Em 2023, o Brasil saiu do ranking de 20 países com mais crianças não vacinadas, no qual ocupava o sétimo lugar em 2021. Em novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado nesta segunda-feira, 15, sobre os níveis de vacinação no mundo, o País consolidou seu avanço na busca para elevar as coberturas vacinais do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que vinham em queda desde 2016. A queda se intensificou entre 2019 e 2022, quando o então presidente Jair Bolsonaro e aliados espalharam desinformação sobre vacinas, aumentando a desconfiança sobre os imunizantes.
A melhora dos índices de cobertura vacinal do Brasil destoa do que acontece no panorama global, no qual a taxa de imunização ficou estagnada.
Para Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o avanço do Brasil frente à estagnação mundial é fruto de uma cultura de vacinação no País. “A gente tem uma pesquisa que mostra que 90% da população brasileira acredita na importância das vacinas”, diz.
Ela ressalta que a atual gestão do Ministério da Saúde reforçou a comunicação e o microplanejamento, ou seja, as estratégias de imunização a nível municipal. Para a especialista, isso foi essencial para o aumento da cobertura vacinal, pois fez com que as pessoas que estavam com o calendário de imunização atrasado fossem vacinadas.
“O que diferencia o Brasil? As pessoas estavam atrasadas, mas elas continuam acreditando na vacina. Então, quando a vacina vai até elas, não pensam duas vezes para aderir àquela recomendação”, diz.
Segundo o documento da OMS e do Unicef, o número de crianças que não receberam nenhuma dose da DTP1, que protege contra difteria, tétano e coqueluche, caiu de 418 mil em 2022 para 103 mil em 2023 no Brasil. Ao mesmo tempo, no mundo, o número de crianças que não receberam nenhuma dose dessa vacina aumentou de 13,9 milhões em 2022 para 14,5 milhões em 2023.
A cobertura vacinal no mundo deste imunizante ficou estagnado em 89%. Já no Brasil, o índice passou de 84% para 96%, segundo o levantamento da OMS e da Unicef.
Chamada de pentavalente no PNI, porque imuniza também contra meningite por Haemophilus influenzae tipo b e hepatite B, a vacina DTP é usada como um marcador-chave para a cobertura global de imunização. Isso porque é uma vacina global, feita em todo o mundo, e é o primeiro imunizante a ser aplicado em uma criança fora da maternidade.
Em abril, o Ministério da Saúde já havia apresentado dados que mostravam o aumento da cobertura vacinal no País. Na ocasião, informou que 13 dos 16 imunizantes do calendário infantil tiveram alta na adesão.
Para o Ministério da Saúde, o aumento é resultado de ações como crescimento do investimento financeiro na compra de imunizantes, ações planejadas de acordo com a realidade de cada município, retomada do uso do personagem Zé Gotinha e ações de comunicação de combate à desinformação.
“Vamos lembrar que, desde 2016, o Brasil enfrentava quedas crescentes nas coberturas vacinais de vários imunizantes do calendário infantil. Conseguimos reverter esse cenário”, afirmou a ministra da saúde, Nísia Trindade, em publicação nas redes sociais. “O Movimento Nacional pela Vacinação venceu, com a volta da ciência e da confiança da população brasileira nas vacinas do SUS”, afirmou.
Apesar do avanço, as coberturas vacinais da maioria das vacinas seguem abaixo da meta. “É um momento de boa notícia, mas não é um momento de relaxar ainda”, afirma Isabella. “Por outro lado, a gente vê 20% da população que ou não confia ou confia pouco em algumas vacinas. Isso A gente ainda tem que mudar, porque esse número antes era de 5%”, opina.
Destaque das Américas
O relatório da OMS e do Unicef também evidencia a força da vacinação nos países das Américas. Essa foi a única região da OMS a exceder os níveis de vacinação pré-pandemia de 2019, o que indica uma aceleração considerável na recuperação, segundo o documento.
No total, os países americanos subiram de 90% na cobertura da primeira dose da DTP em 2022 para 91% em 2023. Enquanto isso, a cobertura da terceira dose aumentou de 83% para 86%. Além disso, a primeira dose da vacina contra o sarampo alcançou uma taxa de cobertura de 85%, em comparação com 83% em 2022.
“As Américas são as primeiras a eliminar doenças. Foi assim com o sarampo, foi assim com a poliomielite. Então a gente tem uma tradição grande e a gente vê isso com os olhos de melhora e de uma expectativa que a gente tem, sim, condições de voltar a ter as coberturas vacinais que a gente tinha e voltar a ser referência no mundo para vacinação”, explica a diretora da SBIm.
Sarampo
Além da vacina de referência DTP, o documento da OMS e do Unicef ressalta a estagnação mundial na cobertura vacinal contra o sarampo. O imunizante, nesse caso, é o tríplice viral, que protege também contra rubéola e caxumba.
Em 2023, apenas 83% das crianças no mundo receberam a primeira dose dessa vacina e, mesmo tendo um pequeno aumento, a segunda dose alcançou 74% das crianças, números inferiores à meta de cobertura de 95%, necessária para prevenir surtos e evitar mortes desnecessárias. Dessa forma, 103 países tiveram surtos da doença nos últimos cinco anos. Entre aqueles com cobertura forte da vacina, que somam 91 nações, o aumento de casos não foi observado.
“Os surtos de sarampo são como um sinal de alerta precoce, expondo e explorando lacunas na imunização e atingindo os mais vulneráveis primeiro”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, no comunicado.
Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de erradicação do sarampo pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), conquista creditada à força da vacinação contra a doença. Contudo, entre 2014 e 2018 a cobertura vacinal caiu da faixa dos 90% para os 70%, o que fez com que, apenas três anos depois de ganhar o certificado, em 2019, o País enfrentasse uma epidemia de sarampo, registrando mais de 20 mil casos.
Agora, o País caminha para voltar à meta de imunização. Em 2023, 86,9% das crianças foram vacinadas com ao menos uma dose da tríplice viral, que combate a doença. Neste ano, no entanto, o Brasil completou dois anos sem casos autóctones de sarampo, ou seja, aqueles com transmissão no próprio território nacional. Dessa forma, se aproxima novamente do título de “País livre do sarampo”.
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