Quando descobriu um tumor no testículo aos 19 anos, o estudante de Educação Física Isaac Soares do Nascimento estranhou a recomendação do seu urologista para congelar o sêmen. Não pensava em filhos. Mesmo assim, seguiu a dica. Treze anos depois, o agora professor agradece o conselho que estendeu o tapete para Ravi, um menino de quase dois meses que ele carrega ainda meio desajeitado como pai de primeira viagem. E que viagem. O baiano de Vitória da Conquista, cidade distante 519 quilômetros de Salvador, é o quarto perfil da série Vida pós-câncer, do Estadão.
Todos os tipos de tratamento para a doença (cirurgia, radioterapia e a quimioterapia) podem afetar temporária ou definitivamente a fertilidade do paciente, como explica o urologista Marcos Tobias Machado, urologista do Instituto de Cuidados, Reabilitação e Assistência em Neuropelveologia e Ginecologia (Increasing). Isso porque uma das funções dos testículos é a produção de espermatozoides e a testosterona, o hormônio masculino. Por isso, o médico que cuidou de Isaac – Dr. Abssamar, ele nunca vai esquecer esse nome – olhou lá na frente ao sugerir o congelamento de sêmen.
Em 2008, Isaac descobriu um caroço no testículo por causa da mania de tocar os genitais ou, como ele diz, conferir os documentos. Não doía nem incomodava nos treinos, mas ele perdeu 6 quilos em 15 dias. Até os amigos do serviço militar e da Faculdade de Tecnologia e Ciências da Rede FTC perceberam. Especialistas se preocupam bastante com a doença já que ela atinge adultos jovens, dos 20 aos 35 anos, de acordo com o oncologista Artur Malzyner, consultor científico da Clínica de Oncologia Médica (Clinonco). Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) aponta que esse tumor corresponde a 5% do total de casos entre os homens.
Youtuber
O diagnóstico de coriocarcinoma no testículo direito parou a vida do estudante. A primeira providência foi retirar o testículo e substitui-lo por uma prótese. “É um ovinho de silicone que nem lembro que tenho. Não altera ereção”, diz. Exames mais aprofundados apontaram metástase nos pulmões e no abdômen. Isaac ficou careca e perdeu massa muscular ao longo dos nove meses de tratamento. Deu certo. Depois, acompanhamento por cinco anos. O câncer nunca mais voltou.
A experiência deu novo rumo ao seu trabalho. Depois de formado, ele se tornou personal trainer especializado e fundou o Clube Oncológico, programa virtual de exercícios para mulheres – um para os homens está em desenvolvimento.
Com seus conhecimentos profissionais e sua vivência de paciente, ele é um dos coautores do livro Oncologia integrativa – Um novo olhar para o câncer. Os mais de 20 mil seguidores nas redes sociais, entre eles, o canal “Sobreviventes de câncer”, no YouTube, deram traquejo para se comunicar. O baiano trata de questões delicadas sem cerimônia. Quando citou o ovinho de silicone, por exemplo, ele soltou uma gargalhada larga. A palavra “renascimento” aparece volta e meia no seu discurso articulado.
Durante a videoconferência feita na semana passada, o Estadão pediu para conhecer Ravi, o filho de Isaac. Ele tinha acabado de mamar, meio sonolento. Congelar o sêmen, antes do tratamento do câncer, foi primordial porque Isaac ficou infértil. “Estou perdendo algumas noites, mas é prazeroso. Não era nem para eu estar vivo. A gente olha para ele e vê o milagre”, descreve o professor, que também atua como voluntário no Instituto Oncoguia.
Fertilização
Se ele teve câncer aos 19, por que só resolveu ser pai agora, depois dos 30? Algum tratamento complementar? Não, a questão foi financeira mesmo. A fertilização in vitro, feita em Belo Horizonte (MG), custou cerca de volta de R$ 40 mil, era o melhor orçamento. Tinha até de R$ 60 mil. Só para manter o sêmen congelado por mais de uma década em uma clínica de Salvador (BA) foram R$ 1 mil por ano.
O transporte de sêmen entre as capitais custou R$ 2 mil. Fernando Prado, ginecologista, obstetra e especialista em Reprodução Humana, explica que esses tratamentos não constam na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Para essas contas fecharem, o casal vendeu o carro da família, o sul-coreano Ssangyong, e pegou emprestado o carro dos pais de Isaac. Agora já se aprumaram e compraram outro. Por isso, o menininho só veio agora – agosto foi o primeiro Dia dos Pais de Isaac.
Alguns pilares se mantiveram nesses 13 anos: amigos, família e Maryanne Flores. A namorada na época do tratamento virou sua mulher e agora é a mãe do Ravi. Tímida, ela pediu para não dar entrevistas, mas posou para uma foto linda em que os três (mãe, pai e filho) aparecem numa estrada, cercada de árvores. Ela parece que não tem começo nem fim, só recomeça e renasce. Exatamente como eles.
