Um dos maiores marcos na vida de uma criança é aprender a andar sozinha, e a autonomia dada por seus cuidadores pode antecipar esse momento, segundo uma pesquisa de doutorado conduzida na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).
A fisioterapeuta Maylli Daiani Graciosa, sob orientação do professor Edison de Jesus Manoel, analisou o desenvolvimento motor de bebês e percebeu que, entre aqueles que brincavam com mais frequência no chão aos cinco meses de idade, a locomoção (como rastejar e engatinhar) aconteceu mais cedo. Na outra ponta, o andar foi mais tardio para aqueles que, até os nove meses, ficavam frequentemente no berço ou na posição de barriga para cima.
Maylli avaliou 45 bebês brasileiros, divididos em três grupos: G1, de 5 a 11 meses, com 19 crianças; G2, de 9 a 15 meses, com 18; e G3, de 13 a 18, com oito participantes. Os resultados foram publicados na revista Infant Behavior and Development e a tese completa pode ser consultada no repositório da USP.
“É um artigo interessante, feito aqui no Brasil, por pesquisadores brasileiros e publicado numa revista internacional de credibilidade”, elogia o presidente do Departamento de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), Fausto Flor Carvalho. Ele explica que o fenômeno já era notado na prática, nos consultórios, porém faltavam pesquisas comprobatórias.
Autonomia
Como o estudo começou em 2020, durante a pandemia de covid-19, as avaliações das crianças ocorreram de forma remota. A cada 15 dias, os pais ou cuidadores enviavam vídeos de cerca de 8 minutos mostrando as habilidades do bebê.
A pesquisadora explica que eram dados alguns direcionamentos, como deixar a câmera filmar o bebê em sua rotina, de forma habitual. “Quando a criança começava a andar com apoio, já falávamos para a família: ‘Olha, isso tem que aparecer no vídeo, então tenta deixar uns brinquedos longe para vermos como ela vai se mover até lá’”, lembra.
Maylli conta que, nos vídeos, muitas crianças apresentavam mais de um comportamento: rastejando sobre a barriga, engatinhando com mãos e joelhos, passando a usar mãos e pés, andando de joelhos com apoio das mãos, andando de joelho sem as mãos, andando em pé com apoio das mãos e, por fim, andando normalmente sem apoio. Tudo isso era categorizado e analisado.
“As pessoas estão muito mais preocupadas com o comportamento específico de andar do que com a capacidade da criança de se movimentar pelo ambiente. Eu prezei pela autonomia, favorecendo a autonomia da criança em se mover”, afirma.
Comportamento dos pais
Um dos destaques da pesquisa foi mostrar que a crença dos pais sobre o desenvolvimento motor é determinante. Os cuidadores que acreditavam na necessidade de estimulação frequente e praticavam isso com os bebês observaram mudanças mais rápidas em comparação com aqueles que encaravam a conquista dessas habilidades como parte de um processo natural.
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Nesse sentido, o estudo reforçou que o processo de desenvolvimento motor não é determinado apenas por fatores genéticos, mas também por aspectos ambientais, e que é extremamente importante oferecer oportunidades de experiências.
Muitas das famílias no estudo não tinham conhecimento de que colocar o bebê no chão era tão importante — algo que o pediatra também costuma ouvir no consultório.
E o médico vai além: o conselho é colocar o pequeno no chão sem sapatinhos ou meias. “Esses acessórios, muitas vezes, dificultam perceber o chão e ter firmeza, atrasando o processo de andar. É legal que a criança sinta mesmo o chão, a terra, a grama, o tapete, para perceber as texturas, pois isso faz parte do aprendizado.”
Por fim, Carvalho conta que a diferença entre tirar ou não o bebê do colo mais cedo costuma estar ligada a uma figura masculina. “As mães tendem a ser mais protetoras, a colocar no colo, então notamos aquele ‘fator pai’ de ir apresentando o mundo”, afirma, enfatizando que qualquer cuidador, inclusive a mãe, pode assumir esse papel e conferir maior autonomia à criança.
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