O café é, talvez, um dos alimentos mais curiosos do mundo pelo seu potencial de causar efeitos diferentes de pessoa para pessoa. Tem quem sinta dor de estômago ao tomar muito café, quem tenha enxaqueca, perca o sono ou sinta uma vontade quase que instantânea de ir ao banheiro. Por outro lado, há pessoas que se sentem mais estressadas, com dor de cabeça e cansadas se ficam um dia sem tomar a bebida – o que abre um debate sobre uma possível dependência.
Isso acontece principalmente pelo poder estimulante da cafeína, um dos seus principais compostos. Segundo a nutricionista doutoranda em ciência dos alimentos pela Universidade de São Paulo (USP) Juliana Gimenez Casagrande, a substância atinge diretamente os nervos receptores de todo o corpo, mas acaba tendo maior impacto em pontos de sensibilidade, que podem variar de pessoa para pessoa.
Confira as respostas de Juliana e de outros especialistas ouvidos pelo Estadão sobre como o café impacta o seu dia a dia e a sua saúde.
Beber café à noite faz mal? Até que horas tomar para não perder o sono?
De forma geral, os especialistas recomendam que não se tome café após as 18 horas para evitar insônia, já que a propriedade estimulante da cafeína deixa as pessoas mais acordadas. No entanto, Juliana explica que a interferência do café no sono depende de fatores genéticos.
“Geneticamente, há dois principais grupos de metabolizadores de cafeína: os metabolizadores rápidos e os metabolizadores lentos. O metabolizador rápido é aquele que toma um cafezinho e logo em seguida já se sente mais acordado e disposto. Já o metabolizador lento pode sentir os efeitos no longo prazo e ter dificuldades para dormir mesmo horas depois que bebeu café”, diz a especialista.
Por isso, o que vale é a autoanalise. Se a pessoa toma café e tem problema com insônia, é recomendável que passe a fazer testes, diminuindo aos poucos o horário em que bebe o último do dia até que chegue a um horário ideal, que não atrapalha o seu sono.
Criança pode beber café?
O excesso de cafeína pode afetar a absorção de alguns nutrientes, como o cálcio, que é essencial para as crianças por elas estarem em um momento de crescimento. Ao mesmo tempo, os pequenos têm uma imaturidade fisiológica, o que faz com que tenham menos resistência a possíveis efeitos negativos da cafeína, como a insônia.
Por isso, o médico cardiologista Bruno Mahler Mioto, que dedicou seu doutorado ao estudo dos efeitos do café no corpo humano, recomenda que o consumo comece aos poucos na infância. “A criança pode começar experimentando da xícara dos pais, para se familiarizar com a bebida, e então começar a beber o café com leite no café da manhã quando começar a ir para a escola”, diz.
Segundo os especialistas, quando consumido com moderação, o café pode ajudar no rendimento escolar. A recomendação é que crianças até 10 anos bebam no máximo 2/3 de xícara de chá de café por dia (o equivalente a 200 ml), de preferência descafeinado e com leite.
Dos 10 aos 15 anos, o consumo pode aumentar um pouco: uma xícara de chá e meia ou 350 ml por dia, ainda com preferência para o descafeinado, acompanhado do leite. Depois dos 15, até os 20 anos, a quantidade diária máxima recomendada é de quatro xícaras pequenas e meia de café, ou 450 ml.
E grávida?
Assim como as crianças, as gestantes também demandam muitos nutrientes que podem ter a sua absorção comprometida pelo excesso de cafeína no corpo. “O consumo excessivo de café pela gestante pode levar à restrição de crescimento intrauterino, ou seja, o bebê vai crescer menos, além de uma diminuição do fluxo placentário”, diz Mioto.
Além disso, o potencial estimulante da cafeína pode intensificar alguns sintomas comuns na gravidez, como o refluxo, o que causa desconforto. Por esses motivos, os especialistas recomendam que gestantes tomem no máximo duas xícaras de chá de café com leite por dia – o que corresponde de 240 a 340 ml de café coado por dia. “A gente agrega o leite pelo benefício em relação à fonte de cálcio”, justifica Mioto.
Beber muito café faz mal para quem é idoso?
Após os 60 anos, as pessoas têm suas atividades metabólicas reduzidas e, consequentemente, metabolizam de maneira mais lenta e menos eficaz as substâncias presentes no café. Por isso, consumir em excesso a bebida pode trazer alguns efeitos indesejados, como queimação no estômago, dores de cabeça, refluxo e insônia – a depender principalmente se os idosos têm outras doenças ou sensibilidades nessas áreas.
Os especialistas recomendam que idosos que têm o hábito de beber café todos os dias mantenham a prática, pois a retirada da bebida pode causar oscilações de humor e até diminuir aspectos sociais importantes, como a reunião com amigos para o cafezinho da tarde.
No entanto, é preciso reduzir as doses para no máximo três xícaras pequenas de café coado por dia, ou 300 ml. Se for café expresso, eles recomendam diminuir para a metade.
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O café atrapalha no regime?
Segundo Juliana, os estudos realizados até agora não mostram interferência do café no processo de emagrecimento. O que pode causar problemas, no entanto, é a quantidade e o tipo de açúcar utilizado para adoçar a bebida.
