Quando o assunto é insônia, distúrbio que atormenta a vida de um em cada três brasileiros, todo mundo tem uma receita infalível: banho morno, música suave, refeição leve... Nos últimos dias, viralizou uma dica que, em vez de ajudar a pegar no sono, ensina como acordar – e o melhor: descansado física e mentalmente. A dica parte do princípio de que a noite de sono é dividida em ciclos, sendo que cada um dura, em média, 90 minutos.
O ideal, para não sentir cansaço ou sonolência no dia seguinte, é acordar entre um ciclo e outro e, em hipótese nenhuma, no meio de um deles. Com uma calculadora em mãos, basta fazer algumas contas: se você se deitou às 23h e precisa levantar às 7h, o melhor horário para acordar é às 6h30 – ou seja, entre o quinto e o sexto ciclo. Se acordar às 7h em ponto, as chances de levantar indisposto, para dizer o mínimo, são grandes.
A técnica acima até dá certo, mas só até a página cinco. Nossa noite de sono pode, de fato, ser dividida em ciclos. “Dormimos uma média de quatro a seis ciclos por noite”, afirma a neurologista Andréa Bacelar, diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS). Acontece que o tempo de cada ciclo varia muito. Uns duram 90 minutos, ou seja, uma hora e meia. Outros, no entanto, podem chegar a 120 minutos, isto é, duas horas.
Os quatro estágios do sono
Cada ciclo, por sua vez, é dividido em estágios. Ao todo, são quatro: N1, N2, N3 e REM – sigla em inglês para rapid eyes movement (ou “movimento rápido dos olhos”, em livre tradução). Bem, se cada ciclo dura, em média 90 minutos, podemos dizer que cada estágio leva cerca 22,5 minutos, certo? Errado! O tempo de duração de cada estágio, a exemplo do de cada ciclo, também varia.
O primeiro deles é o N1. É o estágio do sono leve. “Você sabe que está na hora de dormir porque sente sonolência”, explica Bacelar. “É a transição entre a vigília e o sono”. É um estágio curto e superficial: dura 5% do tempo total do ciclo. O segundo é o N2. É o intermediário entre o sono leve e o profundo. Se o N1 é o mais curto, o N2 é o mais longo. Pode representar até 55% do ciclo. “É onde a gente passa a maior parte da noite”, completa a médica.
O estágio seguinte é o N3. Nele, o sono é profundo e restaurador. Corresponde a 20% do total. O quarto e último é o REM. É, em geral, o estágio dos sonhos – ou pesadelos. Seu tempo de duração é o mesmo do N3: 20%.
“Cada estágio tem características e funções diferentes”, observa o neurologista Lúcio Huebra, outro membro da ABS. “Dos quatro estágios, o N3 e o REM são os mais difíceis de despertar”, avisa o médico. Terminado o REM, o ciclo recomeça com o N1. E, assim sucessivamente, de quatro a seis vezes por noite.
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“Bêbado de sono”
Sabe quando você desperta no meio da madrugada para beber água, fazer xixi ou ajeitar o travesseiro? Então, todo adulto acorda de duas a três vezes por noite. Quando isso ocorre, é nos primeiros estágios (N1 ou N2) ou entre um ciclo e outro. Dificilmente despertamos, por livre e espontânea vontade, em um estágio mais profundo (N3 ou REM), pondera a neurologista Dalva Poyares, doutora em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por isso, não é aconselhável despertar alguém – a não ser em último caso.
Quando o ruído é alto o bastante para acordar o sujeito nos estágios finais de um ciclo (N3 ou REM), como a sirene da ambulância, o barulho do vizinho ou o alarme do despertador, ele pode apresentar uma sensação de embriaguez do sono. É como se, mal comparando, estivesse “bêbado” mesmo sem ter ingerido uma única gota de álcool. Outro sintoma comum é a desorientação ou confusão mental leve.
O furo na fórmula do ciclo do sono
Um dos acertos da receita que promete calcular o horário ideal para acordar é dizer que o melhor dos mundos é despertar entre um ciclo e outro. Mas há uma falha no método: como saber a que horas vamos dormir? Ora, não é todo dia que deitamos na cama e, no minuto seguinte, já estamos dormindo. A exemplo do ciclo do sono, o tempo que antecede o primeiro dos quatro estágios também é variável. Os mais sortudos dormem em cinco minutos. Há aqueles, no entanto, que levam até 30 minutos para apagar. Os insones, ao contrário, não conseguem adormecer facilmente.
