Aos 25 anos, quando recebeu o diagnóstico de HIV positivo, o comunicador social David Oliveira foi buscar referências na internet para conseguir apoio e informação, mas não encontrou. Hoje, aos 31, é ele quem usa as redes sociais para dar esperança a quem acaba de se descobrir portador do vírus da Aids. “Eu pude me encantar por isso, ser acolhido e também acolher outras pessoas”, explica.
Nas redes, ele sempre divulga os remédios que toma, que chama de “doses de vida”. “Eu sempre falo que minhas doses de vida vão além dos remédios, elas também são as mensagens a essas pessoas que me procuram”, conta ele. Para David, a importância de expor seu dia a dia nas redes sociais é mostrar que conviver com o vírus do HIV não é uma sentença de morte.
No dia 14 de fevereiro de 2017, David Oliveira recebeu o diagnóstico de HIV positivo. Ele decidiu fazer o teste para investigar alguns sintomas que surgiram, como pneumonia, herpes zoster, depressão e síndrome do pânico. Descobriu que os problemas eram decorrentes de um estado de aids. Naquela manhã de terça-feira, quando viu a palavra “reagente” no resultado do exame, David correu para casa e contou para o pai, que o acolheu e disse que o filho não estava sozinho.
Sem referências de influenciadores digitais que falassem abertamente sobre o assunto, David procurou locais de apoio na internet. Em buscas online, encontrou a divulgação de um evento que pautava o fortalecimento de jovens vivendo com HIV/Aids em uma rede colaborativa. Foi assim que ele conheceu o Centro de Referência e Treinamento (CRT) em IST/Aids, na Rua Santa Cruz, em São Paulo. Ali, David conta que foi acolhido e abraçado por profissionais e pessoas engajadas com a temática HIV.
“Comecei a conhecer espaços que me permitiam ter contato com histórias e estudar um pouquinho mais sobre todo o universo que engloba essa nova vida positiva. Eu pude me encantar por isso, ser acolhido e acolher outras pessoas.”
“Vitaminas”
Atualmente, David enxerga os medicamentos como aliados, mas nem sempre foi assim. O processo de ressignificação dos remédios começou quando um amigo perguntou sobre as suas “vitaminas”, referindo-se ao tratamento. Assim, David percebeu que sempre associou o remédio à doença, e não ao comprimido diário que ajuda a manter o seu corpo saudável. Essa foi a semente para o nascimento do Projeto Doses de Vida.
Ele começou a utilizar seu perfil pessoal no Instagram (@eu.soudavid) para registrar os comprimidos diários na palma da mão, com alguma palavra positiva (saúde, amor, vida, esperança), acompanhados de músicas ou poesias. Assim, ele mostra que existe, sim, vida após o diagnóstico.
“Eu fui entendendo a importância desse processo. No começo, eu não tinha muitas referências de pessoas vivendo com HIV, muito menos dos efeitos benéficos do tratamento. Esse processo de ressignificar era minha dose diária para que eu tivesse vida. Com o tempo, eu percebi que isso era e continua sendo minha dose de vida.”
Esse movimento atraiu seguidores que acabaram de receber o diagnóstico positivo. Hoje, David consegue ser o acolhimento que não encontrou nas redes sociais há cinco anos. Para ele, esse afeto é uma via de mão dupla, já que também se sente acolhido. “Isso tudo é um ciclo de vida e força, já que a gente doa e recebe ao mesmo tempo. É um carinho que nutre.”
Para David, esse olhar atencioso e de cuidado no início do diagnóstico é fundamental para que as pessoas entendam que o HIV não é uma sentença de morte. Por isso, ele estende o leque de atuação de acolhimento e não se reduz apenas às redes sociais. David relembra um episódio marcante, que ocorreu no início de 2021 – auge da pandemia de covid-19 –, quando foi chamado por um amigo de infância para ser um apoio no momento de autoteste de HIV.
Saiba mais
“Quando vimos o resultado positivo, eu o abracei e disse que estaria com ele. Hoje, meu amigo continua vivendo normalmente. Esse é um exemplo de bom acolhimento. Não porque fui eu que fiz, mas sim porque tinha alguém para abraçá-lo e dar a mão”, diz.
David acredita que o projeto ajuda a humanizar o paciente HIV positivo, além de oferecer apoio e afeto. “Esse olhar, que não é de dó ou culpa, precisa mostrar que vai ficar tudo bem. O HIV não é uma sentença de morte, e sim uma oportunidade de se cuidar”, afirma. “Eu sei que o V de HIV é de vírus, mas eu gosto de falar que é de vida.”
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