O cheiro do café que invade a casa pela manhã. O cafezinho com os colegas no meio do expediente. A mesa na casa da avó para tomar um café com bolo. Todo mundo tem uma história com café – a bebida, afinal, faz parte da cultura brasileira. Mas de que forma o café pode afetar sua saúde? Existe um limite diário? Quem pode e quem não pode beber café?
O café tem o potencial de causar efeitos diferentes de pessoa para pessoa. Tem quem sinta dor de estômago ao tomar em demasia, quem tenha enxaqueca, perca o sono ou sinta uma vontade quase instantânea de ir ao banheiro. Por outro lado, há pessoas que se sentem mais estressadas, com dor de cabeça e cansadas se ficam um dia sem tomar a bebida – o que abre um debate sobre uma possível dependência.
A publicitária Marcia Horie Moreira Fortuna, de 45 anos, não consegue começar o dia sem um café. “Mas em jejum não posso tomar café puro que faz mal. Tomo um café com leite, e ao chegar no escritório tomo um cafezinho”, conta. O hábito, ela diz, veio há quatro anos, depois que o pai morreu. “Minha mãe tomava muito café e sempre punha uma xícara para ele e outra para ela. Uma vez estávamos juntas e ela colocou o café dele por hábito. Acabei tomando para fazer companhia para ela e percebi que me dava mais disposição.”
Isso acontece principalmente pelo poder estimulante da cafeína, um dos seus principais compostos. Segundo a nutricionista doutoranda em ciência dos alimentos pela Universidade de São Paulo (USP) Juliana Gimenez Casagrande, a substância atinge diretamente os nervos receptores de todo o corpo, mas acaba tendo maior impacto em pontos de sensibilidade, que podem variar de pessoa para pessoa.
O especialista em café Ensei Neto, autor do blog Um Café para Dividir no Estadão, explica que, muitas vezes, é a qualidade do café que pode contribuir para o mal-estar. “Café é igual vinho. O preço acaba refletindo a qualidade”, explica. No entanto, ele afirma que não há maneira certa de beber café: pode ser com ou sem açúcar, forte ou fraco, a depender do gosto do freguês. “Comer e beber não existe jeito certo. Regras são segregacionistas”, diz ele, que prefere tomar sem açúcar.
“A pessoa coloca o açúcar porque está muito amargo. É uma forma de compensar. Pode ser que o café seja ruim. Mas é uma questão de gosto pessoal”, defende. “O importante é descomplicar. Comer e beber é um ato de libertação.”
A administradora Carin Rocha Mauad, de 45 anos, gosta de misturar café aromatizado com o café normal para variar o paladar. “Não fica enjoativo e dá um sabor diferente”, conta ela, que só toma café até as 14h para não atrapalhar o sono. “Eu tenho o sono leve”, diz.
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Carin tem uma relação de infância com o café. “Minhas avós trabalhavam com café. O aroma me lembra infância”, conta ela, que já tentou plantar, torrar e moer o próprio café em casa. Diferente dos filhos – o mais velho, de 18 anos, toma para dar disposição para estudar, mas só começou por influência de amigos que frequentavam a Starbucks. Ensei explica que, de fato, a bebida está na moda. “Quando a gente vê jovem consumindo é porque está na moda. Não é influência dos pais.”
Atualmente, o Brasil é o 14° País que mais bebe café no mundo e, aqui dentro, a bebida só perde para a água na lista de líquidos mais consumidos, segundo estudo realizado pelo site CupomValido.com.br com dados da Organização Internacional do Café (OIC) e Dieese.
O Estadão consultou especialistas para esclarecer como o café impacta o seu dia a dia e a sua saúde. Confira:
Como o café age no corpo humano?
O principal composto do café é a cafeína, que tem alto poder estimulante. Isso faz com que a bebida tenha alguns dos seus efeitos mais conhecidos, como ajudar a ficar mais acordado, disposto e concentrado. Ou seja, ela colabora para que você tenha melhor rendimento no trabalho, nos estudos e nas atividades físicas. No entanto, esse poder estimulante da cafeína também colabora para potencializar sintomas físicos para os quais a pessoa já tem sensibilidade.
“A cafeína penetra em receptores que temos distribuídos no corpo todo. Então, quando a pessoa já tem uma sensibilidade no estômago, por exemplo, ela tende a produzir mais suco gástrico e ter sintomas da gastrite”, explica Juliana. “O café não causa a gastrite, ele apenas a estimula.”
O mesmo acontece quando alguém tem sensibilidade intestinal, por exemplo – logo após tomar café, é provável que ela sinta vontade de ir ao banheiro. Se tem enxaqueca, uma dose de café acima do habitual pode causar dor de cabeça.
Além da cafeína, há outras substâncias na bebida. Entre elas está o ácido clorogênico, que tem poder antioxidante. Ele diminui a capacidade do corpo em acumular gorduras saturadas e reduz a resistência à insulina, colaborando para a saúde de forma geral e evitando o desenvolvimento de doenças como a diabete em quem já tem predisposição a elas.
“Existem também uma série de vitaminas e minerais que fazem do café um alimento muito rico”, diz Mioto. O médico reforça, no entanto, que as substâncias e seus efeitos mudam de acordo com o tipo de grão e com o modo de preparo. “No café filtrado, por exemplo, as substâncias oleaginosas tendem a ficar retidas no filtro, o que não acontece no café expresso – e essas substâncias têm um potencial para aumentar o colesterol”, diz.
