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App de namoro é só para jovem? Eles também buscam o ‘match’ depois dos 60: ‘Continuo beijando’

Ferramenta ajuda não apenas a encontrar um novo amor, mas também companhia para sair, viajar e se divertir

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Por Sofia Lungui
Atualização:

Existe a crença popular de que os idosos têm a tendência de se isolar e resistem a novidades - sejam avanços tecnológicos, fazer amizades ou relação amorosa. Para especialistas, essa visão é ultrapassada. A sociedade envelhece e está cada vez mais conectada, especialmente após a pandemia. Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Lojistas (CNDL/SPC Brasil), 68% dos idosos acessavam a internet em 2018, e em 2021 o índice subiu para 97%.

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As redes sociais se tornaram ferramentas muito usadas para lidar com a solidão – e com os idosos não é diferente. Eles também estão se adaptando às transformações, rompem barreiras e buscam parcerias e amizades. Inclusive por meio de aplicativos de relacionamento, o que é positivo para a saúde mental e bem-estar.

“Somos seres sociais. Precisamos nos relacionar. Isso contribui para o bem-estar psicológico das pessoas acima dos 60 anos. A expressão do desejo de buscar companhia já mostra maior qualidade de vida, é um bom indicador”, afirma a psicóloga Adriana Wagner, que coordena o Núcleo de Pesquisa Dinâmica das Relações Familiares da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em qualquer idade, relacionamentos ajudam na qualidade de vida e bem-estar Foto: Unsplash.com

É o caso de Ivone, 82 anos, de Osório (RS), que prefere não dizer o sobrenome. A gaúcha tem três filhos, seis netos e um bisneto. Ficou viúva cedo, aos 50. Anos depois, foi atrás de um relacionamento e encontrou um novo parceiro, com quem viveu por oito anos. Após a morte dele, começou a se sentir sozinha e voltou a buscar companhia.

Em 2019, Ivone começou a usar apps de namoro. “Decidi entrar no Tinder, que me abriu as portas novamente. Conheci pessoas, fiz amigos, tive um namoro muito bom de um ano, antes da pandemia.” A empresária aposentada conta que não quer se casar novamente e pretende seguir morando sozinha, mas sente falta de um companheiro para curtir bons momentos. “Quero alguém para vir em casa no fim de semana, para passeios, lazer”, diz. No momento, ela está saindo com um homem que conheceu pelo aplicativo. “Estamos nos conhecendo”.

Ivone acredita que ainda há estigmas sobre relacionamentos na terceira idade, mas não se deixa afetar por isso. “As pessoas dizem que quem tem mais idade não pode isso e aquilo. Não é verdade. Posso tudo, sou feliz, a gente tem de ser feliz. Passou o tempo em que os divorciados tinham de ficar só em casa, tricotando. Hoje saem, vão a bares e bailes, e me incluo nesse grupo. Meu sentimento é o mesmo de quando tinha 40 anos, não tem diferença, continuo beijando, abraçando, transando”, conta.

Mulheres sentem mais vergonha de entrar em aplicativos

O começo foi desafiador para dona Ivone. “Quando comecei a usar apps foi difícil. Parecia que eu estava fazendo uma coisa errada, que as pessoas iriam saber que eu estava ali”, lembra. Segundo a socióloga Silvana Maria Bitencourt, é comum que as mulheres se sintam assim, como se estivessem fazendo algo ruim, porque a sociedade não as enxerga nesse papel de independência, especialmente as mais velhas.

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“Quando a mulher envelhece, é fortalecida a imagem de cuidado, de que ela precisa cuidar dos netos, por exemplo. A vergonha está vinculada a essa questão da moralidade. Pouco se fala sobre o autocuidado. Por isso, elas têm dificuldade de se permitir. Elas ficam em dúvida se podem fazer isso, se devem sair, se divertir, conhecer outras pessoas”, explica Silvana, que é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e coordena o grupo de pesquisa Saúde do Corpo, Gênero e Gerações.

