Atendimentos de saúde no SUS explodiram após pico de queimadas

Dados do Ministério da Saúde mostram alta de problemas digestivos e respiratórios em consonância com aumento no número de focos de incêndio; Governo elabora protocolo com níveis de alerta em episódios de mudanças climáticas

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Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

BRASÍLIA - Dados do Ministério da Saúde, obtidos pelo Estadão, mostram que os atendimentos nas unidades básicas de saúde de todo Brasil tiveram um aumento expressivo após os picos de queimada em agosto e setembro. Os registros mostram alta de problemas digestivos, como náuseas, e intercorrências respiratórias. Diante do cenário, governo elabora protocolo para classificar níveis de alerta em mudanças climáticas.

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Os dados mostram um retrato do período de 30 de junho a 10 de agosto em comparação com 11 de agosto a 21 de setembro, quando as queimadas se intensificaram no país. A quantidade de atendimentos relacionados ao sistema digestivo, com ocorrência de mal-estar, enjoo, entre outros, aumentou 173,52%, passando de 49.982 em todo país para 136.712.

A alta de atendimentos também foi observada em quadros relacionados ao sistema respiratório. Em todo Brasil houve aumento de 20,8%, passando de 407.334 atendimentos entre junho e agosto, para 492.057 entre agosto e setembro. As notificações foram inseridas de forma facultativa por Estados e municípios no Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab), de modo que os números podem ser maiores.

Em Brasília, céu ficou encoberto por causa de queimadas de grandes proporções. Foto: Joedson Alves/Agencia Brasil

Números do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, comparando os dois períodos de tempo utilizados nas estatísticas do Ministério da Saúde, houve um aumento de cerca de 214% na quantidade de focos de incêndio. Foram registrados 39.471 focos de queimada em todo o País entre 30 de junho e 10 de agosto. A quantidade saltou para 124.132 entre 11 de agosto e 21 de setembro.

O Brasil vive uma seca histórica, que tem afetado do Amazonas ao Paraná. Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), essa é a pior estiagem da série histórica, desde que os dados começaram a ser registrados pelo órgão, em 1950.

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“A rede normalmente é muito pressionada e, agora, piorou”, afirma o vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, Geraldo Reple. “Não temos colapso, mas a rede está muito pressionada, e não é só rede pública, a rede privada também. Nos pronto atendimentos a espera é de três, quatro, cinco horas.”

Ele defende que é preciso criar um protocolo sobre como as redes devem proceder em casos relacionados a eventos extremos. Diante do problema, o Ministério da Saúde produz uma nota técnica em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas para definir níveis de atenção, alerta e emergência em episódios de mudanças climáticas. A diretriz irá auxiliar os sistemas de saúde durante esses episódios. A pasta não detalhou quando será concluída a nota técnica.

Um dos exemplos considerados pelo Ministério da Saúde para elaboração da nota técnica é o protocolo de calor feito pela cidade do Rio de Janeiro. A cidade foi a primeira do país a instituir um documento para classificar níveis de calor no município e determinar ações de acordo com o patamar verificado.

O protocolo carioca, implementado em junho, estabelece cinco níveis de calor e medidas que podem ou devem ser tomadas pela prefeitura nesses cenários, como cancelamento de eventos, ofertas de estações de hidratação, entre outros. A diretriz também inclui medidas de comunicação e adaptação dos serviços públicos. O protocolo começou a ser idealizado após o show da cantora Taylor Swift, em novembro do ano passado, quando a fã Ana Clara Benevides morreu após um quadro de exaustão térmica.

“A gente sabe que essas mudanças climáticas vão causar eventos extremos cada vez mais frequentes, então é importante que principalmente os grandes centros urbanos estejam preparados para lidar (com a situação)”, explica Gislani Mateus, superintendente de Vigilância em Saúde do Rio de Janeiro. “Se acontecesse hoje, aquele show possivelmente seria suspenso, porque estaria dentro de um nível de calor cinco.”

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Segundo ela, técnicos do Ministério da Saúde já visitaram o Rio para conhecer o protocolo da cidade e estão em contato com o município para trocar informações sobre o modelo. Para operacionalizar as diretrizes, o município tem um painel de calor que mostra não só os focos de temperatura, mas também previsões e outros dados.

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O tema tem sido acompanhado pela secretaria executiva do Ministério da Saúde, que centraliza dados sobre o assunto e repassa diariamente à Casa Civil. As informações são colhidas em reuniões do Centro de Operações de Emergências (COE) e com as outras pastas do ministério. É feita uma triagem para selecionar quais medidas devem ser tomadas pelo próprio Ministério da Saúde e quais pelo centro de governo.

No final de setembro, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, realizou uma reunião com secretários de saúde de Estados do Norte do Brasil para tratar sobre o efeito da seca e das queimadas na saúde da população. Na ocasião, Nísia alertou para a gravidade da situação no país.

“Não se pode falar de uma crise de desassistência, mas de uma pressão muito forte sobretudo nas UBSs e nas UPAs. Não há um impacto de falta de leitos, algo que a gente possa sinalizar como grande alerta, mas não queremos que cheguemos a essa situação”, afirmou Nísia à época.

Ao Estadão, o Ministério da Saúde afirma que produz anualmente informes sobre focos de calor e qualidade do ar. Além disso, a pasta disse que envia semanalmente aos gestores municipais e estaduais informes sobre queimadas, com orientações para saúde pública.

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Cuidados com a saúde

Profissionais da saúde alertam que, em um cenário de escassez hídrica e altas temperaturas, é preciso redobrar os cuidados com a saúde. Segundo Fabiana Fonseca, médica e mestre em medicina de família e comunidade pela Fiocruz, as queimadas podem expor a população a gases tóxicos, o que acaba gerando quadros de enjoo e náusea, além de danos respiratórios. A seca ainda pode causar quadros de desidratação e facilitar a proliferação de infecções virais.

“É importante tomar muito líquido, seja por conta do desenvolvimento de quadros virais que causam esses sintomas, como também pela irritação e toxicidade da fumaça. A fumaça libera o monóxido de carbono. É um gás extremamente tóxico”, explica.

Fabiana indica que as pessoas priorizem a hidratação seja tomando água, isotônicos ou sucos naturais. Outro ponto importante, segundo a médica, é garantir que o ambiente doméstico esteja úmido. Nesse sentido, o uso de umidificadores e panos molhados espalhados pela casa podem ajudar.

Pneumologista do Hospital Brasília, da Rede Dasa, Gilda Elizabeth explica que lavar o nariz e utilizar colírios também pode contribuir para reduzir os problemas gerados pela má qualidade do ar e a seca. Segundo ela, é preciso ter atenção especial com idosos e crianças.

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“Os efeitos das queimadas e da baixa umidade são os piores possíveis, principalmente em relação ao aparelho respiratório, porque o ar fica mais pesado e muito sujo”, diz.” Os trabalhadores da rua, camelôs, policiais, devem usar máscaras para evitar a aspiração dessas partículas.”

Especialista em aparelho digestivo e cirurgiã do Hospital Nove de Julho, Vanessa Prado destaca que, além de aumentar a ingestão de água, é importante cuidar da alimentação. Ela orienta que pessoas que costumam fazer refeições fora de casa priorizem alimentos cozidos. “Evitar alimentos crus, porque, com esse calor, a gente não sabe como está sendo conservado e nem a temperatura em que ele precisa ser conservado para ficar em boas condições”, explica.