Beber café à noite faz mal?
De forma geral, os especialistas recomendam que não se tome café após as 18 horas para evitar insônia, já que a propriedade estimulante da cafeína deixa as pessoas mais acordadas. No entanto, Juliana explica que a interferência do café no sono depende de fatores genéticos.
“Geneticamente, há dois principais grupos de metabolizadores de cafeína: os rápidos e os lentos. O metabolizador rápido é aquele que toma um cafezinho e logo em seguida já se sente mais acordado e disposto. Já o metabolizador lento pode sentir os efeitos no longo prazo e ter dificuldades para dormir mesmo horas depois que bebeu café”, diz a especialista.
Por isso, o que vale é a autoanálise. Se a pessoa toma café e tem problema com insônia, é recomendável que passe a fazer testes, diminuindo aos poucos o horário em que bebe o último do dia até que chegue a um horário ideal, que não atrapalha o seu sono. Marcia, por exemplo, percebeu que o café a deixava desperta, mesmo ela tendo uma grande facilidade para dormir. “Decidi usar isso a meu favor. Sempre tomo um café antes de pegar a estrada, por exemplo”, diz ela, que não toma café depois das 17h. Já a mãe dela, Yoshiko, de 76 anos, não sente os mesmos efeitos e bebe até antes de dormir.
Café ajuda na dieta?
Segundo Juliana, os estudos realizados até agora não mostram interferência do café no processo de emagrecimento. O que pode causar problemas, no entanto, é a quantidade e o tipo de açúcar utilizado para adoçar a bebida. “A cafeína, na verdade, pode trazer benefícios para a prática de exercícios físicos, o que contribui para o emagrecimento. Ela ajuda a dar mais energia”, diz.
Café estraga os dentes?
Segundo a cirurgiã-dentista Thatyanne Brasil, o café pode causar manchas amareladas nos dentes, assim como qualquer outra bebida escura, como refrigerantes à base de cola, alguns chás e sucos. “Se a pessoa beber essas bebidas e não fizer a higienização logo em seguida – o que quase ninguém faz, já que a gente sempre toma um cafezinho ou outro ao longo do dia e não escova os dentes logo depois –, esses pigmentos vão ficando no dente e, em contato com a saliva, que tem cálcio, eles mineralizam e ficam grudados no dente”, diz. Para evitar o problema, a dentista recomenda uma boa higienização nos dentes diariamente e uma visita a cada seis meses no dentista para uma limpeza profissional.
Café pode causar gastrite?
De acordo com Juliana, o café não causa gastrite, mas potencializa os sintomas de queimação quando a pessoa já tem alguma doença do estômago. Nesses casos, é válido diminuir o consumo ou beber o café com leite.
Café influencia na enxaqueca?
O café também não causa enxaqueca, mas pode potencializar a dor de cabeça se ela já for um problema para a pessoa. Geralmente, isso acontece quando são tomadas doses em excesso ou mais do que a pessoa está acostumada no dia a dia, mas é um efeito temporário. Quem tem o hábito de tomar café regularmente também pode sentir dores de cabeça ao deixar de tomar a bebida. Isso acontece porque o corpo se acostuma com aquela quantidade de cafeína, mas também é algo temporário, garante Juliana. “Dia desses não tomei o café de manhã e fiquei com dor de cabeça. Fiquei na dúvida se podia ser do café, mas só passou depois que eu tomei um cafezinho depois do almoço”, conta Marcia.
Café piora pressão alta?
Segundo Mioto, a cafeína pode aumentar ligeiramente a pressão. No entanto, se a pessoa consumir café todos os dias, ela cria tolerância à substância. “A partir do momento em que a pessoa começa a consumir todos os dias o café, ela deixa de ter elevação de pressão e aumento da frequência cardíaca”, diz.
Café vicia?
Juliana explica que, por causa da cafeína, o café pode criar um grau leve de dependência. Isso acontece porque o corpo se acostuma com o nível de estímulo diário adquirido com o consumo da bebida e, ao cortá-la abruptamente, pode haver um estranhamento. Algumas pessoas podem ficar mal humoradas, por exemplo, ou com dores de cabeça, como no caso da administradora Carin. “Meu desjejum precisa ser um café preto puro, senão tenho dor de cabeça”, conta.
Café dá ansiedade?
Por sua ação estimulante, o café pode desencadear sintomas de ansiedade se a pessoa já vive com o transtorno. No entanto, Juliana diz que estudos mostram que consumir café moderada e regularmente – o que faz com que a pessoa crie resistência à cafeína – pode ajudar a controlar o problema. Isso porque a cafeína está atrelada à melhora do humor e, segundo estudos iniciais, o ácido cafeico pode ter também potencial ansiolítico. Na maioria das vezes, aponta Mioto, a pessoa só tem uma piora do quadro de ansiedade causada pelo café quando toma a bebida em quantidades exageradas ou superiores à que está acostumada.
Café pode influenciar na depressão?
Assim como a ansiedade, a depressão é uma doença atrelada ao humor – que é diretamente afetado pela cafeína. Ao mesmo tempo, o ácido cafeico também tem um potencial antidepressivo, segundo demonstraram estudos iniciais.
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