Aos 21, ele decidiu viver em lares para quem tem demência: ‘devemos nos conectar, não só cuidar’

O ativista holândes Teun Toebes, hoje com 25 anos, é um dos idealizadores do documentário ‘Human Forever’, que questiona como melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com a condição

PUBLICIDADE

Foto do author Leon Ferrari
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O holândes Teun Toebes tinha 21 anos - hoje tem 25 - quando decidiu que iria viver em lares para pessoas com demência. Por três anos e meio, esses locais viraram sua casa. Ele buscava respostas para uma pergunta que muitos podem pensar que seja distante da vida de um jovem como ele: como melhorar a qualidade de vida dessas pessoas?

PUBLICIDADE

No final das contas, para se aproximar de uma resposta, visitou 11 países, em quatro diferentes continentes, acompanhado pelo cineasta Jonathan de Jong. Por meio do documentário Human Forever, exibido em uma conferência do G20 em outubro do ano passado, e um sucesso nos cinemas holandeses, eles questionam a maneira como enxergamos e cuidamos de pessoas com demência.

“Muitas vezes ouvi pessoas da minha idade perguntando por que eu vivo em um lar de idosos aos 21 anos, junto com pessoas com demência, quando elas esquecem de tudo. Se olharmos para a demência dessa maneira, não estamos sendo inclusivos. Ad (um dos moradores desses lares) e eu realmente nos tornamos amigos. Ele não sabia meu nome, mas sempre reconhecia o sentimento que eu transmitia a ele e que ele me transmitia”, contou ele, durante durante o Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro no final de junho, ao mostrar a foto de um amigo que fez em um dos lares no qual viveu.

Aos 21 anos, o holandês Teun Toebes foi viver em lares para pessoas com demência e passou por espaços em 11 países Foto: Reprodução/Instagram@teuntoebes

Para Toebes, a resposta que buscava reside, de fato, muito mais em se conectar com as pessoas com demência e pensar em como incluí-las dentro da sociedade, do que em protocolos de cuidados ou em qual padrão são construídas casas de repouso. “Não devemos problematizar as pessoas com demência. Quando as ouvimos, a demência não é a principal reclamação, embora possa ser dolorosa também, mas o mais problemático para elas é a abordagem da sociedade. Não problematize a demência, problematize a nossa abordagem, porque podemos mudar isso”, falou ao Estadão.

Ele contou que o projeto continua, mas o foco não são mais lares específicos para pessoas com demência ou casas de repouso de maneira geral. Após o Congresso Brain, ele passou algumas semanas em Belo Horizonte, para filmar a continuação do documentário.

“Muitas vezes parece que os países tentam copiar sistemas europeus sem valorizar a sua própria cultura, por favor não façam isso. O Brasil tem muitos desafios, obviamente, e há uma enorme desigualdade, mas, ao mesmo tempo, para mim, parece que vocês estão sentados em ouro quando se trata da forma como as pessoas vivem juntas: o senso de comunidade é reconfortante, e é o que mais falta nos Países Baixos. Não se trata apenas da quantidade de produtos e de dinheiro, trata-se principalmente de como as pessoas convivem, se relacionam e se mantêm próximas, mesmo em tempos difíceis”, escreveu ao Estadão em um email.

Ad se tornou um grande amigo de Teun em um lar de repouso na Holanda Foto: Human Forever/Divulgação

Atualmente, mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência no mundo, segundo a OMS. A cada ano, estima-se que 10 milhões de novos casos se somam a esse número. Dessa maneira, conforme mostra um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), ele vai ser de 78 milhões em 2030, e passará para 139 milhões em 2050.

Publicidade

Toebes apresenta essas estatísticas logo no início do documentário, e passa uma mensagem clara: “há uma chance em cinco de este filme ser sobre você.” Sabendo dessa probabilidade, o jovem ativista justifica que decidiu embarcar nesta jornada pois sabe que ele muito provavelmente será ouvido, enquanto o mesmo não é garantido para uma pessoa que tem demência.

Unidade

O Human Forever passeia pela Holanda, Bélgica, Moldávia, Coreia do Sul, Estados Unidos e África do Sul, entre outros países. Se no continente africano, o que preocupou Toebes foi a falta de conhecimento sobre a doença — uma moradora relata casos de idosos queimados por acreditarem que eles haviam se tornado feiticeiros —, no europeu, a preocupação foi até onde o conhecimento sobre a condição homogeneizou de forma excessiva o cuidado.

Em países ricos europeus, lares especializados para pessoas com demência são comuns. O que para muitos pode parecer uma ideia lógica, reunir pessoas com necessidades semelhantes em um mesmo lugar, para Toebes, pode ser um problema. “A época que passei vivendo em lares de repouso foi a mais bonita (da minha vida), porque conheci seres humanos. Mas, por outro lado, foi também muito dolorosa, porque diariamente sentia a dor dos meus colegas de casa, que eram excluídos da sociedade e viviam como um coletivo de pessoas doentes”, disse.

Teun Toebes viveu em casas de repouso pelo mundo durante três anos e meio Foto: Human Forever/Divulgação

O que chocou Toebes foi o quão similares eram os lares no qual viveu, que compravam produtos das mesmas empresas para mobília, por exemplo, e como, na maioria deles, as pessoas com demência muito dificilmente conseguiam sair dos muros da casa e entrar em contato com o mundo externo. “O único privilégio que eu tinha em relação aos meus colegas de casa era o código da porta.”