De acordo com ela, a sociedade não quer falar sobre envelhecimento e não quer envelhecer, porque remete à ideia de morte, e isso dificulta que as pessoas se aceitem quando chegam à velhice. “A gente se prepara para viver, e não para envelhecer. Nos preocupamos muito com a aparência. A sociedade precisa entender que as pessoas mais velhas querem ser felizes. Quando a pessoa vai atrás de um relacionamento na terceira idade, é porque ela se aceita e aceita os outros. Ela está buscando a felicidade”, destaca.

Influenciadores da terceira idade

Sonia (à esq), de 85 anos, e Gilda, de 81, as Avós da Razão: temas como relacionamentos são tratados na internet, sem tabus Foto: Arquivo Pessoal

Quando o assunto é viver a velhice de forma plena, sem se preocupar com julgamentos alheios, Gilda Bandeira, de 81 anos, e Sonia Bonetti, de 85, são as grandes referências do momento. As amigas e influenciadoras digitais de São Paulo (SP) fazem sucesso desde 2018 nas redes sociais, com o projeto Avós da Razão. Elas compartilham com os mais de 240 mil seguidores do Instagram suas opiniões e vivências, com o intuito de romper com os tabus que ainda pairam sobre a terceira idade, falando sobre etarismo e sobre os mais diversos temas.

“Você chega na velhice e continua com apetite, com vontade de beber. Como não vai ter vontade de transar e de se relacionar? Quem sempre gostou disso vai continuar gostando até morrer, é normal”, afirma Sonia. Mesmo para Gilda, no começo foi um pouco constrangedor usar aplicativos. “Eu sentia vergonha. Eu pensava - quem é que vai querer coisa comigo?”, lembra.

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Depois, ela teve boas experiências e fez amizades. “Fiquei totalmente sem vergonha”, ri. Atualmente, ela está optando por curtir os amigos e aproveitar a própria companhia, assim como Sonia, que nunca chegou a utilizar apps de relacionamento. Agora, quando querem conhecer pessoas novas, elas frequentam bares. Mas não deixam de utilizar o celular, que usam para tudo.

“Acredito que você não estar conectado atrasa a vida. A pessoa tem que correr atrás de socialização, e as redes ajudam. Por mais que você tenha família e filhos, cada um tem a sua vida”, argumenta Gilda.

Para Silvana, as pessoas já estão fazendo este movimento de expandir os relacionamentos na velhice, mas a sociedade ainda não está preparada para isso. “Os idosos estão buscando espaços de socialização. Eles precisam ter esse espaço nas redes sociais e fora também, nos cafés, nos bares, precisam ter lugares para se divertirem. Eles não estão esperando para morrer, e não tem que ser assim”, afirma a socióloga.

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Segundo Sonia e Gilda, a geração delas está vendo essa mudança acontecer aos poucos. “Na juventude a gente sempre foi muito tolhida, tanto pela família como pela religião. Antes, a moça não podia convidar o rapaz para namorar. Quando me separei do meu ex-marido, eu era a única divorciada no grupo de amigas, e eu não era bem vista, fui ficando marginalizada. Agora as coisas estão mudando, e também estamos trabalhando para isso, para que as mulheres se livrem desse peso”, conta Gilda. As influenciadoras acreditam que precisamos ressignificar a velhice.

Aplicativos para encontrar companhia no dia a dia

Vanea Visnievski, 65 anos, de Porto Alegre (RS), pensa o mesmo. Separada e aposentada, ela também mora sozinha e busca alternativas para manter uma vida social ativa. “Depois que a gente se aposenta as relações ficam mais restritas. Apesar de ter grupos de amigas, não vou muito a bares. E senti essa necessidade, queria ter a oportunidade de conhecer alguém, e isso não estava acontecendo na minha rotina”, afirma.

