THE WASHINGTON POST – Cabecear bola de futebol repetidas vezes pode ser ruim para o cérebro, de acordo com um crescente corpo de pesquisa sobre os potenciais impactos de longo prazo sobre o cérebro e a mente de colisões frequentes entre cabeças e bolas. Grande parte dessa pesquisa é sugestiva, e não definitiva. Mas as questões sobre se cabecear é seguro – e como fazê-lo com mais segurança – parecem mais urgentes que nunca.
Um estudo publicado na JAMA Network Open em março, por exemplo, descobriu que jogadores de futebol universitários do sexo masculino desenvolveram um desequilíbrio persistente nos níveis de proteínas tau em suas correntes sanguíneas imediatamente após praticarem cabeceios.
Esse tipo de desequilíbrio pode “indicar processos patológicos emergentes” dentro do crânio dos jogadores, disse Peter Filipcik, professor do Instituto de Neuroimunologia da Academia Eslovaca de Ciências na Eslováquia, que supervisionou o novo estudo.
Em outro estudo, publicado em julho, também na JAMA Network Open, jogadores profissionais aposentados na Grã-Bretanha que relataram cabecear a bola mais de cinco vezes em média por jogo ou treino durante suas carreiras se mostraram muito mais propensos a sofrer declínio cognitivo mais tarde em vida do que jogadores que cabecearam com menos frequência.
“Há cada vez mais evidências” de que cabeceios frequentes “estão associados a um risco aumentado” de eventuais problemas de raciocínio e memória e possivelmente demência, disse Weiya Zhand, professor de epidemiologia da Universidade de Nottingham e autor sênior do estudo.
Como um carro batendo no muro
Não sabe o que é cabeceio? É uma vistosa e característica jogada do futebol em que alguém redireciona uma bola em alta velocidade com a cabeça. Os impactos podem ser substanciais. Em um estudo de 2022 com jogadoras universitárias, os cientistas mediram a força G, um medidor de aceleração linear, durante o cabeceio, usando sensores na cabeça das jogadoras.
“Astronautas durante o lançamento de foguetes podem experimentar alguns Gs de aceleração”, disse Lyndia Wu, professora assistente de engenharia mecânica da Universidade de British Columbia, que liderou o estudo. “Um carro viajando a 55 quilômetros por hora que bate em um muro pode gerar cerca de 30 G de aceleração”.
No estudo de Wu, os cabeceios muitas vezes resultaram em impactos de 22 G ou mais, com alguns dos impactos ultrapassando 30 G. Os cabeceios também levaram a uma alta velocidade de rotação ou forças que giravam a cabeça para os lados, ela e seus colegas descobriram.
O que o cabeceio faz com o cérebro
Sem surpresa, essas forças podem ter efeitos prejudiciais para o cérebro. “O movimento rápido do crânio durante a cabeçada produz deslocamento entre o cérebro e o crânio e esticamento do tecido cerebral”, disse Tanner Filben, pesquisador associado de pós-graduação e doutorando em engenharia biomédica na Wake Forest University, que, como Wu, usou sensores especiais para rastrear as forças geradas durante o cabeceio.
Embora esses impactos raramente resultem em concussões, disse Wu, eles “ainda podem causar deslocamentos e torcer e mexer com o tecido cerebral dentro do crânio. O material do cérebro é muito macio e maleável”, continuou ela, “semelhante à consistência da gelatina”, e se estica, deforma e balança como gelatina quando submetido a batidas repentinas.
Essa deformação causa lesão cerebral? A questão permanece incerta, mas descobertas recentes estão abalando os pesquisadores. Em um estudo realizado no ano passado na Noruega, cientistas rastrearam os níveis e tipos de microRNAs, que são moléculas especializadas envolvidas na atividade genética, na corrente sanguínea de jogadores de futebol profissionais depois de praticarem cabeceios.
