buscando refletir alternativas para cobrir possíveis lacunas, tornando mais eficaz os métodos internos dos programas para os novos desafios contemporâneos”, acrescenta ele, que é reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Em nota, a presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), Cláudia Queda de Toledo, diz que a instituição vem implementando ações a fim de amenizar os efeitos da pandemia. “Foi autorizada a prorrogação do prazo das bolsas e do tempo para defesa de teses e dissertações, no sentido de amenizar os efeitos da pandemia”, aponta.

“Em 2021, publicamos o edital sobre Impactos da Pandemia, com pesquisas que poderão subsidiar o Estado na promoção de políticas públicas para o enfrentamento dos males causados pela pandemia e contribuir para o desempenho dos mestrandos e doutorandos”, continua o órgão, ligado ao Ministério da Educação.

O Estadão também entrou em contato com o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, mas até a publicação desta resportagem não obteve retorno.

Correções

Diferentemente do publicado na versão original da reportagem, Roberta Pires Corrêa é doutora, não doutoranda.

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