Câncer de intestino: Hospitalizações crescem 64% em uma década; por que isso acontece?

Especialistas apontam alimentação ruim, repleta de alimentos ultraprocessados, sedentarismo, tabagismo e alcoolismo como causas do recente aumento de casos desse tipo da doença

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Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

RIO - O número de internações por câncer de intestino (colorretal) aumentou 64% nos últimos dez anos, um resultado que preocupa especialistas de diferentes áreas. Todos apontam as mesmas causas para esse crescimento tão significativo: alimentação e estilo de vida. Com isso, os tumores de cólon já constituem o segundo tipo mais prevalente da enfermidade entre homens e mulheres, atrás apenas de próstata e mama, respectivamente. O levantamento inédito foi realizado pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed), Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) e Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG).

Médicos explicam que o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e a redução do consumo de fibras, somados a sedentarismo, tabagismo e alcoolismo, são as principais causas do crescimento dos cânceres intestinais.

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“O câncer colorretal sempre foi prevalente, mas os números vêm aumentando, e ele já é o segundo mais comum tanto para homens quanto para mulheres”, explicou o cirurgião Marcelo Averbach, do Hospital Sírio-Libanês, coordenador nacional da campanha março azul para prevenção do câncer de intestino. “O aumento do número de casos é decorrente, basicamente, de condições ambientais, sobretudo da dieta, rica em alimentos ultraprocessados e embutidos, baixa ingestão de fibras e de líquidos. Além disso, há outras questões comportamentais, como sedentarismo, tabagismo e alcoolismo.”

Segundo o trabalho, os registros de internação trazem números alarmantes: foram 657.183 hospitalizações só no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento dessa doença entre 2012 e 2021, com impactos imensuráveis para milhares de famílias brasileiras. Neste mesmo período, foi observado um crescimento de 64% das internações. Já os dados de mortalidade decorrentes desse tipo de neoplasia indicam que, somente em 2021, foram registrados 19.924 óbitos por câncer do cólon, da junção retossigmoide e do reto, um aumento de 40% em relação a 2012.

Alimentos ultraprocessados está na raiz da explosão de casos de câncer intestinal, segundo especialistas Foto: Pixabay

Nem mesmo a pandemia de covid-19 baixou o número de internações por câncer de intestino. Os números revelam um aumento das hospitalizações em 21 Estados brasileiros no período. O maior aumento proporcional ocorreu em Mato Grosso, onde o número de internações passou de 917, em 2020, para 1.285, em 2022, um salto de 40%.

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“A associação entre estilo de vida e câncer colorretal vem sendo demonstrada em vários estudos científicos”, afirmou a professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Wilza Peres. “Isso envolve a má qualidade da alimentação e também o consumo de álcool, o tabagismo e o sedentarismo. A qualidade da alimentação vem piorando muito nos últimos anos, não só no Brasil mas em todos os países ocidentais.”

De fato, a última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que o brasileiro come, por exemplo, cada vez menos feijão com arroz, um prato típico considerado excelente por nutricionistas, por reunir proteínas, carboidratos e fibras.

Entre a pesquisa realizada em 2002/2003 e a última, de 2017/2018, a média per capita anual de consumo de feijão caiu de 12,4 quilos para 5,9 quilos – uma redução de 52%. No caso do arroz, a redução foi um pouco menor, de 37%. O consumo passou de 31,6 quilos per capita por ano para 19,8 quilos.

Outros produtos, como a farinha de mandioca (70%), a farinha de trigo (56%) e leite (42%), também tiveram queda expressiva no mesmo período. Alimentos preparados e misturas industriais registraram alta de 56%, e as bebidas alcoólicas, de 19%. Os alimentos in natura ou minimamente processados estão perdendo espaço para a comida processada ou ultraprocessada, que passou a responder por quase 20% das calorias consumidas.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE, de 2020, também traz um dado que corrobora a conclusão. A proporção de pessoas com obesidade na população com 20 anos ou mais de idade mais que dobrou no País entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%. Ou seja, em 2019, uma em cada quatro pessoas de 18 anos ou mais de idade estava obesa, um total de 41 milhões. Já o excesso de peso atingia 60,3% ou aproximadamente 96 milhões de pessoas.

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Mudança de hábitos

No início deste ano, a cantora Preta Gil foi diagnosticada com câncer de intestino, depois de passar mal em casa e ter uma hemorragia. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, e em postagens em suas redes sociais, a cantora admitiu que seus hábitos alimentares nunca foram os ideais e contou que está tentando melhorá-los durante o tratamento, que inclui quimioterapia, radioterapia e cirurgia.

“Tenho muita consciência de que meus hábitos alimentares não eram os mais saudáveis”, disse. “Agora, estou mudando meus padrões alimentares, meu estilo de vida, minhas horas de sono. É um desafio, mas estou viva, tenho oportunidade de me tratar, uma grande rede de apoio e Deus no coração. Isso tudo vai passar e vai ser um grande aprendizado.”

Preta Gil faz tratamento contra um câncer intestinal. Foto: Feiipe Panfili/Divulgação

A campanha de conscientização e prevenção ao câncer de intestino tem como slogan este ano “Saúde é prevenção. Cuide de você, evite o câncer de intestino”. Além da chamada prevenção primária, com recomendações para que as pessoas se alimentem bem, se exercitem e não consumam álcool em excesso, os especialistas falam também da importância da prevenção secundária, com a realização de exames periódicos de colonoscopia e busca de sangue oculto nas fezes para quem tem mais de 45 anos.

“Cerca de 90% dos casos de câncer de intestino têm origem a partir de um pólipo, um tipo de lesão na mucosa do intestino que pode se transformar em câncer”, explicou o coloproctologista Antônio Lacerda Filho, presidente da SBCP. “Em uma colonoscopia, esses pólipos podem ser retirados, prevenindo, assim, a doença.”

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