A goiana Lucilene Lopes de Lorenzo Fernandez, que gosta de ser chamada de Lu, nunca se considerou uma pessoa ativa para fazer exercícios físicos. Desde criança, alimentava a paixão de aprender balé e só teve coragem e oportunidade de realizar esse sonho quando fez 60 anos. E não só ela, mas muitos adultos acima dos 50 têm investido em aulas de dança, que ajudam tanto no desenvolvimento biopsíquico quanto nas habilidades de socialização.
Primeira-bailarina do Teatro Municipal do Rio, Ana Botafogo, hoje com 65 anos, segue dançando diariamente – mas agora como forma de bem-estar e fora dos palcos. Segundo ela, a prática do balé para adultos só traz benefícios, por alongar e fortalecer a musculatura do corpo. Ela aponta também que o uso da música faz com que a experiência seja mais agradável e que é preciso estimular a memória e coordenação motora para aprender a sequência de passos ensinada pelo professor ou pela professora.
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“Os alunos adultos têm muito prazer em fazer as aulas e faltam pouco, além de um estimular o outro”, conta ela, que criou a academia Maison Botafogo em 2007, onde, hoje, Lu faz suas aulas. “É um encantamento bonito de se ver e minha mensagem para esse público é que vocês não desanimem e concretizem seus sonhos. A dança sempre conduziu minha vida e sigo me beneficiando dela, tanto física quanto psicologicamente.”
Desde que fez a primeira aula particular de balé, em 1.º de janeiro de 2022, Lu se sente bailarina. A rotina inclui práticas três vezes por semana, por uma hora, e muita dedicação para aprender e executar os movimentos da dança, que costuma exigir disciplina e demanda bastante consciência do corpo. Em oito meses, ela sentiu evolução a ponto de perder o medo de fazer aulas com Ana Botafogo, que a tem orientado em algumas sessões, e o ator e músico Leo Jaime, um dos entusiastas da prática do balé para homens.
“Sinto que meu corpo ganhou muito, de ter mais elasticidade. Além da satisfação e o prazer de dançar, o balé tem me trazido benefícios como consciência corporal, fortalecimento muscular e equilíbrio.”
Quais os benefícios do balé para adultos?
O diretor da Faculdade de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Fernando Zikan, concorda que o balé é uma excelente ferramenta para a população de 50 ou mais e ajuda a frear a perda muscular com o avanço da idade, a sarcopenia.
Segundo Zikan, que dança e trabalha cuidando de bailarinos do Municipal há 17 anos, o balé auxilia na manutenção de peso e ganho de gordura. “A dança faz com que haja mais produção do líquido sinovial dentro das articulações. Quanto mais se movimenta, mais quantidade do líquido se forma nelas e isso evita o surgimento de dores articulares e de doenças como a artrite e a artrose.”
Ele também aponta o retorno venoso dentro do corpo, ajudando na circulação do sangue e do oxigênio nas veias, além de evitar o desenvolvimento de varizes e edemas. “O balé é excelente para estimular a memória, o funcionamento cerebral e a interação social do aluno, além de desenvolver consciência corporal e emocional. É um estilo de dança potente para experimentar seu corpo”, conta ele. “Muitas mulheres não conseguiram mostrar seu corpo como gostariam, seja por repressão, vergonha, e hoje têm mais possibilidades de fazer isso e devem fazer.”
O balé é excelente para estimular a memória, o funcionamento cerebral e a interação social do aluno, além de desenvolver consciência corporal e emocional”
Fernando Zikan, diretor da Faculdade de Fisioterapia da UFRJ
A psicóloga Ana Carolina del Nero, que dança balé há dez anos, ressalta que o ambiente das aulas é de leveza e acolhimento, o que facilita a construção de novos círculos sociais além da família e do trabalho, e movido por interesses em comum.
“Para mim, o balé é uma grande fonte de prazer e ajuda bastante no desenvolvimento socioemocional, especialmente para os mais velhos, pois há um declínio natural das habilidades cognitivas e motoras. Por ser uma dança codificada, com combinação de música e sequências de passos, a atividade potencializa o estímulo cerebral e ajuda o aluno a ter uma relação de autoconhecimento do corpo.”
Não há idade certa para realizar sonhos
Lu conta que o desejo de fazer balé voltou com força quando fez 45 anos e se aposentou no funcionalismo público. Ela pensou em procurar um lugar para fazer aulas, mas, na época, não encontrou nenhuma academia que ensinasse adultos sem experiência em dança no Rio de Janeiro, onde vive.
Dessa forma, ela guardou essa vontade até que começou a ter contato com pessoas acima de 50 anos que estavam praticando. “Mesmo assim, não tinha coragem e pensava no julgamento que os outros fariam de mim”, recorda.
Lu só realizou seu sonho ao completar 60 anos, quando, como conta, “teve um estalo”. “Vou realizar duas coisas que tenho vontade: uma tatuagem e aprender balé. Não contei nem para meu marido nem para minhas filhas. Criei um perfil no Instagram, o @balletaos60, me senti fortalecida e passei a receber tantas mensagens de incentivo que me desarmei”, revela.
Outros pontos que Lucilene trabalha é em não deixar que a perda auditiva a prejudique no entendimento das instruções das professoras. Também se vale de uma minibarra auxiliar para ajudá-la nos movimentos que exigem levantar e manter as pernas esticadas.
Ela conta que segue seu ritmo, e recomenda a todos que têm um sonho para não ter medo de realizá-lo. “Tenha coragem e não fique esperando. Perdi tempo demais me preocupando com a opinião das pessoas e me acovardei. Deveria ter começado há muito mais tempo”, diz.
