A vacina contra covid desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, e que está sendo testada também no Brasil, teve seus estudos clínicos suspensos por suspeita de reação adversa grave em um dos voluntários participantes no Reino Unido.
De acordo com o jornal The New York Times, uma pessoa familiarizada com a situação disse, sob condição de anonimato, que o participante teve mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e costuma ser desencadeada por infecções virais.
A informação foi publicada na tarde desta terça-feira, 8, pelo site americano Stat News, especializado em notícias de saúde e ciência, e confirmada pelo Estadão com a AstraZeneca, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que tem parceria com a farmacêutica para produzir o imunizante.
A AstraZeneca afirmou que, ao realizar procedimento padrão de revisão, decidiu de maneira voluntária pausar a vacinação "para permitir a revisão dos dados de segurança por um comitê independente". Já havia acordo firmado entre o Ministério da Saúde e a AstraZeneca para que o imunizante fosse produzido no País após uma eventual aprovação. A fabricação seria possível graças a uma parceria para transferência de tecnologia para a Fiocruz. No Brasil, os órgãos regulatórios responsáveis pelo acompanhamento das informações de segurança dos estudos clínicos são a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
De acordo com a companhia, a interrupção é "uma ação rotineira que deve acontecer sempre que for identificada uma potencial reação adversa inesperada em um dos ensaios clínicos, enquanto ela é investigada, garantindo a manutenção da integridade dos estudos". Em grandes ensaios, ressalta a empresa, "os eventos adversos acontecem por acaso, mas devem ser revistos de forma independente para verificar isso cuidadosamente".
A AstraZeneca não detalhou qual foi o efeito colateral registrado nem quando ele ocorreu, mas afirmou estar "trabalhando para acelerar a revisão de um único evento para minimizar qualquer impacto potencial no cronograma do teste". A empresa disse ainda estar comprometida "com a segurança de nossos participantes e os mais altos padrões de conduta em nossos testes".
A vacina de Oxford está sendo testada no Brasil em cerca de 5 mil pessoas. Participam ainda dos estudos os Estados Unidos e a África do Sul, além do Reino Unido, primeiro país a testar o produto.
O estudo brasileiro, iniciado em junho, está sendo coordenado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Procurada, a instituição informou que os testes foram suspensos em todos os centros no mundo, inclusive no Brasil, e afirmou que a pausa segue os padrões de segurança preconizados no protocolo do estudo da vacina de Oxford.
"Trata-se de uma prática comum em estudos clínicos envolvendo fármacos. O comitê de monitoramento de segurança do estudo analisa se o caso tem ou não relação com a vacina e, assim que a análise for concluída, a fase 3 deve ser retomada", disse a instituição, em nota.
A Unifesp informou ainda que o estudo no Brasil vinha avançando conforme o esperado. "Muitos (voluntários) já receberam a segunda dose e, até o momento, não houve registro de intercorrências graves de saúde", afirmou a universidade.
A Anvisa disse que aguarda mais informações da AstraZeneca para se pronunciar oficialmente sobre a interrupção dos estudos. Segundo fonte da agência, a AstraZeneca apenas enviou um comunicado sobre a interrupção, sem detalhar que tipo de efeito colateral foi notado em participante do estudo que travou os trabalhos. Técnicos da Anvisa, agora, buscam mais informações da AstraZeneca.
"A decisão de interromper os estudos foi do laboratório, que comunicou os países participantes. A Anvisa já recebeu a mensagem e vai aguardar o envio de maisinformações para se pronunciar oficialmente", disse a Anvisa, em nota.
Já a Fiocruz também disse que foi informada pela AstraZeneca sobre a suspensão dos testes clínicos em fase 3 e destacou que irá acompanhar os resultados das investigações sobre possivel associação deefeito registrado com a vacina para se pronunciar oficialmente.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), responsável por garantir a segurança e direitos dos participantes de estudos com humanos no País, disse que realizou agora à noite audiência com pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos para obter mais detalhes sobre a decisão.
"Foi uma medida de cautela. O comitê de segurança deve se reunir nós próximos dias para avaliar a continuidade da pesquisa", disse ao Estadão Jorge Venâncio, coordenador da Conep. Ele afirmou que os pesquisadores informaram à comissão detalhes sobre o tipo de reação adversa registrada, mas os dados são confidenciais.
Acordo com o Brasil
O acordo do governo brasileiro com a AstraZeneca garante acesso a 100 milhões de doses do insumo da vacina, das quais 30 milhões de doses seriam entregues entre dezembro e janeiro e 70 milhões, ao longo dos dois primeiros trimestres de 2021.
A decisão do laboratório britânico ocorre no dia em que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que em "janeiro a gente começa a vacinar todo mundo". O governo federal abriu crédito de cerca de R$ 2 bilhões para a Fiocruz receber, processar, distribuir e passar a fabricar sozinha a vacina.
Apesar de meses de negociação, o governo ainda não tem um contrato com a AstraZeneca, mas apenas um “memorando de entendimento”. O Estadão apurou que o Ministério da Saúde planejava assinar o contrato nesta quinta-feira, 10. Em nota, o Ministério da Saúde informou que foi notificado pela AstraZeneca por e-mail. No texto, a pasta diz que "reforça o compromisso em garantir uma vacina segura e eficaz em quantidade para a população brasileira".
Os testes da vacina de Oxford e AstraZeneca são os que estão em estágio mais avançado no mundo. Os pesquisadores esperavam ter resultados parciais da fase 3, a última antes da comercialização, ainda em outubro.
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