Então, ela começou a ter experiências em aplicativos, como Happn, AmorDourado e Par Perfeito, em busca de alguém para lhe fazer companhia, viajar, sair para jantar. “É sempre um estímulo a gente receber mensagens, conhecer pessoas, marcar um encontro. É muito bom ter esse tipo de alternativa pelos meios digitais, nunca tive experiências negativas”, ressalta.

Conforme levantamento do Bumble Brasil de 2022, com os usuários ativos do app entre 55 e 75 anos, cerca de 62% deles relataram estar procurando um relacionamento sério; 22% afirmaram estarem abertos a relações casuais, sendo que menos de 16% informaram que não sabem ao certo o que estão procurando.

Sem idade para um final feliz

As plataformas digitais também estão abrindo portas para aqueles que desejam um casamento após os 60 anos. Foi o caso de Nair Aparecida Braga, 66, e Maurício Barbosa, 69. O casal de Belo Horizonte (MG) se conheceu pelo LOVOO, outro app de relacionamentos, apresentado a dona Aparecida por sua neta. “Ela foi meu cupido”, brinca. Eles começaram a bater papo pelo aplicativo, depois por WhatsApp, e então combinaram um encontro. Logo que engataram o namoro, eles decidiram morar juntos.

“Fiquei viúva aos 53, mas meus filhos ainda eram solteiros. Depois que eles casaram e saíram de casa, senti um vazio. Parecia que a casa tinha ficado gigante, comecei a sofrer com a solidão”, relata. “Aí, a internet ajudou muito. Sempre gostei de ter uma companhia, a vida tem mais sentido, levanta o astral da gente. A gente fica mais velho, mas o sentimento é o mesmo”, argumenta. Dona Aparecida e seu Maurício estão juntos há seis anos.

Nair Aparecida, de 66 anos, encontrou Mauricio, de 69, em um app de relacionamento Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Adriana Wagner, que também é professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS, independentemente da idade, as pessoas casadas reportam melhor qualidade de vida do que as solteiras. “Isso acontece em todas as fases do ciclo vital. As pessoas relatam que se não tivessem casado de novo, talvez a vida não seria tão feliz. A conjugalidade traz felicidade”, argumenta.

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Conforme a psicóloga, a dinâmica do relacionamento passado também diz muito sobre como a pessoa vai se comportar depois. “Existe um preconceito com pessoas idosas que ficam viúvas e, pouco tempo depois, vão atrás de outro parceiro. Na verdade, se a pessoa elabora o luto mais rápido, normalmente é porque ela teve uma boa relação no primeiro casamento. Se ela teve uma má relação, o luto é mais difícil de elaborar, porque se sente culpada. Se a relação foi saudável, a pessoa vai buscar um outro relacionamento, é natural”, explica.

Um novo começo

Com Sérgio Chamma, 64, foi assim. Depois de ter passado por dois casamentos felizes, o empresário de São Paulo (SP) busca uma parceira em aplicativos de relacionamento. Ele foi um pioneiro das relações nos meios digitais - conheceu sua segunda esposa em um site de bate-papo, em 2001. Em 2013, ele começou um namoro com uma pessoa que conheceu em um aplicativo. Depois de quatro anos, terminaram. Solteiro, ele segue encontrando suporte nos apps para buscar uma companheira.

Depois de dois casamentos, Sergio Chamma busca uma companheira com a ajuda dos apps Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Atualmente, uso o Inner Circle, indicado pela minha ex-esposa, somos grandes amigos. Já tive a sorte lá atrás de encontrar uma esposa, sei que vou conseguir achar uma boa companheira”, afirma, confiante. O paulistano busca alguém para ter uma relação duradoura. Ele também costuma usar o Facebook Namoro. “Agora estou bem, mas sei que daqui a 20 anos vou estar em outra situação. Quero uma companheira que vá seguir comigo nessa caminhada”, conta.