A volta de uma antiga paixão
Assim como Lucilene, outras mulheres adultas também vêm investindo na prática do balé como forma de atividade física e de bem-estar. A psicóloga Lia Camargo von Brusque, de 53 anos, e a médica Maria Heloisa Bernardini, de 59, frequentam quase diariamente a Academia Anacã, em São Paulo, onde há turmas dedicadas a diversas faixas etárias.
Lia conta que praticou balé dos 7 aos 18 anos, chegando a dançar profissionalmente. Mas parou quando entrou na faculdade e, por conta do nível de exigência imposto pelos estudos, ficou 22 anos sem calçar sapatilhas.
Foi só aos 42, ao levar a filha para dançar, que ela percebeu quanto tempo tinha perdido. “O balé é uma atividade muito social e funciona como uma terapia para mim. É preciso fazer algo que te dê prazer e vida”, observa. No entanto, ela precisou entender que os objetivos, na vida adulta, eram diferentes de quando ela dançava na juventude. “Aprendi que a dança me faz feliz e que não posso ter o mesmo excesso de cobrança que tinha com ela quando era mais jovem.”
O balé é uma atividade muito social e funciona como uma terapia para mim
Lia Camargo, que voltou a praticar balé depois de 22 anos
Maria Heloisa também conheceu o balé na infância, mas só foi retomá-lo no início da pandemia. Com as academias fechadas e sem a possibilidade de correr, ela passou a fazer aulas online da dança até que a academia fosse reaberta. Para ela, que trabalhou na linha de frente do combate à covid-19, manter o corpo e cabeça ativos é uma das chaves para uma vida feliz.
Segundo ela, é importante manter qualquer atividade física para uma vida saudável. “O primeiro passo para te tirar do sedentarismo é mover seu corpo. Caminhar é uma excelente prática para começar e se interessar por outras atividades físicas”, ensina. Ela deixou de praticar corrida, mas conta que tem planos de retomar a prática – e até de disputar uma São Silvestre.
As duas alunas procuram tomar alguns cuidados antes e depois das aulas, que duram entre uma e duas horas. O primeiro deles é fazer um bom aquecimento e seguir as orientações da professora, para que a execução dos movimentos saia correta e evite mais sobrecarga nas articulações. Além disso, procuram seguir uma dieta balanceada, consumo frequente de água e boa higiene do sono.
Homens também dançam balé
O balé para adultos não tem idade para começar, nem distinção de gênero. Tanto homens quanto mulheres podem dançar e um dos alunos mais velhos do Brasil, o carioca Hélio Haus, só decidiu calçar as sapatilhas aos 75 anos, depois de aposentado. Aos 80, ele chega a fazer cinco aulas por dia e assegura que a prática é seu melhor investimento em saúde. “Não quero ser refém de consultório médico e não acho engraçado nenhum tipo de remédio, doença.”
Quem também é adepto do “balé positive” é o ator e músico Leo Jaime, que conheceu a dança na adolescência, mas só foi retomar as aulas após ser convidado a participar do quadro Dança dos Famosos, do Domingão do Faustão, na TV Globo, em 2018. Ele venceu o desafio e, ao saber que havia aulas de balé básico no estúdio da coreógrafa Débora Colker, decidiu se matricular. “A dança cria uma conexão forte entre o tempo e o espaço e ajuda a criar intimidade com seu corpo. É um ambiente gostoso, lúdico e divertido”, avalia.
Aos 62 anos, Leo Jaime diz não se importar com as críticas que sofre por não se encaixar em um suposto corpo padrão de dançarino – e por ser um homem que gosta de balé. “Não gasto tempo com isso e me preocupo em agradar a mim mesmo. Cada um deve curtir do seu jeito e escolher o que te faz bem, sem se importar com o que o outro vai pensar.”
Como dançar de forma saudável
A professora Esmeralda Gazal, que se dedica há dez anos ao ensino de balé adulto, traz algumas dicas de como praticar a dança de forma saudável e como ela ajuda a criar uma melhor consciência corporal para as atividades do dia a dia. Aos 69 anos – 53 deles dedicados à dança e uma década como bailarina do Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo –, ela salienta que o início das aulas deve ser feito de maneira gradativa, para que cada aluno ou aluna possa organizar seu corpo e perceber como ele está naquele dia. “Iniciamos sempre com posições naturais, para que haja um aquecimento e isso possibilite executar os movimentos do balé.
O neurorradiologista Leonardo Stellati Garcia, que descobriu o balé há pouco mais de um ano, explica que, por ser uma atividade física, há risco de lesões e quedas, mas que elas são minimizadas quando se pratica a dança sob o supervisão de um professor ou professora que guie o corpo dos alunos dentro dos limites de cada um. “Os riscos do balé são baixos perto dos benefícios de bem-estar mental, social, emocional e de melhora da forma física que trazem.”
Esmeralda ressalta que a prática do balé também é uma ótima aliada para manter o alinhamento ósseo em dia. “Vivemos em um período com muito tempo no celular, no computador, e isso altera a organização do nosso corpo e da coluna. Dançar ajuda a manter nossas articulações preservadas para fazermos os movimentos do dia a dia com maior autonomia, sem limitações ou dores.”
CUIDADOS PARA COMEÇAR A DANÇAR
- Ouça sempre as orientações do professor e faça um bom alongamento.
- Respire com cuidado e de forma constante.
- Não se jogue com força nos movimentos e use o apoio dos pés, pernas e core para preservar as curvas naturais da coluna.
- Controle as descidas das sequências da dança e vá no seu ritmo.
- Hidrate-se antes, durante e depois das aulas. Mantenha uma alimentação saudável e coma com intervalos de três em três horas.
- Durma bem e ao menos oito horas por noite.
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