PUBLICIDADE

Nesse sentido, ele conta a história da amizade dele com Elly, uma mulher de 94 anos. Toebes contou que um dia ela foi apresentar a casa do filho para ele. “Ao ir com ela, como um amigo, ela pôde assumir o papel de mãe novamente. Ela não estava dependente do filho para sair. Eu, como amigo, pude acompanhá-la, e assim ela pôde ser uma mãe para seu filho. Ela recuperou seu antigo papel. Se quisermos apoiar as pessoas com demência, precisamos olhar para seus papéis na sociedade. Os papéis das pessoas são mais do que apenas o papel de ser um paciente com demência”, falou.

“Se realmente ouvirmos as pessoas com demência, como a Elly, percebemos que elas não precisam apenas de bons cuidados. Não se trata (só) da qualidade do cuidado. Muitas vezes pensamos que a qualidade do cuidado é o objetivo mais alto, mas ele é a qualidade de vida”, afirmou.

Teun e Elly em um lar de repouso na Holanda Foto: Human Forever/Divulgação

Toebes destaca que os cuidados profissionais são, sim, importantes, mas não a única ferramenta. Por isso, ele fala que é fácil pensar que em países como a Moldávia e a África do Sul, mais pobres, a qualidade de vida das pessoas com demência é pior, o que, na visão dele, nem sempre é verdade.

Publicidade

“Em nosso mundo, pensamos que um ambiente bonito significa uma boa qualidade de vida. Mas isso é um pensamento falso. Lugares podem ser bonitos, mas sua qualidade de vida pode ser horrível. Lugares podem ser horríveis e a qualidade de vida pode ser bonita. Não é preto no branco. Há muitas nuances”, defendeu.

Ele afirma que, por isso, antes de copiar modelos, os países devem olhar para própria cultura. As experiências de outros países podem ser inspiração, mas não simplesmente reproduzidas.

Riscos ou não, eis a questão

Para Toebes, um grande problema enfrentado na Europa é a falta de discussão sobre riscos. Na visão dele, o foco na segurança coletiva acaba por eclipsar a importância da qualidade de vida individual, ou seja, a oportunidade de viver uma vida plena.

Um dia um dos funcionários do lar onde o jovem vivia com Elly pediu para que ele se distanciasse um pouco dela. “Ela fica triste se você não está aqui”, teria justificado. “Eu pensei: ‘uau, não é bonito que alguém com 94 anos possa sentir tristeza?’ Mas, por outro lado, que possa também sentir felicidade? Nós (sem diagnóstico de demência) também não estamos felizes o tempo todo. Todas as emoções fazem parte da vida.”

“As perguntas que temos que fazer a nós mesmos são: o que é uma vida boa? O que uma vida boa significa para mim? Uma vida boa inclui riscos? Porque se queremos ser um sistema de risco zero, então a vida será zero também. A vida sempre vem com riscos. E isso também quando você vive com demência”, defendeu.

Ele assume que, de fato, alguns pacientes correm riscos maiores, como se perder, e precisam de um controle maior. Mas acredita que isso não justifica “trancar” todas as pessoas com demência. “Se algumas pessoas da minha idade, 25 anos, enfrentam um risco, não dizemos: ‘tranquem todas as pessoas de 25 anos’. O que fazemos com as pessoas com demência é transformar a exceção na regra.”

“A demência não muda todas as suas necessidades como ser humano. Pode acrescentar algumas necessidades, como uma ajuda para estruturar seu dia”, disse.

Publicidade

Recursos

Teun também questiona no que o dinheiro tem sido investido quando o assunto é o cuidado de pessoas com demência. Ele questiona a efetividade de recursos caros como a magic table (ou tovertafel), uma mesa que projeta imagens, como peixes nadando, e pode se tornar um tabuleiro de jogos digitais, que chega a custar até €10 mil (R$ 61 mil), e animais robóticos.

“Sou contra entreter as pessoas sem perguntar o que elas realmente precisam. O fato de ter demência não significa que você goste de mesas mágicas ou goste de realidade virtual. Não cabe a nós decidir o que as pessoas precisam. Devemos ser mais humildes. Devemos perguntar a elas”, afirmou.

Ele aponta que essa mudança na abordagem, ou seja, perguntar mais o que as pessoas com demência querem/gostariam e nos conectarmos com elas, não exige recursos. “Não requer novos medicamentos ou uma mudança completa do sistema. É uma mudança de cultura que não custa mais dinheiro. Ver e tratar as pessoas de maneira diferente não custa mais dinheiro.”

Como nos (re)conectar com as pessoas com demência?

Toebes diz que se conectar com pessoas com demência não é tão difícil quanto as pessoas podem imaginar. “É sobre viver juntos”, defende.

“Você pode se conectar (com elas) da mesma maneira que nos conectamos. Você conhece a pessoa e o contato que tem é a base para a relação que irá desenvolver. Eu não tive amizade com meus colegas de casa desde o primeiro dia. Não se cria uma relação em um dia”, falou.

“Se você tratar as pessoas como pacientes, elas se comportarão como pacientes. Se você tratá-las como seres humanos, mostrarão quem são como seres humanos”, finaliza.

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.