“A cafeína, na verdade, pode trazer benefícios para a prática de exercícios físicos, o que contribui para o emagrecimento. Ela ajuda a dar mais energia”, diz. “Em relação ao consumo de açúcar com a bebida, é possível fazer uma reeducação alimentar para que a pessoa diminua aos poucos a quantidade e troque por opções mais saudáveis, substituindo o açúcar refinado, por exemplo, pelo mascavo ou demerara.”
E beber tomando algum remédio, como antibiótico?
Segundo Mioto, o café não interfere no tratamento com nenhum remédio, mesmo antibiótico, e pode ser tomado sem problema algum.
No entanto, se o medicamento causar alguma sensibilidade no estômago, é válido considerar que o potencial estimulante da cafeína pode agravar os sintomas, principalmente se o café for tomado de estômago vazio.
O café estraga os dentes?
Segundo a cirurgiã-dentista Thatyanne Brasil, o café pode causar manchas amareladas nos dentes, assim como qualquer outra bebida escura, como refrigerantes à base de cola, alguns chás e sucos.
“Se a pessoa beber essas bebidas e não fizer a higienização logo em seguida – o que quase ninguém faz, já que a gente sempre toma um cafezinho ou outro ao longo do dia e não escova os dentes logo depois –, esses pigmentos vão ficando no dente e, em contato com a saliva, que tem cálcio, eles mineralizam e ficam grudados no dente”, diz.
Para evitar o problema, a dentista recomenda uma boa higienização nos dentes diariamente e uma visita a cada seis meses no dentista para uma limpeza profissional.
Causa gastrite?
De acordo com Juliana, o café não causa gastrite, mas ele potencializa os sintomas de queimação quando a pessoa já tem alguma doença do estômago. Nesses casos, é válido diminuir o consumo ou beber o café junto ao leite para diminuir os efeitos colaterais.
Influencia na enxaqueca?
O café também não causa enxaqueca, mas pode potencializar a dor de cabeça se ela já for um problema para a pessoa. Geralmente, isso acontece quando são tomadas doses em excesso ou mais do que a pessoa está acostumada a tomar no dia a dia, mas é um efeito temporário.
Quem tem o hábito de tomar café regularmente também pode sentir dores de cabeça ao deixar de tomar a bebida. Isso acontece porque o corpo se acostuma com aquela quantidade de cafeína, mas também é algo temporário, garante Juliana.
Existe relação entre café e diabetes?
Alguns estudos já demonstraram que beber café regularmente ajuda a prevenir o diabetes, em especial o tipo 2 – o mais comum. Isso acontece porque os componentes da bebida ajudam o corpo a metabolizar o açúcar.
De acordo com um artigo publicado na revista científica Archives of Internal Medicine, que analisou 18 estudos separados envolvendo quase 500 mil pessoas, pessoas que bebem três ou quatro xícaras de café por dia diminuem suas chances de desenvolver a condição em um quinto ou mais.
Café piora pressão alta?
Segundo Mioto, a cafeína tem sim o poder de aumentar ligeiramente a pressão. No entanto, se a pessoa consumir café todos os dias, ela cria tolerância à substância. “A partir do momento em que a pessoa começa a consumir todos os dias o café, ela deixa de ter elevação de pressão e aumento da frequência cardíaca”, diz.
Por isso, o médico não vê motivos para excluir a bebida da dieta de pessoas que têm hipertensão, contanto que o consumo seja dentro do que é entendido como moderado – o equivalente a 600 ml de café coado por dia para uma pessoa adulta, ou 300 ml de expresso.
O café causa dependência?
Juliana explica que, por causa da cafeína, o café pode criar um grau leve de dependência. Isso acontece porque o corpo se acostuma com o nível de estímulo diário adquirido com o consumo da bebida e, ao cortá-la abruptamente, pode haver um estranhamento.
Algumas pessoas podem ficar mais mal humoradas, por exemplo, ou com dores de cabeça, se não beberem o café como estão acostumadas. Ao mesmo tempo, Juliana diz que, na maioria das vezes, cria-se um apego emocional com a bebida e é isso o que causa dificuldade em ficar sem o café.
Dá ansiedade?
Por sua ação estimulante, o café pode desencadear sintomas de ansiedade se a pessoa já vive com o transtorno. No entanto, Juliana diz que estudos mostram que consumir café moderada e regularmente – o que faz com que a pessoa crie resistência à cafeína – pode ajudar a controlar o problema.
Isso acontece porque a cafeína está atrelada à melhora do humor e, segundo estudos iniciais, o ácido cafeico pode ter também potencial ansiolítico. Na maioria das vezes, aponta Mioto, a pessoa só tem uma piora do quadro de ansiedade causada pelo café quando toma a bebida em quantidades exageradas ou superiores à que está acostumada.
Influencia na depressão?
Assim como a ansiedade, a depressão é uma doença atrelada ao humor – que é diretamente afetado pela cafeína. Ao mesmo tempo, o ácido cafeico também tem um potencial antidepressivo, segundo demonstraram estudos iniciais.
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