Atletas de fim de semana: entenda quem são e quais os riscos

Aquele futebol com os amigos, sem preparo físico, pode ser prejudicial ao corpo. Ideal é fazer alguma atividade complementar, mesmo leve

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Por Guilherme Santiago

Durante a semana, exercício físico e alimentação balanceada não fazem parte da rotina. No entanto, quase como uma forma de tirar o atraso, o fim de semana é dedicado a atividades esportivas intensas e que envolvem competição, como aquela partida de futebol entre amigos. Se você se identificou com a descrição, é provável que seja um atleta de fim de semana. E isso pode trazer riscos à saúde, conforme alerta Fúlvia Gobatto, educadora física e docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela explica que os benefícios da prática esportiva, como aumento do condicionamento físico e fortalecimento do sistema imunológico, só podem ser adquiridos quando a atividade acontece de forma recorrente. Do contrário, o atleta de fim de semana só estará exposto aos riscos dessa atividade intensa.

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Afinal, todo exercício físico cria respostas fisiológicas ao organismo, como aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca. Porém, com a prática recorrente, o corpo se adapta a essas mudanças e fica mais preparado para realizar as atividades físicas, incluindo as mais intensas. Quando o esporte é praticado de forma pontual, essa adaptação não acontece, uma vez que o organismo só receberá um novo estímulo após um longo período sem ser estimulado. “Por isso, o atleta de fim de semana acaba ficando mais exposto aos riscos do que aos benefícios que a atividade física poderia trazer”, afirma.

Além disso, Fúlvia explica que o atleta de fim de semana costuma não ter conhecimento sobre as próprias respostas fisiológicas frente ao exercício e acaba excedendo seus limites. A competição aparece como outro agravante para esses indivíduos que, diante da vontade de vencer a partida, vão mais uma vez além dos esforços recomendados.

Qual é o perigo das partidas de futebol do final de semana?

É o caso de Teosmar Ferreira, de 63 anos, que não abre mão do futebol com os amigos aos sábados. O problema é que essa é a única atividade que ele pratica ao longo da semana. Teosmar garante que busca cautela durante as partidas, mas reconhece que nem sempre é possível. “Eu quebrei quatro costelas uma vez. Há dois anos, quebrei um osso do braço, fiquei internado por nove dias e fiz cirurgia. E já tive uma torção no joelho também”, relata.

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Isso, no entanto, não fez com que ele abandonasse a prática – que faz parte da sua vida desde suas memórias mais antigas, quando tinha 7 anos. “As pessoas falam que pela minha idade eu corro bem. E não sinto vertigem, cansaço e nenhum outro problema durante as partidas. Até gosto de um jogo mais corrido, em que eu posso me movimentar mais”, diz.

Mesmo praticando um esporte que exige bastante esforço, Teosmar não sente a necessidade de um café da manhã mais reforçado. “Antes do jogo eu só tomo um cafezinho e deixo para me alimentar depois que eu volto da partida”, conta. “Depois do jogo o pessoal costuma ir para o bar bater papo. Eu volto para casa e aí tomo meu café da manhã, com meus comprimidos para diabete. Eu bebo cerveja também, mas bem mais tarde”, descreve.

Alessandro Potter (de camisa verde), que só se exercitava aos fins de semana e sofreu lesão no ombro Foto: Arquivo pessoal

Preciso comer bem para me exercitar?

Mas pode ser que só um cafezinho não seja suficiente. De acordo com Marcus Quaresma, nutricionista esportivo e docente do Centro Universitário São Camilo, a alimentação funciona como combustível, que vai garantir um melhor desempenho e reduzir as chances de mal-estar durante as partidas. “Uma pessoa que não se alimenta de forma correta, e se submete a um exercício físico intenso a que não está habituada, corre risco de ter problemas durante a atividade”, alerta ele, que cita complicações como fraturas, enjoos e sensação de fraqueza.

É por isso que a alimentação pode ser outro fator de risco para aqueles que só praticam atividades físicas aos fins de semana. “É necessário comer bem para se exercitar bem”, garante o nutricionista, que faz algumas ressalvas com relação ao que deve ser consumido. Antes do exercício, a recomendação é evitar alimentos com muita gordura. Quaresma explica que, durante a atividade física, é comum que sangue e oxigênio sejam desviados para o músculo que está sendo trabalhado. “Isso deixa o intestino menos apto para digerir e absorver refeições muito pesadas”, diz. A preferência, portanto, deve ser por carboidratos, como pães, macarrão, arroz e frutas. Depois da atividade, a recomendação segue a mesma: preferir alimentos de fácil digestão para evitar desconfortos gástricos.

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Bebidas alcoólicas são outro ponto de atenção. Quaresma explica que o efeito negativo do álcool está relacionado à adaptação do organismo diante das atividades físicas frequentes. “É como se a bebida anulasse o efeito positivo que o exercício gera no organismo”, diz. Por isso, para quem faz atividade física regular, o álcool é um problema.

Só que, como os atletas de fim de semana não são afetados pelos benefícios da adaptação, o álcool em pequenas quantidades acaba não trazendo grandes problemas – o que não significa que seu consumo está liberado. Evitar os excessos de bebidas alcoólicas continua sendo fundamental, visto que possuem bastante calorias e seu uso crônico pode trazer graves complicações. Além disso, a recomendação do nutricionista é fazer a ingestão de água durante toda atividade esportiva para manter o corpo sempre hidratado.

Quando os exercícios físicos podem ser prejudiciais para a saúde?

Fazer atividades físicas que ultrapassam seus limites é um problema, mas a situação é ainda mais grave quando não há condicionamento físico para realizá-las. E isso é bastante perigoso, porque pode ocasionar lesões musculares e rompimento de ligamentos.

