A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acaba de soltar relatórios com dados de monitoramento, dos anos de 2020 e 2021, sobre o acordo firmado entre o Ministério da Saúde e a indústria, para a diminuição dos teores da sódio e açúcar, dupla envolvida em problemas como a obesidade e males cardiovasculares.
Entre os resultados, 28% dos produtos analisados não atingiram as metas estabelecidas de redução de sódio. As categorias mais críticas são as de “biscoito salgado”, “bolos prontos sem recheio”, “hambúrgueres”, “misturas para bolo aerado”, “mortadela conservada em refrigeração”, “pães de forma”, “queijo muçarela” e “requeijão”.
Já sobre os açúcares, entre os 11 grupos avaliados constatou-se que 81,8% exibiram teor médio dentro dos limites definidos pelo Ministério da Saúde. Logo, 18,2% não cumpriram o acordo. Entre as categorias, “biscoitos doces sem recheio” e “biscoitos tipo wafers” não alcançaram o que foi estipulado.
Lá se vão anos diante do desafio de mexer nas formulações, sem causar muita estranheza ao consumidor brasileiro, que tem um paladar bastante inclinado aos excessos doces e salgados.
Pacto para a saúde
Tudo começou em 2011, quando se deu o Plano Nacional de Redução do Sódio em Alimentos Industrializados. A iniciativa se baseou em recomendações da Organização Mundial da Saúde, a OMS, que colocava o sódio entre as substâncias que precisam ser reduzidas à mesa. O excesso tem sido associado ao aumento da pressão arterial, situação intimamente associada à ocorrência de infarto e AVC.
Estudos mostram que a população do país tende a consumir 12 gramas de cloreto de sódio, o sal de cozinha, e esse valor equivale a mais que o dobro do recomendado.
O mesmo exagero se nota em relação aos açúcares: aqui se consome, em média, 80 gramas por dia, quando o ideal é não ultrapassar 50 gramas. Há quem diga que a predileção tem relação com a fartura de cana-de-açúcar dos tempos coloniais e também seria resultado da influência gastronômica dos portugueses e de sua doçaria.
Quanto a esses abusos açucarados, diversos estudos apontam elos com o ganho de peso e o aumento de risco de diabetes, entre outros males.
Assim, e seguindo um movimento mundial, em 2018 se firmou um pacto voluntário para diminuir seu teor nos produtos industrializados.
Para a nutricionista Ana Paula Bortoletto Martins, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo, USP, ao permitir que o próprio setor produtivo determine os limites, os números tendem ser mais altos do que o ideal para se atingir impactos positivos à saúde. “E, ainda assim, os últimos relatórios mostram um percentual que não cumpriu as metas”, aponta.
Sobre o que não foi alcançado, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) explica que o monitoramento da Anvisa, que gerou os dados divulgados em março, tomou como base todo o mercado, e não somente produtos das empresas associadas às entidades que assinaram o acordo. “Não se tem conhecimento sobre os tipos analisados, tampouco as marcas, não sendo possível, dessa forma, considerar os resultados divulgados para fins do cumprimento das metas estabelecidas.”
Ainda segundo a entidade, até 2023, foram retiradas do mercado 130,2 mil toneladas de açúcares – o acordo previa a redução de 144,6 mil toneladas. Quanto ao sódio, o acordo previa a exclusão de 28 mil toneladas até 2020, e o último levantamento realizado, em 2022, revela um total de 30,4 mil toneladas removidas.
A nutricionista e fitoterapeuta Vanderlí Marchiori, fundadora da Associação Paulista de Fitoterapia (Apfit) diz que os esforços poderiam transpor a grande indústria. “Os pequenos fabricantes também deveriam entrar no pacto e passar por fiscalizações”, defende.
Outro ponto destacado por especialistas é que não há lei ou normas e, portanto, não existem consequências econômicas. “Os produtores não têm uma obrigatoriedade de seguir o que está estabelecido no acordo”, comenta Laís Amaral, coordenadora do programa de alimentação saudável e sustentável do Instituto de Defesa do Consumidor, Idec.
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Desafios nas formulações
Muito além de acrescentar sabor aos alimentos, tanto o açúcar quanto o sal têm funções como a de melhorar textura, aparência, e inclusive, atuam como conservantes, daí a dificuldade de excluir a dupla.
“Um fator positivo nesses acordos é a possibilidade de conhecer e dialogar com quem produz, entender as limitações e os desafios tecnológicos, mas vejo a necessidade de um nível maior de comprometimento para que as reformulações obtenham resultados melhores”, diz Ana Paula.
A nutricionista Lara Natacci, da Diet Net, na capital paulista, Ph.D. pela Faculdade de Saúde Pública da USP, também chama a atenção para a parceria com profissionais de saúde. “Nós exigimos melhorias junto à indústria e sugerimos alterações para adequar o valor nutricional”, diz. Não basta tirar sódio e açúcar, portanto, deve haver todo um equilíbrio na receita. “E se a população quer praticidade no dia a dia, não podemos fechar os olhos”, afirma.
Atenção aos rótulos
Por falar em olhos, eles devem estar sempre atentos aos rótulos. “Hoje temos a lupa já implementada na grande maioria dos alimentos embalados”, comenta Laís. O símbolo aponta altos teores de açúcar adicionado, sódio e gordura saturada. Uma sugestão é colocar no carrinho itens que não estampam a figura. “A falta da lupa, porém, não significa que se trata de algo saudável”, alerta Laís. “Mesmo reformulado, um ultraprocessado não vai deixar de ser ultraprocessado”, avisa a nutricionista do Idec.
A dica de ouro é observar a lista de ingredientes: quanto menos e mais simples os nomes por ali, melhor. Vale ainda cruzar com os dados da tabela nutricional.
“Mas também é fundamental educar a população para reduzir sal e açúcar na preparação dos alimentos”, reforça Lara. A cozinha costuma ser o palco de deslizes.
“Uma pitada de sal pode equivaler a 5 gramas ou a 15, depende do peso da mão da pessoa”, aponta Vanderlí. As colheradas de açúcar também podem ser mais cheias ou não, de acordo com o cozinheiro. “Que tal usar mais ervas e especiarias nos pratos?”, aconselha. Elas ajudam a dar mais sabor às receitas, acrescentam substâncias especiais e contribuem para a redução da dupla no dia a dia.
A educação nutricional deve começar cedo. “Investir na formação de hábitos alimentares na escola, para as crianças, é a forma mais efetiva para uma mudança de saúde populacional”, sugere Ana Paula.
Uma das conclusões dos relatórios da Anvisa é de que “somente através de um esforço conjunto e coordenado será possível enfrentar o desafio de saúde pública e garantir um futuro mais saudável e sustentável para todos”.
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