Duas escolas tiveram as aulas suspensas em Balneário Camboriú, no litoral de Santa de Catarina, após registrarem surtos de escabiose, doença de pele popularmente conhecida como sarna. Ao todo, desde o dia 6 de junho, a cidade já registrou 43 casos da doença. Segundo a prefeitura, a previsão é de que as aulas retornem na próxima segunda-feira, 24.
De acordo com as secretarias de Saúde e Educação do município, as aulas foram suspensas nos Núcleos de Educação Infantil (NEI) Sementes do Amanhã, onde ocorreram 34 casos, e Rio das Ostras, que contabiliza, até o momento, seis ocorrências. Há, ainda, outros casos isolados registrados em mais duas escolas.
Ainda segundo a gestão municipal, os núcleos estão passando por processos de higienização e foram desenvolvidos materiais para a conscientização dos pais dos alunos, a fim de prevenir o avanço da doença. Os casos estão sendo acompanhados nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Unidades de Pronto Atendimento da cidade.
Relação com o uso de ivermectina
Alguns moradores e portais de notícias da região têm associado a alta dos casos ao uso indiscriminado do medicamento ivermectina, que atua contra várias espécies de parasitas e vermes, como o Sarcoptes scabei, ácaro causador da escabiose. Durante a pandemia de coronavírus, a substância foi adotada no chamado kit covid, usado como protocolo de tratamento precoce contra a covid-19 por parte de municípios brasileiros apesar da falta de evidências científicas sobre sua eficácia. De acordo com o Instituto Global de Saúde de Barcelona (ISGlobal), o remédio foi usado por 79,5% dos brasileiros que tiveram sintomas da doença.
A desconfiança é baseada em um estudo publicado pelo Núcleo de Estudos em Farmacoterapia (NEF) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em 2021. O artigo levantou a hipótese de que havia o risco de se estimular a resistência do Sarcoptes scabei devido ao aumento do consumo do medicamento no País.
Para isso, foram feitas revisões de literatura sobre os processos que podem levar a ocorrência de resistências dos microrganismos, além de reunião de informações sobre como se mensura, avalia e prova a resistência nesses casos.
Ao Estadão, a farmacêutica Sabrina Neves, docente do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF) da UFAL e uma das responsáveis pelo estudo, explicou que, a princípio, o trabalho apresentou apenas uma hipótese e não comprova que a relação exista – o que requer mais estudos. Por isso, ela destaca que o surto em Balneário Camboriú não deve ser associado ao uso da substância.
“Para se provar que trata-se de escabiose causada por acaro resistente deve-se fazer estudo específico tanto do parasita, quanto estudos clínicos com o diagnostico correto dos pacientes, e o monitoramento do tratamento para então avaliar se há resistência ao tratamento convencional. Isso requer cautela e método”, explica a pesquisadora.
Sabrina aponta que, embora haja a hipótese de que o ácaro pode adquirir resistência devido ao uso de ivermectina, é preciso parcimônia na interpretação dos resultados do estudo. Ela destaca que é pouco provável que os casos na cidade catarinense sejam causados pelo uso do medicamento. Segundo ela, antes de fazer essa afirmação, primeiro é necessário verificar se há a resistência do microrganismo e, depois, se o consumo do medicamento na região continuou alto mesmo durante os últimos anos, após a pandemia.
O que dizem os órgãos públicos
Em documento publicado pela prefeitura de Balneário Camboriú, Rodrigo Emydio, médico sanitarista da Secretaria de Saúde da cidade, afirma que não há indícios da ligação dos casos com o uso de ivermectina. Segundo ele, a transmissão registrada na região é delimitada a grupo específico e, durante a pandemia, o município não incentivou o uso dos “kits covid”.
Ele afirma ainda que a transmissão do parasita está delimitada a um grupo escolar restrito e salienta a necessidade de mais estudos. “Ressaltamos que mais estudos são necessários para comprovar a real relação da resistência do parasita ao uso da ivermectina.”
Já a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES/SC) informa, em nota, que não há evidência de que os surtos locais são causados por agentes resistentes, “uma vez que o tratamento está surtindo efeito”, diz o órgão.
Segundo a SES, os surtos de escabiose em escola são eventos de saúde que ocorrem rotineiramente e são estabelecidas ações locais para o seu controle. “Enquanto não haja evidência de que o fenômeno esteja fora do padrão esperado, medidas complementares não são necessárias”, completa o documento.
O que é escabiose?
Como já mostrado pelo Estadão, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a sarna ou escabiose é uma parasitose humana causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei variedade hominis. O contágio se dá somente entre humanos, por contato direto com a pessoa ou roupas e outros objetos contaminados. O contato deve ser prolongado para que ocorra a contaminação.
Qual é o período de maturação do ácaro?
A fecundação do ácaro ocorre na superfície da pele. Logo após o macho morrer, a fêmea penetra na pele humana, cavando um túnel, por um período aproximado de 30 dias. Depois, deposita seus ovos. Quando eles eclodem, liberam as larvas que retornam à superfície da pele para completar seu ciclo evolutivo. Este processo de maturação é de 21 dias.
Quais são os sintomas?
As manifestações clínicas são decorrentes da ação direta do ácaro, quando este se movimenta nos túneis. E, também, em grande parte, pela hipersensibilidade desenvolvida pelo paciente contaminado. O principal sintoma da escabiose é a coceira ou prurido, que é sentido principalmente à noite.
De acordo com a SBD, as principais lesões na pele são os túneis e, nas suas extremidades, pequenas vesículas. Estas lesões aparecem principalmente entre os dedos das mãos, nas axilas, na parte do punho que segue a palma da mão, auréolas e genitais. A cabeça sempre é poupada. Escoriações na pele são frequentes, por causa da coceira intensa.
Prevenção
A prevenção consiste, basicamente, em evitar contato com pessoas e roupas contaminadas. Uma vez detectado um paciente com escabiose, todos que com ele tenham contato direto devem ser examinados e tratados. Caso estejam infectados, devem também ser tratados. Desta forma, é interrompida a cadeia de transmissão da parasitose.
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