E o que fazer se, 30 minutos depois, você ainda não conseguiu, como dizem por aí, pregar os olhos? A dica da neurologista Dalva Poyares, da Unifesp, é simples: pular da cama e procurar algo relaxante para fazer. Pode ser ler um livro (Stephen King, o mestre do terror? Melhor não...), praticar meditação ou tomar um banho morno, entre outras táticas.
O importante é tomar cuidado para não afugentar o sono, em vez de atraí-lo. No caso da leitura, por exemplo, o recomendado é optar pelo bom e velho livro físico. Eletrônicos, que podem ser lidos através de smartphones ou tablets, são desaconselhados. Outra coisa: em vez de ligar a luz da sala, que tal acender um abajur? “A luminosidade inibe a produção da melatonina, o hormônio do sono”, revela a neurologista Andréa Bacelar.
E por falar em dispositivos eletrônicos, o indicado é colocá-los no silenciador uma hora antes de deitar. “O melhor lugar para dormir é no ambiente escuro, sem ruídos sonoros e com temperatura agradável”, prescreve Mônica Andersen, doutora de ensino e pesquisa do Instituto do Sono. Outra dica importante: manter horários regulares de sono. “Se possível, procure dormir e acordar sempre no mesmo horário”, observa a biomédica.
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Cochilo diurno x sono noturno
Não é todo mundo que pode tirar um cochilo à tarde. Mas, se você trabalha em home office e não dormiu o suficiente à noite, é um jeito de compensar a privação de sono. Mas, atenção: até para tirar soneca é preciso seguir regras: algo em torno de 20 a 30 minutos, no máximo, e no comecinho da tarde, entre 13h e 15h. “É como se você recarregasse as baterias para o turno da tarde”, compara Andréa Bacelar, da ABS.
Mas, por que precisa ser vapt-vupt? Porque, caso contrário, o dorminhoco entra em sono profundo e, quando acordar, vai se sentir cansado e sonolento. “Um cochilo diurno, depois do almoço, pode ser benéfico à saúde. O cuidado é o tempo de duração”, alerta o otorrino Edilson Zancanella, presidente da Associação Brasileira da Medicina de Sono (ABMS). “Se passar dos 30 minutos, em vez de ajudar, pode atrapalhar”.
Já quantidade ideal de horas de sono depende da necessidade de cada um. “A maioria de nós, adultos, dorme uma média de oito horas por noite”, calcula a biomédica Mônica Andersen, do Instituto do Sono. Alguns, como os recém-nascidos, dormem mais: 20 horas. Outros, como os idosos, menos: seis. O importante é ficar atento: dormir muito, mais de 10 horas por noite, ou pouco, menos de seis, pode trazer malefícios à saúde.
Vale ainda descobrir seu cronotipo. Há três tipos: matutinos, vespertinos e intermediários. Os matutinos acordam e dormem cedo – têm hábitos madrugadores. Já os vespertinos acordam e dormem tarde – são notívagos assumidos. E há, ainda, os intermediários, também conhecidos como mistos ou indiferentes. São aqueles que conseguem se ajustar às mudanças de horário com mais facilidade. Há testes que ajudam você a descobrir onde se encaixa, como esse aqui. Um médico também pode ajudar nessa missão.
Não há nada pior do que matricular um estudante vespertino no turno da manhã ou escalar um trabalhador matutino para dar expediente à noite. “Na maioria das vezes, os matutinos nem precisam de despertador para levantar”, explica Dalva Poyares. “Já os vespertinos sofrem quando têm de acordar cedo”.
Uma boa noite de sono começa com o dia ainda claro. Ter uma alimentação saudável e praticar exercícios físicos são aliados de quem sonha dormir com os anjos. Para quem tem o hábito de dormir tarde e acordar cedo, Edilson Zancanella, da ABMS, propõe um desafio: deitar uma hora antes do habitual. “Quer saber como será sua rotina no dia seguinte? Você terá uma surpresa!”, garante. E aí, já tem programa para hoje à noite?
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