Associação busca vítimas de silicone adulterado para ação por indenização; valor é de até R$ 212 mil

Entidade que representa mulheres em todo o mundo estima que 30 mil brasileiras tenham recebido implantes da marca francesa PIP, que utilizava silicone adulterado

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Atualização:

Doze anos após vir à tona a adulteração das próteses de silicone da marca francesa PIP (Poly Implant Prothèse), uma associação internacional de vítimas do produto que teve ganho de causa na Justiça francesa agora busca mulheres brasileiras afetadas pelo problema para incluí-las na ação que pede indenização pelos danos causados pelas próteses adulteradas.

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A Associação de Vítimas de Implantes Mamários (ASBVI) foi criada em 2019 e representa 6 mil mulheres de 40 países. Sentença dada pela Justiça francesa no início deste ano condenou a empresa alemã TÜV Rheinland a pagar uma indenização que pode variar de 9 mil a 40 mil euros (R$ 47,7 mil a R$ 212 mil) por paciente prejudicada.

A empresa era responsável por auditar o sistema de qualidade desses implantes e certificá-los. A fabricante francesa PIP fechou as portas pouco tempo depois do início do escândalo e teve seu presidente preso.

A ASBVI, representada pela advogada colombiana Nathalie Lozano Blanco, que também é sócia do escritório Lozano Blanco & Asociados, responsável por ingressar com as ações, estima que 30 mil brasileiras tenham recebido próteses de silicone da marca PIP e, portanto, teriam direito à indenização.

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“As primeiras ações foram movidas na Justiça francesa em 2013, mas, durante os anos seguintes, houve uma guerra de recursos. Agora, temos uma decisão definitiva que dá ganho de causa a essas mulheres”, diz Nathalie. Seu escritório se juntou ao Merci, um escritório internacional especializado em litígios coletivos que representa 13 mil vítimas da marca PIP.

A adulteração nas próteses francesas foi descoberta após inspeção feita em 2010 pelas autoridades francesas nas instalações da fabricante PIP. Na ocasião, foi descoberto que a prótese era preenchida por um gel impróprio para uso no corpo humano e muito mais barato do que a substância que deve ser usada nos implantes. Com isso, as próteses tinham maior risco de ruptura.

Após o alerta das autoridades francesas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a suspensão da distribuição do produto em território brasileiro. O Ministério da Saúde chegou a informar que todas as mulheres afetadas pelo problema poderiam passar pela cirurgia de retirada e troca de prótese gratuitamente, mas, segundo a associação, muitas mulheres ficaram sem uma resolução ou passaram por alguma intervenção tardiamente.

Foi o caso da funcionária pública Maria Cristina Geremias Martins, de 42 anos. Ela colocou a prótese da marca PIP em 2008 e, em 2012, quando viu notícias na imprensa sobre a adulteração da prótese, procurou seu cirurgião plástico para saber se corria risco. “Ele me disse que era tudo sensacionalismo da mídia”, diz ela.

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O médico disse que não era necessária a retirada de prótese e ela, confiando no profissional, seguiu com o implante. Até que, em 2015, começou a ter fortes dores de cabeça que não tinham alívio nem com o uso de analgésicos opioides. Ela também sentia dor nas axilas.

A funcionária pública Maria Cristina Geremias Martins é uma das brasileiras que teve problemas com as próteses de silicone da marca PIP Foto: Arquivo Pessoal/Maria Cristina Geremias Martins

“Cheguei a fazer uma cirurgia de desvio de septo achando que essas dores tinham a ver com sinusite, mas, depois da cirurgia, o quadro só piorou. Até que procurei o cirurgião plástico e ele me orientou a fazer a retirada da prótese. Ao final da cirurgia, descobri que ela tinha se rompido dentro do meu corpo”, conta Maria Cristina, que, mesmo sendo vítima da fabricante e da negligência médica, ainda teve que pagar pelo procedimento de remoção do implante.

Mais tarde, ela processou a clínica e o cirurgião plástico, e ganhou uma indenização em 2021, dez anos após o caso vir à tona, mas diz que nenhum valor financeiro é capaz de reparar todos os danos e sequelas que teve - algumas permanecem até hoje.

