Aprovada em 17 países, Sputnik V ainda não tem aval de agências regulatórias mais tradicionais

Liberação de vacina russa é alvo de polêmica entre Congresso e Anvisa; dados de eficácia foram publicados em revista científica

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Foto do author Fabiana Cambricoli

A vacina russa Sputnik V, cuja liberação no Brasil é alvo de polêmica entre o Congresso e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já obteve registro em 17 países, mas ainda não passou pelo crivo das mais tradicionais agências regulatórias do mundo, como a americana, a europeia e a japonesa.

De acordo com a assessoria do Fundo Direto de Investimento Russo (RDIF), responsável pelo desenvolvimento do imunizante junto ao Instituto Gamaleya, o produto já obteve aval em nações das Américas, Ásia, Europa e África.

'Sputnik V' é a vacina desenvolvida na Rússia Foto: RDIF

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Na América Latina, ela recebeu autorização para uso emergencial em cinco países: Argentina, México, Bolívia, Venezuela e Paraguai. Também deram aval para utilização do produto Rússia, Belarus, Sérvia, Argélia, Palestina, Turcomenistão, Hungria, Emirados Árabes Unidos, Irã, República da Guiné, Tunísia e Armênia.

O RDIF ainda não submeteu os pedidos de registro na Food and Drugs Administration (FDA), agência regulatória americana, nem na Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Na terça-feira, a agência de notícias estatal russa RIA chegou a divulgar que o pedido havia sido submetido e aceito pelo órgão europeu, mas a informação foi desmentida pela EMA nesta quarta, 10. A agência esclareceu que apenas ofereceu consultoria científica ao Instituto Gamaleya sobre o processo de submissão.

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Muitos desses registros provisórios foram dados antes mesmo da publicação científica dos resultados da fase 3 dos estudos da Sputnik V, o que ocorreu só no último dia 2, na revista Lancet, quando muitos países já estavam usando o imunizante. Os resultados da publicação apontaram eficácia de 91,6% contra a covid-19. A falta de transparência da Rússia na divulgação das informações sobre o produto vinha alimentando desconfiança.

Para especialistas, a publicação dos dados dos ensaios clínicos em uma revista científica de prestígio melhora a reputação da Sputnik V no mundo, mas sua aprovação em quase duas dezenas de países não é garantia de que todas as agências foram rigorosas na avaliação.

“O FDA e a EMA são agências que têm um histórico de seriedade, robustez das análises. As outras agências a gente não acompanha tanto, elas não pautam decisões do mundo inteiro”, explica Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência.

“Claro que a publicação do artigo na Lancet deu um alívio para a comunidade científica. Os resultados estão muito bem apresentados, de forma clara. Mas para a Anvisa, não basta só a publicação científica, ela precisa analisar outros aspectos, como boas práticas de produção na fábrica”, esclarece a especialista, que elogia a competência técnica da agência brasileira.

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Ex-diretor da Anvisa e hoje consultor em assuntos regulatórios, Ivo Bucaresky concorda. Ele diz que a agência precisa ter acesso a dados mais detalhados.  “Medicamentos podem ter diferenças por conta do clima e características da população. Também é importante verificar as condições de produção do fabricante que vai fornecer para o país, porque, principalmente em produtos biológicos, como vacinas, pode haver variação grande. Por isso é importante uma análise criteriosa", afirma.

"A Anvisa hoje tem um corpo técnico que a coloca no mesmo nível das grandes agências, não é razoável dar apenas cinco dias para análise e obrigar a agência a aprovar automaticamente vacinas aprovadas fora”, diz Bucaresky, referindo-se à Medida Provisória aprovada pelo Senado que dá cinco dias para a agência conceder aval emergencial a vacinas autorizadas em outros países, como Rússia e Argentina. O atual presidente da Anvisa, Barra Torres, disse que a mudança feita pelo Congresso afeta a credibilidade do órgão regulador e ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal contra a MP. 

Bucaresky destacou, entre os países que já aprovaram o uso emergencial da Sputnik, a atuação das agências do México e da Argentina. “Elas são sérias, mas precisamos saber como a análise foi feita lá. A Anvisa pode ser proativa e trocar informações com as agências desses países”, opina ele.

Os especialistas afirmam que, independentemente da análise feita nos outros países, é preciso respeitar a autonomia da Anvisa. “A agência regulatória precisa ter autonomia e independência. Decisões técnicas não são feitas no Congresso. A agência precisa ser soberana e proteger a saúde da população. Isso transmite segurança nas campanhas de vacinação”, diz Natalia.

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Gestão Bolsonaro negocia compra de imunizante russo

Para não depender principalmente da Coronavac, imunizante associado ao governador paulista, João Doria (PSDB), o Ministério da Saúde tenta avançar na compra da Sputnik V e da Covaxin, desenvolvidas, respectivamente, na Rússia e na Índia. A Anvisa, porém, ainda aguarda mais dados sobre a segurança e a eficácia da Sputnik. No caso da Covaxin, os resultados da fase três de ensaios clínicos ainda não foram divulgados. 

O objetivo é comprar 10 milhões de doses da Sputnik, importadas da Rússia, e 20 milhões da Covaxin. A entrega das remessas do imunizante russo, porém, deve ser fracionada em até três meses após a assinatura do contrato de compra. A União Química tem acordo com o Instituto Gamaleya, responsável pela Sputnik, para fabricar essa vacina no Brasil, mas isso só deve ocorrer a partir de abril. Nos bastidores do governo federal, defensores dizem que a Sputnik poderia se tornar “a vacina de Bolsonaro”.