O médico ortopedista Nemi Sabeh, que também é coordenador da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, explica que só a modalidade esportiva não é capaz de oferecer resistência às articulações. Muito menos quando ela é realizada de forma esporádica e sem estar associada com outros treinamentos físicos. “Um atleta de fim de semana que não se prepara costuma ter um maior número de lesões e não tem condições para aprimorar sua performance durante a partida de futebol. É como se a pessoa estivesse enganando o próprio corpo, porque a atividade não está sendo efetiva. Pelo contrário, está sendo lesiva.”

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Por isso, a recomendação do médico é investir também em atividades que permitam desenvolvimento de flexibilidade, força e mobilidade, como musculação e pilates. Tudo isso, de acordo com Sabeh, funciona como um complemento para a atividade do fim de semana, que pode deixar musculatura e articulações mais preparadas para o exercício praticado.

Alessandro Potter, de 44 anos, só foi entender isso depois que rompeu um tendão do ombro, no fim de 2021, depois de cair por cima do próprio braço durante uma partida de futebol. O rompimento exigiu que ele passasse por uma cirurgia e ficasse seis meses longe das quadras. Depois disso, decidiu que era hora de adotar alguns cuidados. “Comecei a fazer alongamento antes das partidas e a usar uma bermuda térmica, que ajuda a manter a musculatura aquecida e evita lesões musculares”, revela.

Atualmente, ele planeja voltar para a academia, porque reconhece que outras atividades físicas trazem mais qualidade de vida e melhoram seu rendimento durante as partidas. “Há dois anos, eu estava correndo e fazendo academia e sentia uma diferença, era uma sensação de bem-estar maior. Agora eu só jogo futebol aos sábados e percebo que quando fazia outras atividades tinha menos dores musculares depois das partidas”, conta.

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Quais riscos a atividade de fim de semana traz ao coração?

O coração também pode ser afetado por essas atividades intensas, conforme indica Fernando Costa, médico cardiologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Ele explica que toda atividade física leva ao aumento da pressão arterial. “E isso faz parte da fisiologia humana”, pondera. O grande problema é quando esse aumento acontece na presença de entupimentos por placas de gordura nas artérias do coração, chamadas de coronárias. Essa prática esportiva feita de forma intensa e sem condicionamento é um dos motivos que podem levar à ruptura dessas placas – assim como situações de fortes emoções ou de estresse. A consequência é que, diante dessa situação, são maiores as chances de complicações como derrame, arritmias cardíacas e enfarte.

Pessoas com fatores de risco, portanto, devem ter cuidados redobrados. “Quanto mais fatores de risco, maiores são as probabilidades de um evento cardíaco”, afirma. A recomendação do cardiologista é que pessoas com obesidade, diabete, níveis elevados de pressão, colesterol alto, sedentárias, que fumam ou com casos de doenças cardiovasculares na família, façam acompanhamento com um profissional habilitado. “Ele vai indicar qual o ritmo de exercício é recomendado para esse paciente”, diz.

‘Eu quebrei quatro costelas uma vez. Há 2 anos, quebrei um osso do braço e fiz cirurgia. E já tive torção no joelho também’, diz Teosmar Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

Atividades físicas com moderação

Com a rotina agitada e cheia de compromissos, inserir a prática da atividade física durante a semana pode ser desafiador para algumas pessoas. Se essa for a sua realidade, a melhor forma de realizar exercícios aos fins de semana é optar por aqueles de baixa ou moderada intensidade. Pode ser uma leve caminhada, dançar na sala de casa ou andar tranquilamente de bicicleta. “Dessa forma, os riscos são menores”, diz Fúlvia.

Porém, a educadora física pondera que apenas essa atividade não trará grandes resultados, mas ainda é melhor do que não fazer nenhuma atividade ou fazer atividades muito intensas sem preparo físico. “De qualquer forma, é sempre melhor uma frequência um pouco mais elevada e de preferência monitorada por algum profissional de educação física.”

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Como colocar a atividade física na sua rotina

  • Defina horários

Estabelecer os momentos para a atividade física permite que a prática não aconteça só quando sobra tempo e facilita o planejamento da rotina.

  • Menos é mais

Você não precisa dedicar horas do seu dia aos exercícios físicos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 21 minutos diários por semana já são suficientes para melhorar sua qualidade de vida.

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  • Encontre atividades das quais goste

Quando você não gosta da atividade que pratica, é mais difícil torná-la parte da rotina e as chances de abandoná-la são maiores. Por isso, a recomendação é ir em busca daquilo que desperte prazer.

  • Crie incentivos

Criar situações que aumentem sua vontade de praticar atividades físicas pode ajudar. E existem várias formas para isso: deixar a roupa separada, ter uma boa noite de sono, fazer um café da manhã com coisas que você gosta de comer ou ouvir um podcast que você ache interessante.

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  • Aproveite os deslocamentos

Será que você precisa ir ao supermercado de carro ou poderia ir a pé? Assim como essa situação, pode ser interessante encontrar outras em que é possível se deslocar a pé Afinal, qualquer movimento que faça você gastar mais energia do que gastaria para se manter acordado já é considerado uma atividade física.

  • Não queira tirar o atraso

É comum que as pessoas sintam vontade de tentar compensar no fim de semana tudo que não foi feito nos outros dias. Mas isso dificulta que a prática seja parte da rotina. O mais importante é fazer aquilo que você consegue, desde que seja uma atividade recorrente.

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  • Procure ajuda

Profissionais – um médico ou educador físico – podem analisar caso a caso e definir o tipo de atividade e a frequência ideal para cada pessoa.

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