Mesmo que você nunca tenha tomado antidepressivos, provavelmente sabe das críticas e controvérsias que cercam esses medicamentos. Não é incomum ouvir alegações como: “Essas coisas são só placebo”. “Você com certeza vai ganhar peso”. “Depois de começar, você vai ficar dependente”.
Tudo isso é verdade?
Algumas dessas afirmações têm “um fundo de verdade”, afirma Gerard Sanacora, professor de psiquiatria da Escola de Medicina de Yale. E é importante esclarecer as coisas, pois as expectativas que as pessoas têm sobre o tratamento – sejam boas ou ruins – “realmente têm um papel importante na forma como o tratamento se desenvolve”, acrescenta ele.
Sanacora e outros especialistas abordam algumas perguntas comuns e conceitos errôneos sobre antidepressivos.
Os antidepressivos vão mudar quem eu sou?
Quando o antidepressivo começa a fazer efeito, você pode se sentir uma pessoa diferente em alguns aspectos, comenta Naomi Torres-Mackie, psicóloga clínica em Nova York.
“Imagine uma nuvem gigantesca e escura em cima da sua cabeça – quando essa nuvem começa a se dissipar, o mundo vai ficando diferente”, observa, acrescentando: “Mas à medida que você se acostuma com isso, pode ver que, na verdade, essa mudança traz mais alegria na vida”.
Por outro lado, até metade das pessoas que tomam antidepressivos pode experimentar algum grau de embotamento emocional ou emoções entorpecidas, e pesquisas sugerem que dosagens mais altas acarretam mais probabilidade de embotamento.
Quando os antidepressivos estão funcionando corretamente, os pacientes ainda sentem uma série de emoções, mesmo que a tristeza que costumavam sentir todos os dias tenha desaparecido, diz Laine Young-Walker, presidente do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Missouri.
Se estiver sentindo um entorpecimento emocional, vale a pena conversar com seu médico, pois, se você toma medicamentos, talvez valha a pena reduzir a dose.
Os antidepressivos podem levar ao ganho de muito peso?
Em média, os pacientes ganham um pouco de peso – de 0,5 a 1,5 quilo em dois anos, de acordo com um estudo recente. Mas há uma grande variação de paciente para paciente.
No começo, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina, ou ISRS, e seus primos químicos, os ISRSN, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e da noradrenalina, geralmente têm o efeito oposto, fazendo com que as pessoas percam temporariamente o apetite (e também peso).
Mas estudos demonstraram que os pacientes tendem a ganhar peso quando esses medicamentos são usados por muitos meses. A bupropiona (conhecida como Wellbutrin), que não é ISRS nem ISRSN, tende a ser a menos propensa a fazer com que as pessoas ganhem peso, segundo o estudo recente.
Em alguns casos, os pacientes podem engordar simplesmente porque a medicação está funcionando, ressaltam os especialistas, e um dos efeitos colaterais da depressão é a perda de apetite. Alguns não ganham peso nenhum, outros ganham muito mais do que o esperado, nota Jonathan E. Alpert, presidente do departamento de psiquiatria do Montefiore Einstein.
Se você perceber que está começando a ganhar peso, informe seu médico imediatamente para que possam discutir estratégias para controlar seu peso, acrescenta ele.
Esses medicamentos funcionam de imediato?
Em geral, leva cerca de quatro a seis semanas para que um antidepressivo comece a fazer efeito, explicam os especialistas. Mas, às vezes, o primeiro medicamento que você experimenta não é o que dá certo.
“Muitas das pessoas com quem trabalho e que tiveram mais sucesso com os antidepressivos experimentaram uns dois ou três, porque, como em muitas coisas na vida, não existe uma solução única para todo mundo”, destaca Naomi.
Um grande estudo sobre vários antidepressivos constatou que metade dos participantes melhorou depois de usar o primeiro ou o segundo medicamento que experimentaram, e quase 70% das pessoas ficaram livres dos sintomas no quarto antidepressivo.
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Os antidepressivos podem gerar pensamentos suicidas?
Em 2004, o FDA, a agência sanitária dos Estados Unidos, ordenou que as empresas farmacêuticas colocassem um aviso nos medicamentos antidepressivos, afirmando que alguns podem estar associados a ideação e comportamentos suicidas em adolescentes. A advertência foi posteriormente ampliada para incluir pessoas de 18 a 24 anos.
O FDA baseou a decisão em uma análise de testes de medicamentos nos quais houve um risco significativo de pensamentos suicidas, mas nenhum suicídio.
Mas agora alguns especialistas dizem que a advertência deve ser reavaliada, pois outros estudos descobriram que os ISRS estão associados a taxas de suicídio mais baixas, bem como a um risco menor de comportamento suicida entre os jovens.
Eles causam dependência?
Os antidepressivos não são considerados viciantes pelos especialistas em saúde mental porque as pessoas não ficam com desejo de tomá-los – e não arriscam seus empregos, relacionamentos ou vidas para usá-los, explica Alpert.
Mas os antidepressivos podem produzir sintomas de abstinência, especialmente entre usuários de longo prazo, como inquietação, dificuldade para dormir, sudorese, alterações de humor, problemas estomacais e “zaps cerebrais”, que parecem choques elétricos.
Para minimizar esses problemas, é importante consultar seu médico se você planeja parar de tomar um antidepressivo.
Eles vão arruinar sua vida sexual?
Não é certeza que você terá problemas sexuais enquanto estiver tomando antidepressivos, mas, com alguns medicamentos, principalmente os ISRS e ISRSN, é provável que isso aconteça.
Mais da metade das pessoas que tomam antidepressivos relatam efeitos colaterais sexuais, como diminuição da libido, atraso no orgasmo e dormência nos órgãos genitais, fazendo da disfunção sexual um dos problemas mais comuns associados aos medicamentos.
E algumas pessoas disseram que seus problemas sexuais continuaram por muito tempo depois que pararam de tomar ISRS – um problema conhecido como disfunção sexual pós- ISRS. Os pesquisadores ainda não quantificaram a frequência com que isso tende a ocorrer.
É importante observar que a depressão não tratada também pode diminuir o desejo sexual e criar dificuldades para atingir o orgasmo.
Eles são melhores do que placebos?
Assim como muitos outros medicamentos, os antidepressivos nem sempre têm um desempenho nitidamente melhor do que o placebo em estudos clínicos – mas isso não significa que sejam a mesma coisa que uma pílula de açúcar, informa Sanacora.
Os estudos sugerem que os antidepressivos melhoram os sintomas da depressão, mas os benefícios são modestos. Em geral, os medicamentos são mais eficazes para a depressão grave do que para a depressão leve.
É um fenômeno difícil de estudar porque a depressão pode melhorar por si só, e diferentes tipos de depressão podem exigir diferentes tipos de tratamento. Além disso, o efeito placebo pode proporcionar um benefício poderoso a alguns pacientes que, muitas vezes, é difícil de discernir dos efeitos do medicamento em si.
No final das contas, “o que mais nos preocupa é o bem-estar das pessoas e a melhoria de sua saúde mental”, conclui Naomi. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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