Veja perguntas e respostas sobre o câncer de testículo
Como descobrir se estou com câncer de testículo?
O autoexame é um hábito importante para o diagnóstico precoce. Apesar de não haver protocolo determinado, a autoavaliação deve ser estimulada, principalmente durante a higienização. Em caso de dúvidas, é bom procurar um urologista. O diagnóstico se faz pelo exame de ultrassonografia da bolsa escrotal e pela dosagem de marcadores tumorais no sangue. Embora seja um tipo agressivo, com alto índice de duplicação das células tumorais e rápida evolução da doença, o tumor é de fácil diagnóstico e alto índice de cura, pois responde bem aos tratamentos quimioterápicos.
Quais os principais sintomas?
Na maioria dos casos, os homens têm um nódulo em um dos testículos ou podem perceber o testículo aumentado ou inchado. Às vezes, ele provoca dor. Em casos raros, os homens notam as mamas doloridas ou aumentadas. Certos tipos de tumores secretam altos níveis do hormônio gonadotrofina coriônica (HCG), que estimula o desenvolvimento da mama. O tumor pode ser confundido com inflamações dos testículos geralmente transmitidas sexualmente.
Quais os sintomas quando o tumor já está avançado?
Dor na parte inferior das costas pode ser um sinal de que o câncer se disseminou para os gânglios linfáticos no abdome.
Falta de ar, dor torácica, tosse ou até mesmo expectorar sangue;
Dor abdominal, devido aos linfonodos aumentados ou metástases para o fígado;
Dores de cabeça ou confusão, devido a disseminação do câncer para o cérebro.
Esse câncer pode ser curado?
“Atualmente, os tumores do testículo estão entre os tumores mais curáveis entre as neoplasias com excelentes taxas de cura, cerca de 90%, principalmente devido ao diagnóstico precoce e a sua excelente resposta a quimioterapia e radioterapia”, explica o oncologista Artur Malzyner.
Como prevenir esse tipo de câncer?
Falar sobre prevenção significa abordar temas gerais de prevenção a todos os tipos de câncer na avaliação da oncologista Ana Paula Cardoso, do Hospital Israelita Albert Einstein e do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer. “Prática de atividade física pelo menos três vezes por semana, manter uma alimentação com menos carboidratos e mais legumes e proteínas, são práticas importantes”, diz a especialista. Também é importante ir ao médico. Levantamento da Sociedade Brasileira de Urologia aponta que o número de atendimentos de meninos de 12 a 18 anos ao urologista é 18 vezes menor que o de atendimentos de meninas ao ginecologista da mesma faixa etária. Por isso, a entidade realiza em setembro a campanha #VemProUro, sobre a importância dos cuidados com a sua saúde genital e reprodutora masculina.
Como é feito o congelamento de sêmen?
O congelamento do sêmen (vitrificação) é uma técnica de preservação da fertilidade masculina. Na prática, o paciente deve manter abstinência de dois a cinco dias sem ejacular, por masturbação ou relação sexual, e comparecer a um laboratório com agendamento prévio. Andrologistas ou biomédicos fazem o processamento seminal, ou seja, a separação e armazenamento dos melhores espermatozoides.
Em quais casos ele pode ser utilizado?
O procedimento pode ser indicado para pacientes submetidos ao tratamento de doenças como o câncer ou cirurgias que oferecem risco de lesão dos testículos. “O potencial de recuperação dos espermatozoides no futuro é de praticamente 100%”, explica o médico Fernando Prado, especialista em Reprodução Humana, diretor clínico da Neo Vita e coordenador médico da Embriológica.
É possível fazer congelamento de sêmen pelo SUS?
Esses tratamentos não constam na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns hospitais públicos têm convênios com os governos estaduais e municipais e, por isso, conseguem oferecer o tratamento de forma gratuita. É o caso do Hospital das Clínicas e o Hospital Pérola Byington, ambos em São Paulo. Outros Centros Universitários oferecem o tratamento de forma subsidiada, como o Instituto Ideia Fértil, ligado à Faculdade de Medicina do ABC, e o Hospital São Paulo, ligado à Universidade Federal de São Paulo.
Onde procurar informações sobre câncer de testículo
Sociedade Brasileira de Urologia - www.portaldaurologia.org.br
Instituto Oncoguia - http://www.oncoguia.org.br/
ICESP - Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - https://www.icesp.org.br
Instituto Nacional do Câncer - https://www.gov.br/inca/pt-br
Instituto Lado a Lado pela Vida - https://ladoaladopelavida.org.br/
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