Você tem um cineasta favorito? Mesmo não sendo um conhecedor de cinema como os colegas Luiz Carlos Merten e Luiz Zanin Oricchio, eu tenho meu diretor predileto: Stanley Kubrick. Os cinéfilos podem considerar uma escolha óbvia, mas a verdade é que conheço poucos diretores que criaram obras emblemáticas em gêneros tão distintos. Ele fez comédia, terror, ficção científica, romance histórico, todos com maestria. Uma de suas primeiras obras, Glória feita de sangue, de 1957, já era também um exercício de estilo, misturando filme de guerra e drama de tribunal.
Trata-se da história do julgamento de três soldados franceses condenados à morte por covardia durante a 1.ª Guerra Mundial. Eles correram de volta para as trincheiras após se darem conta que o ataque para o qual seu batalhão havia sido enviado era uma missão suicida. Kirk Douglas interpreta um coronel que se dispõe a advogar em favor dos soldados no julgamento. Embora tenha mais de meio século, certamente já vencido o prazo de spoiler, não vou contar o fim da história. O que interessa aqui é a lógica do general que ordena o ataque. Num diálogo bastante didático, ele explica que a região sob disputa, chamada Ant Hill, é muito importante para ganhar a guerra. Calcula então explicitamente o número de soldados que irão morrer e quantos irão sobreviver, percebendo que o saldo é levemente positivo - sobrarão alguns de pé; poucos, mas suficiente para garantir o sucesso da batalha. E claro, da promoção que lhe foi oferecida pela iniciativa.
Essa é a razão militar. Identificam-se inimigos que querem acabar com a gente - literal ou metaforicamente. Estabelece-se que a única maneira de evitar isso é fazendo guerra. “Mas se fizermos isso, pessoas morrerão” - consideram os militares. Então fazem as contas: “Quantas morrerão se entrarmos em guerra? Quantas sobreviverão? Qual a chance de isso garantir a vitória (e consequentemente a ascensão na carreira)?”. Se o saldo for favorável, vai-se às armas.
Por isso digo que Bolsonaro tem razão. Não digo que ele esteja certo, muito menos que concorde com ele. Acho suas decisões e atitudes equivocadas e acredito que a História não lhe reservará um lugar de honra. Ainda assim, existe uma clara razão no que ele faz. É fato notório que ele saiu da caserna, mas a caserna não saiu dele. Sua persona, seus valores, seu raciocínio, suas justificativas, todas apontam para a lógica militar. Ou seja, faz contas.
É famosa a entrevista em que declara que a única forma de mudar alguma coisa no País é pela guerra civil, matando uns 30 mil. “Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem. Tudo quanto é guerra morre inocente”, conclui. É assim que ele enxerga o mundo: pela ótica da guerra. Emblemático é seu diálogo com o ex-vice-presidente Al Gore retratado no documentário O Fórum. O americano comenta que era amigo do ambientalista Alfredo Sirkis e ouve do capitão a resposta “Lá atrás fui inimigo do Sirkis na luta armada”. Tudo é guerra, e quem não está do meu lado é inimigo.
*É PSIQUIATRA
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