Os pesquisadores descobriram que alguns mRNAs que, pelo que se acredita, contribuem para a inflamação do cérebro aumentaram por várias horas após as cabeçadas. A neuroinflamação pode contribuir para o desenvolvimento de demência e outros problemas cerebrais degenerativos, disse Stian Bahr Sandmo, professor da Escola Norueguesa de Ciências do Esporte em Oslo, médico e principal autor do estudo.
Fortes ligações entre futebol e demência
Em uma escala maior, estudos epidemiológicos publicados nos últimos anos mostram fortes ligações entre futebol e demência, especialmente nos níveis mais altos do esporte. Um estudo histórico de 2021 com quase 8.000 ex-jogadores profissionais na Escócia descobriu que eles tinham, em média, cerca de quatro vezes mais chances de desenvolver algum problema neurodegenerativo, como a demência, do que outros escoceses. Os riscos foram menores para os goleiros, que, como grupo, raramente cabeceiam a bola, e maiores para os zagueiros, que cabeceiam mais, escreveram os autores.
Em um estudo semelhante publicado este ano na Lancet Public Health, homens suecos que jogaram na divisão mais alta das ligas de futebol suecas se mostraram desproporcionalmente propensos a desenvolver o mal de Alzheimer e outras demências, em comparação com os suecos comuns – exceto os goleiros, cujos riscos refletiam os da população em geral.
(Alguns jogadores de futebol masculino desenvolveram suspeita ou diagnóstico póstumo de encefalopatia traumática crônica, uma doença degenerativa grave associada a múltiplas concussões e outras lesões cerebrais, mas os estudos ainda não a vincularam aos cabeceios).
Colocar limites aos cabeceios
Então, o que jogadores, famílias, técnicos, treinadores ou qualquer outra pessoa envolvida com futebol devem saber e fazer sobre os cabeceios? “Cabecear menos!”, disse Weiya Zhang, coautor do estudo sobre jogadores britânicos aposentados.
A Federação de Futebol dos Estados Unidos proíbe os cabeceios para jogadores com menos de 11 anos e os limita para jogadores de 11 e 12 anos a não mais do que 15 a 20 cabeçadas por semana durante os treinos, sem limites durante os jogos.
Os pesquisadores que estudam o tema geralmente recomendam cautela ainda maior e mais restrições. “Evite cabeceios antes e durante a puberdade”, disse Peter Filipcik, cujo estudo analisou as mudanças no tau após os cabeceios.
Não dedique treinos inteiros aos cabeceios, continuou ele, e “não subestime nenhuma dor de cabeça”. Os jogadores devem deixar o jogo se se sentirem mal após uma cabeçada.
“Descobrimos que cabecear a bola aumenta o nível de biomarcadores moleculares anteriormente associados exclusivamente à neurodegeneração e ao traumatismo cranioencefálico”, destacou ele.
O United Soccer Coaches, um grupo que fornece educação e defesa para treinadores de futebol em todos os níveis, desde jovens até jogadores de elite, oferece aos membros um curso online gratuito sobre como ensinar e refinar a técnica do cabeceio, disse Tanner Filben.
Mas ainda há muito a se descobrir sobre o tema, disse Stian Sandmo, que liderou o estudo sobre as mudanças no mRNA. “Ainda não sabemos muito sobre os riscos neurológicos específicos de jogar futebol”.
Será que existe, ele e outros pesquisadores se perguntam, uma quantidade “segura”? Tudo bem cabecear quatro vezes durante uma partida ou treino, mas cabecear cinco vezes seria demais? Os riscos são diferentes para jogadores e jogadoras, ou para atletas de fim de semana e atletas de elite? Muitos pesquisadores estão se concentrando no cabeceio. Mais e maiores estudos devem aparecer em breve.
Mas, disse Sandmo, não devemos deixar que as preocupações com o cabeceio prejudiquem nossa reação à beleza do esporte. “Os estudos que avaliaram a saúde do cérebro a longo prazo também demonstraram que os jogadores de futebol viveram mais com menor mortalidade, por exemplo, de doenças cardíacas”, disse ele. Então, divirta-se com o espetáculo dos jogadores profissionais – ou de suas crianças campeãs, se sua turminha joga futebol. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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