SÃO PAULO - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mandou suspender nesta segunda-feira, 9, os testes da vacina Coronavac, após o registro de evento adverso grave em um voluntário dos estudos. O imunizante, desenvolvido pelo Instituto Butantã em parceria com o laboratório chinês Sinovac, é testado contra o novo coronavírus. O Butantã se diz surpreendido com a medida e o presidente do Instituto, Dimas Covas, afirma que esse participante morreu, mas o óbito não teria relação com a vacina. Com a medida da Anvisa, o produto não pode ser mais aplicado em nenhum voluntário.
Em comunicado divulgado nesta terça-feira, 10, a Sinovac diz que entrou em contato com o Instituto Butantã após descobrir sobre a suspensão dos testes pela imprensa. "O diretor do Instituto nos disse que acredita que esse evento adverso grave não tem relação com a vacina. A Sinovac vai continuar falando com o Brasil sobre o assunto. O estudo clínico no Brasil é feito de acordo com o padrão internacional de Boas Práticas Clínicas (GCP, na sigla em inglês) e estamos confiantes na segurança da vacina".
A Coronavac está em fase três de testes, a mais avançada nesse tipo de estudo. Anvisa anunciou a suspensão no mesmo dia em que o governador João Doria (PSDB) anunciou que o primeiro lote de 120 mil imunizantes chegaria a São Paulo no próximo dia 20. O problema ocorreu em 29 de outubro, mas o órgão federal não detalhou qual evento adverso foi observado no participante. Ainda não se sabe se ele tomou a vacina ou placebo.
À TV Cultura, Dimas Covas manifestou estranhamento com a decisão da Anvisa. "Porque é um óbito não relacionado à vacina. Ou seja, como são mais de 10 mil voluntários nesse momento, podem acontecer mortes, pode ter um acidente de trânsito e morrer. E é o caso aqui. Ocorreu um óbito que não tem relação com a vacina", disse. Em estudos de vacinas, mesmo casos como esses, de acidentes de trânsito, devem ser investigados para apurar se algum possível efeito da vacina causou ou agravou o episódio - uma tontura ao volante, por exemplo.
Em nota, o governo de São Paulo disse lamentar ter sido informado pela imprensa, "e não diretamente pela Anvisa", da suspensão dos testes, "como normalmente ocorre em procedimentos clínicos desta natureza". "O Butantã aguarda informacões mais detalhadas do corpo clínico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária sobre os reais motivos que determinaram a paralisação", acrescentou a gestão do governador João Doria (PSDB). A relação entre Anvisa e Butantã tem dado sinais de desgaste. Em outubro, o instituto reclamou da demora do órgão federal na liberação da importação de insumos para o início da produção da Coronavac. Após a cobrança pública, a Anvisa autorizou.
O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, disse ao Estadão nesta segunda-feira, 9, que o alerta ao sistema da Comissão partiu do pesquisador responsável pelos testes, um profissional do Hospital das Clínicas de São Paulo. À Anvisa, o comunicado teria sido feito pelo Instituto Butantã. “Estamos acompanhando de perto. É bastante improvável que o evento que ocorreu tenha qualquer relação com a vacina, mas está sendo investigado. Acredito que rapidamente vai ser esclarecido”, disse Venâncio.
No total, 13.060 voluntários participam dos estudos. Testes do imunizante são feitos nas cidades de Brasília, Belo Horizonte, Cuiabá, Campo Grande, Curitiba, Pelotas, Porto Alegre, Barretos, Campinas, Ribeirão Preto, São Paulo, São Caetano, São José do Rio Preto e Rio.
“A Anvisa reitera que, segundo regulamentos nacionais e internacionais de Boas Práticas Clínicas, os dados sobre voluntários de pesquisas clínicas devem ser mantidos em sigilo, em conformidade com princípios de confidencialidade, dignidade humana e proteção dos participantes”, acrescentou a agência, em nota.
Em nota, o Instituto Butantã disse que “foi surpreendido” com a decisão da Anvisa e “que está apurando em detalhes o que houve com o andamento dos estudos clínicos”. O Butantã informou ainda que “está à disposição da agência reguladora brasileira para prestar todos os esclarecimentos necessários referentes a qualquer evento adverso que os estudos clínicos podem ter apresentado até momento”.
No mês passado, dados apresentados pelo Butantã haviam mostrado grau elevado de segurança da vacina. Segundo a apresentação à epoca, a incidência de eventos adversos entre os voluntários do Butantã foi de 35% ante pelo menos 70% nas outras vacinas testadas. A comparação foi feita com dados das pesquisas de outros quatro imunizantes em estudos: Moderna, Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e CanSino.
De acordo com especialistas, o registro de eventos adversos é comum nesta etapa de pesquisas de imunizantes, mas sempre precisam ser investigados para se determinar a origem do problema. A pesquisa da vacina da Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, também teve os testes interrompidos pelo menos duas vezes por causa de efeitos adversos graves, mas os estudos foram retomados após análises de comitê independente de cientistas.
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