Brasil supera 4 mil mortos em 24 h pela 1ª vez e alta de casos indica que pandemia ainda deve piorar

Crise sanitária deve se agravar antes de dar trégua e País pode chegar a 5 mil vítimas diárias, dizem especialistas. Outras nações com alto nº de óbitos pela doença, como EUA e Reino Unido, registram tendência de queda

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Foto do author João Ker

O Brasil ultrapassou pela primeira vez nesta terça-feira, 6, a marca de 4 mil mortes pelo novo coronavírus nas últimas 24 horas, com 4.211 registros, recorde na pandemia. Ainda com aumento de infecções após quase um mês de medidas mais restritivas e vacinação lenta, a crise sanitária deve piorar antes de dar trégua e o País pode chegar a até 5 mil vítimas diárias, segundo especialistas. Na contramão, outros países que tiveram número alto de óbitos - como Estados Unidos e Reino Unido - registram tendência de redução. A falta de coordenação das medidas de isolamento, dizem cientistas, prejudica a contenção da doença. 

Sepultamento de vítima da covid-19 em cemitério do Rio de Janeiro comove parentes nesta terça-feira Foto: EFE/Antonio Lacerda

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Apenas em março, a média de mortes diárias pelo coronavírus no Brasil ficou em 2.147, transformando este no pior mês de toda a pandemia no País, segundo dados do consórcio de imprensa, formado por Estadão, Folha, G1, O Globo, Extra e Uol - apenas a média dos últimos sete dias já está em 2.775. Em contrapartida, a média dos Estados Unidos, que concentra a maior parte de vítimas da covid-19, ficou em 1.223 no mesmo período. Grande parte dos especialistas defende o lockdown para conter o avanço do contágio, mas a restrição mais severa só foi adotada por algumas cidades brasileiras, como Araraquara, que viu uma redução significativa de internações e mortes desde que implementou as medidas.

Domingos Alves, epidemiologista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, prevê que ainda neste mês a situação se agrave, com a expectativa de atingirmos um patamar de 100 mil infecções diárias. Os efeitos desses casos na quantidade de internações e óbitos ainda leva semanas para aparecer, por causa do perfil de evolução da doença. Em vários Estados, os sistemas de saúde já chegaram ao colapso e há mortes de pacientes na fila de espera por leito.

O País tem registrado mais de 60 mil novos diagnósticos diários consecutivamente há 32 dias, maior patamar da pandemia. Em março, foram mais de 2,2 milhões de pessoas que receberam a confirmação da covid, 63% a mais do que em fevereiro. A média diária passou de 56 mil casos em 1º de março para 75 mil no último dia do mês, alta de 34%. Nos últimos dias, porém, essa média tem apresentado queda, com o feriado da Páscoa, o que leva ao represamento de registros. Além disso, o País tem um sistema falho de testagem, o que eleva o risco de subnotificações e dificulta o controle sobre o avanço da transmissão.

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Segundo Alves, a média móvel de mortes ainda deve chegar a 4,5 mil ou até 5 mil até o final deste mês. Ele aponta que a disparidade no avanço da pandemia entre o Brasil e outros países se dá por uma série de fatores, desde estratégias de vacinação até medidas efetivas de restrição, como o lockdown. “Países com processo de vacinação mais acelerado que o nosso conseguiram controlar casos. No início do ano, a Grã-Bretanha decretou lockdown e logo depois atingiu seu maior pico. Em pouco mais de um mês, reduziram os casos de 60 mil para 5 mil por dia”, afirma.

“Esse cenário mostra que o Brasil, em toda a história da pandemia, não adotou nenhum protocolo dos países que controlaram a epidemia efetivamente. Essa situação tem culpado, e não é o vírus.” Diferentemente de outros governos no exterior, a gestão Jair Bolsonaro assumiu postura negacionista durante a pandemia, minimizando riscos da doença e criticando medidas de isolamento social. Além disso, o governo federal demorou para comprar vacinas e agora enfrenta escassez de doses. 

Com o novo recorde, o Brasil chegou ao total de 337.364 mortes pelo coronavírus desde o início da pandemia, e outros 13.106.058 testes positivos em todo o País, dos quais 82.869 foram registrados entre esta segunda-feira e esta terça-feira. Para o epidemiologista e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz Paulo Nadanovsky, faltou ação coordenada entre os governos federal, estadual e municipal. “A resposta curta e simples é que sim, se a gente tivesse tentado fazer o que outros países fizeram, não estaríamos nessa situação”, afirma. 

No Brasil, governadores e prefeitos adotaram diferentes medidas de isolamento. Já o governo Bolsonaro, crítico das políticas restritivas, chegou a entrar na Justiça para derrubar decretos de toque de recolher no Distrito Federal, no Rio Grande do Sul e na Bahia. No fim de semana, a Advogacia-Geral da União também defendeu a liberação de cultos reliogiosos presenciais - as cerimônias foram autorizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, mas seu colega, Gilmar Mendes, deu liminar em sentido contrário. O assunto será discutido nesta quarta-feira, 7, pelo plenário da Corte. 

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Nadanovsky se refere às medidas tomadas em países onde a estratégia de combate à pandemia seria baseada na “eliminação” ou “supressão” do vírus, ao contrário do que aconteceu aqui, onde houve apenas reação de “mitigação”. “Desde o início, temos alternado entre políticas de mitigação e, quando isso começa a dar certo, as atividades voltam de forma muito rápida e antes de os casos terem caído drasticamente”, avalia. “Estamos lidando agora com o resultado desse relaxamento mais imediato, que aconteceu por volta de setembro e outubro, quando tudo parecia mais ‘tranquilo’.”

A pesquisadora da Fiocruz Adelyne Mendes Pereira também acredita que a única saída é um lockdown efetivo e duradouro. Países como Espanha, Inglaterra, França, Itália e Alemanha, ela destaca, adotaram essas restrições por uma média de 50 dias, para só depois verem cair as taxas de transmissão e a retomada gradativa de atividades comerciais. Alguns deles, como França e Itália, tiveram de endurecer novamente as restrições nas últimas semanas.

“Esperamos chegar a níveis alarmantes de ocupação dos hospitais e das mortes para tomarmos mais medidas restritivas. Por parte do governo federal, ainda temos política de não incentivo às medidas restritivas”, avalia Adelyne, frisando que os alertas e análises epidemiológicos já apontavam para a necessidade de restrições desde o final do ano passado. 

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Apesar de alguns Estados terem adotado medidas mais restritivas desde o início de março, como São Paulo, especialistas são unânimes em afirmar que elas chegaram mais tarde do que deveriam e que seus efeitos ainda vão demorar a diminuir a crescente de óbitos. “Por mais que as medidas de agora deem resultado, a queda de mortes diárias é a última parte dessa equação”, avalia Adelyne. “Por isso, ainda vamos piorar antes de conseguir melhorar.”

Natalia Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), acredita que o Brasil chegou nesse patamar após perder duas chances cruciais de combate à covid por “falta de liderança política adequada”. “A primeira, quando recusamos os acordos de vacina oferecidos. Perder essa janela de oportunidades foi de extrema burrice”, aponta. “Depois, no começo do ano, quando vimos a tendência de subida dessa curva e não implementamos um lockdown de verdade, extremamente restritivo por três semanas, pelo menos.” /COLABOROU MARCO ANTÔNIO CARVALHO

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