“Fiz exames que mostram que ainda há resquícios de silicone nos meus braços, em outras partes do corpo, continuo com enxaqueca forte, tenho cicatrizes que vão até as costas. Fora a angústia de saber que continuo com isso dentro de mim sem saber o que pode causar no futuro”, diz.

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Maria Cristina diz que chegou a buscar escritórios de advocacia para ingressar com ação também contra as empresas estrangeiras responsáveis pela fabricação e certificação da prótese, mas que não prosseguiu porque teria que gastar um valor com advogado sem saber se teria sucesso na demanda.

A representante da ASBVI diz que as vítimas que ingressarem na ação contra a TÜV Rheinland só terão que pagar os honorários advocatícios após receberam as primeiras parcelas de indenização, o que costuma demorar 15 meses após a decisão, de acordo com Nathalie.

Para as vítimas de outros países que já tiveram ganho judicial, os tribunais franceses têm garantido um pagamento mínimo de 9 mil euros, que pode chegar aos 40 mil euros dependendo do dano causado à saúde da mulher. “Mesmo que a mulher não tenha tido nenhum problema de saúde decorrente da prótese, a Justiça tem entendido que ela tem direito à indenização. O valor muda de acordo com os danos”, explica a advogada.

Para a escritora Laura Piedad Arroyave, de 49 anos, o recebimento da indenização é a única maneira de conseguir arcar com a cirurgia de retirada dos implantes da marca PIP que carrega no corpo desde 2009. Ela é colombiana, mas mora no Brasil e já enviou os documentos necessários para ser incluída na ação perante a Justiça francesa.

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“Desde que coloquei a prótese, tenho um cansaço extremo, uma falta de disposição, depressão. Só não a retirei ainda porque não tenho condições financeiras”, diz.

A associação esclarece que as mulheres que tiverem interesse em pleitear a indenização por meio da ação judicial coletiva deverão preencher um formulário neste site e enviar a documentação comprovando que têm uma prótese da marca PIP. Todos os implantes de silicone têm um número de série registrado nos órgãos reguladores e, por ele, é possível confirmar se a paciente recebeu um produto de determinada marca.

Empresa alemã diz que ‘também foi enganada’

Procurada para comentar a condenação, a TÜV Rheinland no Brasil disse que apenas a matriz, na Alemanha, pode se pronunciar sobre esse caso e enviou um comunicado divulgado pela empresa em novembro no qual ela alega que também foi enganada pela PIP e que várias Cortes pelo mundo já consideraram que ela agiu de maneira responsável no caso das próteses.

“A TÜV Rheinland nunca testou os implantes fabricados pela PIP, mas certificou o sistema de gestão de qualidade da PIP – como era exigido para este tipo de dispositivo médico na União Europeia. Como muitos outros, a TÜV Rheinland é uma das enganadas pela PIP. O fabricante francês dos implantes mamários PIP enganou sistematicamente os pacientes em primeiro lugar, mas também as autoridades francesas de fiscalização do mercado e a TÜV Rheinland como seu organismo notificado durante anos”, afirmou.

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Na nota, a companhia afirma que, apesar de se solidarizar com as vítimas e colaborar com as investigações, não deve ser responsabilizada pela adulteração.

“Os tribunais alemães chegaram à conclusão unânime em todos os casos de que a TÜV Rheinland cumpriu as suas funções como organismo notificado do fabricante francês de implantes mamários PIP, de forma responsável e em conformidade com todas as leis e normas aplicáveis em todos os momentos e, portanto, não há base para pedidos de indenização contra TÜV Rheinland”.

A empresa disse ainda que tribunais na Bélgica, Itália e Espanha também rejeitaram as demandas por indenização e que somente a Justiça francesa decidiu de forma diferente.

O Estadão também procurou a Anvisa e o Ministério da Saúde para saber se há algum levantamento sobre o número de brasileiras que retiraram as próteses ou que sofreram alguma complicação decorrente do produto, mas ainda não recebeu as informações.

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O ministério afirmou que está realizando o levantamento dos dados pedidos pela reportagem, mas reiterou que “reconhece o direito de troca das próteses de silicone da marca PIP e assegura a realização desse procedimento pelo SUS”. “A pasta orienta as mulheres que ainda não fizeram essa substituição que procurem os hospitais da rede pública para receber recomendações específicas e adotar todos os procedimentos para realização da cirurgia”, informou, em nota.

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