Um levantamento do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, expõe uma realidade preocupante para o diagnóstico precoce do câncer de mama no Brasil: mais de 77 mil mulheres aguardam por uma mamografia no Sistema Único de Saúde (SUS).
O número é maior do que os dados registrados em anos anteriores, especialmente após a pandemia de covid-19. A situação mais crítica encontra-se em Estados do Sul e Sudeste. Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro respondem por mais de 57% da fila nacional, com 17 mil, 15 mil e 12,5 mil mulheres aguardando o exame, respectivamente.
“Em Santa Catarina, por exemplo, há uma notificação mais eficiente dos casos, o que pode fazer com que o Estado apareça com números mais elevados do que outros, mas isso não significa que seja o Estado com o maior número de casos de câncer de mama”, pondera a presidente do CBR, Cibele Alves de Carvalho.
A radiologista enfatiza que o acesso à mamografia, assim como ao tratamento do câncer de mama, sempre foi um tema complexo no SUS, e a disparidade regional torna a questão ainda mais desafiadora. Embora existam variações no tempo de espera para a realização do exame entre os Estados, a falta de recursos financeiros, a sobrecarga do sistema público de saúde e a infraestrutura deficiente em algumas regiões são fatores que agravam a situação.
“O número de mulheres aguardando por mamografias no SUS é um indicador preocupante, sugerindo uma sobrecarga contínua no sistema”, avalia o oncologista André Sasse, integrante da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “Embora não tenhamos um histórico detalhado semelhante de anos anteriores para comparar, o volume atual aponta para uma demanda ainda não resolvida e que provavelmente está crescendo, especialmente em algumas regiões.”
O levantamento indica que o tempo médio de espera por uma mamografia no País é de 24,43 dias, mas em locais como Distrito Federal, Rondônia e Minas Gerais ele chega a 80, 59 e 53 dias, respectivamente. Enquanto isso, Estados como Acre e Alagoas apresentam tempo médio de espera de cinco a 10 dias.
Procurada, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal contestou o tempo de espera. Segundo a pasta, há 662 solicitações para realização de mamografia no DF, sendo de 7 dias o tempo médio estimado para realização do exame.
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, por sua vez, afirmou que tem investido em um programa de transporte de pacientes para que mulheres que vivem em cidades sem mamógrafo possam realizar o exame em outros municípios. Também informou que um novo programa de enfrentamento ao câncer no Estado prevê a busca ativa de pacientes para a realização do exame, a ampliação da cobertura de mamografia e a redução do tempo necessário para a realização de biópsia, de forma a agilizar o diagnóstico.
O governo de Rondônia não respondeu sobre o tempo de espera até a publicação da reportagem.
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“A detecção precoce é essencial para que tratamentos menos agressivos e mais eficazes sejam aplicados, aumentando as chances de sucesso”, reforça Sasse.
O oncologista afirma que o tempo de espera prolongado é especialmente preocupante quando as mamografias são solicitadas por suspeita clínica (em caso de nódulos palpáveis, por exemplo), em que a rapidez no diagnóstico é essencial para um tratamento eficaz.
“Quando há um atraso significativo em casos suspeitos, especialmente porque esses casos já denotam uma doença localmente mais avançada, o diagnóstico pode atrasar, e acabar em estágios ainda mais avançados, o que frequentemente resulta em tratamentos com menor possibilidade de cura”, diz.
“Dar acesso ao exame de mamografia pode salvar vidas e também otimizar recursos, ao evitar tratamentos de estágios avançados, que são mais caros e desgastantes para os pacientes e o sistema de saúde”, defende Cibele. “Quanto mais rápido for o diagnóstico, maior será a chance de sucesso no tratamento, especialmente no que diz respeito à preservação da mama e à qualidade de vida da paciente.”
Os especialistas e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) concordam: não dá para esperar. O controle do câncer de mama depende da agilidade no diagnóstico. Ainda assim, dados do próprio Inca revelam que cerca de 36% dos laudos das mamografias são liberados após mais de 60 dias, o que prejudica a adesão ao rastreamento e reduz a efetividade do tratamento.
Além disso, há o intervalo entre o diagnóstico e o início do tratamento. Maria Sobral, de 60 anos, descobriu um nódulo na mama durante o autoexame e foi encaminhada para o Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André (SP). Segundo ela, o diagnóstico foi rápido, mas as etapas seguintes demoraram, gerando ansiedade e nervosismo. “O impacto da espera é grande demais. Não pode esperar um mês, dois meses, três meses quando descobre”, critica.
“As autoridades de saúde devem buscar soluções imediatas para diminuir as filas e assegurar que o tempo de espera não comprometa o diagnóstico precoce e o tratamento adequado do câncer de mama”, diz Luciano Chala, coordenador da Comissão de Mamografia do CBR.
Para Cibele, é fundamental que os gestores de saúde se concentrem na urgência do problema. A implementação de mutirões e a priorização dos recursos financeiros para garantir que as mulheres tenham acesso rápido à mamografia e, posteriormente, ao tratamento adequado são passos essenciais para reduzir as filas de espera e o tempo de diagnóstico.
“O primeiro gargalo é a limitação na infraestrutura e a capacidade insuficiente do sistema para atender à alta demanda. Mas a gestão fragmentada entre estados e municípios também impede um fluxo eficiente. Além disso, a falta de incentivos financeiros e parcerias para expandir o acesso contribui para essa situação, dificultando a realização de exames dentro do prazo ideal”, completa Sasse.
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