Foto: Marta, mãe de Leslie: 'não fiquei revoltada, só triste'
ARACAJU - Microcefalia já não era uma novidade em Sergipe. Médicos e enfermeiras estavam acostumados a ver um ou dois casos por mês nos hospitais do Estado, mas a notificação não era compulsória. Até que, em agosto de 2015 apareceram 5 casos, seguidos de outros 15 em setembro e mais 35, em outubro. "Aí pronto, alguma coisa estava errada", diz o obstetra Luis Eduardo Prado Correia, superintendente da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (MNSL), instituição de referência para gestações de alto risco da Secretaria de Estado da Saúde, em Aracaju.
"Houve um aumento repentino do número de casos, sem dúvida, de uma maneira assustadora", lembra a infectologista e superintendente do Hospital Universitário (HU) de Sergipe, Angela Maria da Silva. Em novembro, o número saltou para 64. Depois, caiu para 37 em dezembro e 21, em janeiro. Neste mês, até a última sexta-feira, eram 17. "A estatística vem diminuindo, mas ainda está muito acima do esperado", avalia Mércia Feitosa de Souza, uma das coordenadoras do Plano Estadual de Combate à Microcefalia.
Uma investigação clínica deflagrada pelo Estado detectou que as mães dos bebês tinham algo em comum: quase todas relatavam ter tido sintomas de uma infecção viral não identificada no início da gestação, incluindo febre, dores nas articulações e manchas ou pintas vermelhas (exantema) espalhadas pelo corpo. O mesmo estava acontecendo em outros Estados do Nordeste, mais notoriamente em Pernambuco, o que levou o Ministério da Saúde a declarar um "estado de emergência em saúde pública", no início de novembro.
Os sintomas das gestantes eram compatíveis com dengue e chikungunya, mas quem despontou como o principal suspeito foi o recém-chegado zika vírus, cuja presença no país fora confirmada em abril. Ainda mais depois que ele foi encontrado no líquido amniótico e no cérebro de fetos com microcefalia, o que não ocorreu com os outros dois vírus.
Em Sergipe, não há ainda nenhum caso confirmado de zika na população, mas isso é um problema para os cientistas resolverem. Para as mães que já deram à luz bebês com microcefalia, mais importante do que identificar a causa é saber qual será o impacto dessa má-formação na qualidade de vida de suas crianças. "Meu filho vai andar? Meu filho vai falar?", são as perguntas que a pediatra Roseane Porto mais escuta durante os atendimentos. "Infelizmente, muitas dessas dúvidas a gente não têm como responder."
"Não podemos tirar a esperança das mães, mas também não podemos iludi-las", diz a enfermeira sanitarista Magda Vieira, gerente do ambulatório de acompanhamento de recém-nascidos de alto risco da MNSL, que atende regularmente mais de 50 bebês com microcefalia.
Síndrome de zika. A gravidade dos casos é variada. A maioria dos bebês com microcefalia não precisa ficar internada - nasce e vai para casa, mas necessita de cuidados especiais e acompanhamento constante. Um relato frequente das mães é que eles choram muito e tem dificuldade para se alimentar. Outras complicações incluem dificuldade respiratória, problemas de visão e audição, espasmos e hipertonia (rigidez) muscular. Tanto que muitos médicos já defendem que os esses casos sejam classificados como uma nova síndrome congênita de origem viral, e não apenas como microcefalia.
Há também crianças que nascem com deformações nos braços e nas pernas, que, segundo os médicos, podem também estar relacionadas ao vírus. É o caso do pequeno Luan, de apenas 11 semanas, que faz acompanhamento no ambulatório da MNSL. Além da microcefalia, ele nasceu com a perninha esquerda cruzada sobre a direita. A mãe, Cosmira Conceição Santos, de 19 anos, recebeu o diagnóstico no oitavo mês de gestação - quatro meses depois de ter tido sintomas fortes de chikungunya (ou zika). "Chorei muito no começo", conta ela. "Não superei ainda, mas estou superando pouco a pouco. Amo muito ele." Sua maior preocupação é com o problema nas pernas: "Qual é a mãe que não quer ver o filho engatinhar pela casa?"
Consolo. Na mesma sessão de fisioterapia de Luan, encontramos Leslie Ester, de 5 meses. O pediatra Saulo Passos, da Faculdade de Medicina de Jundiaí, move um brinquedo colorido diante dos olhos e bate palmas de um lado e outro da cabeça da criança, mas ela parece não responder aos estímulos.
A mãe, Marta dos Santos Rocha, conta que teve "caroços vermelhos" pelo corpo no início da gestação, quando nem sabia que estava grávida. Os olhos também ficaram vermelhos e coçavam bastante. Aos sete meses, veio o diagnóstico de microcefalia. "Não fiquei revoltada, só triste" conta Marta, de 19 anos, uma moça simples e olhar tímido da pequena Nossa Senhora do Socorro, a 20 quilômetros da capital. É seu terceiro filho. "Entrei na internet e vi que havia muitas outras mães na mesma situação, então fiquei mais tranquila." "Muitas vezes essa crianças especiais são as mais amadas", consola Passos.
O apoio psicológico e social às mães é tão importante quanto a assistência médica, dizem os especialistas. "A adaptação bebê-família costuma ser muito difícil", diz a coordenadora da Unidade Neonatal da MNSL, Thereza Azevedo. Segundo ela, há muitos casos de pais que abandonam as mulheres ou se negam a registrar as crianças com microcefalia. Algumas mães também têm dificuldade para aceitar a situação. "O problema social é muito grave, tanto quanto o clínico", diz a superintendente do HU, Angela Maria. "A maior parte das famílias afetadas está numa situação socioeconômica desfavorável."
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