Regina e Renato Sulzbach, de 67 e 70 anos, respectivamente, estão juntos desde 2006 e tiveram como “cupido” um site de relacionamentos. Na época em que se conheceram, ele morava em São Luiz Gonzaga (RS), e ela em Estrêla (RS), a quase 400km de distância – hoje, vivem em Lajeado (RS). O casal nota que antigamente havia ainda mais julgamento com as pessoas idosas buscando novos relacionamentos. “Nunca ligamos para isso. O importante é você saber o que quer e haver sinceridade por parte das duas pessoas, e pronto”, diz Renato.

Como se aventurar nos aplicativos de encontro

  • Segurança e privacidade em primeiro lugar

Ao cadastrar uma conta em um novo site, rede social ou aplicativo, é necessário tomar alguns cuidados. O primeiro passo é o mais importante: criar uma senha forte. Procure não usar senhas com sequências de números óbvias ou coisas previsíveis, como nome de familiares, número de telefone ou data de nascimento. O ideal é ter uma senha que contenha caracteres especiais, como ponto de exclamação, números, letras maiúsculas e minúsculas. Depois, ao criar um perfil, evite incluir informações pessoais, como telefone e endereço de casa. Mas as informações básicas precisam estar lá, para que as pessoas saibam que você não é um perfil fake: no caso dos apps, siga os passos indicados pela própria plataforma. Sempre inclua uma foto de perfil com o rosto visível e não use um nome falso.

  • Atenção aos golpes

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É possível utilizar redes sociais e aplicativos de relacionamento sem se expor muito. Não compartilhe dados pessoais com quem você não conhece direito, especialmente antes de conhecer o “match” pessoalmente. Uma dica interessante é buscar conversar com pessoas que tenham o perfil verificado, no caso dos aplicativos. Trata-se de uma sinalização de que a pessoa passou por todas as etapas de verificação de segurança ao se cadastrar na plataforma, comprovando que ela é quem está dizendo ser, e não um perfil fake, por exemplo. Ao conversar, fique de olho nos detalhes. Caso a pessoa lhe envie links suspeitos ou lhe peça favores, pode ser que ela não esteja bem intencionada. Desconfie e, se necessário, bloqueie e/ou denuncie o perfil.

  • Sem medo de ser feliz

Muitos ainda têm preconceito com pessoas idosas que vão atrás de novos relacionamentos, principalmente aqueles que buscam relações casuais, reforçando o etarismo. Isso não é motivo para não ir atrás da felicidade. Se você tem vontade de conhecer pessoas novas, não tenha medo de utilizar sites e aplicativos de relacionamento. Essas plataformas têm espaço para todas as idades e se preocupam com os dados e com a privacidade dos usuários. Se você tem curiosidade de dar uma olhada e passar despercebido (a) nos apps, saiba que também é possível: muitos deles contam com a opção “offline”, que permite navegar no aplicativo sem que seu perfil apareça para outros usuários.

  • Peça ajuda, se precisar

Ficou com alguma dúvida sobre como usar os aplicativos? Você pode perguntar a alguém que seja mais experiente e pedir ajuda. É normal ter dificuldade no início com a dinâmica dos apps, mesmo entre os mais jovens.

  • Acompanhe as referências

Muitas criadoras de conteúdo - especialmente mulheres - estão abordando a questão da autoestima, da sexualidade e das relações na terceira idade, entre outros aspectos do envelhecimento, na tentativa de promover o bem-estar e acolher quem está lidando com as inseguranças. Vale a pena acompanhar alguns perfis no Instagram, por exemplo, como as Avós da Razão (@avosdarazao). A jornalista Patricia Parenza (@patriciaparenza) também aborda a questão do amor próprio nas redes sociais, com foco no público feminino. Para quem gosta de memes, vale a pena conferir o perfil da blogueira Coracy Arantes (@blogdacora), de 80 anos, que trata sobre essas questões com muito bom humor.

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