Apenas 17% das mulheres entre 50 e 69 anos fizeram o exame preventivo do câncer de mama ao longo de 2021, segundo a pesquisa Panorama do Câncer de Mama no SUS. Ao todo, apenas 2,05 milhões de mulheres nesta faixa etária realizaram a mamografia pelo sistema público de saúde.
O total supera o observado no ano anterior, quando apenas 1,4 milhão de mulheres dos 50 aos 69 anos fizeram a mamografia de rastreamento em meio às restrições do coronavírus e ao sufocamento do SUS pela pandemia. Ainda assim, a cobertura de 2021 está abaixo dos 23% registrados em 2019.
O levantamento foi realizado pelo Instituto Avon e pelo Observatório de Oncologia, com base nas informações do DataSUS de 2015 a 2021 e foco nas mulheres de 50 a 69 anos por recomendação do Ministério da Saúde, que prioriza a faixa etária no rastreamento da doença.
Os dados apontam para uma queda de 40% dos exames realizados entre 2019 e 2020 e de 18% no ano seguinte. “Isso ainda é um reflexo da pandemia. Apesar de os serviços e remarcações terem retomado em 2021, ainda temos uma sobrecarga de demanda das pessoas que deixaram de fazer esse tipo de exame, além da questão do medo (de se infectar com a covid)”, explica Nina Melo, coordenadora do Observatório de Oncologia.
As regiões do Brasil que tiveram menor cobertura de mamografias entre mulheres de 50 a 69 anos foram o Norte e o Centro-Oeste. Entre 2020 e 2021, apenas 9% das pacientes nesta faixa etária realizaram o exame de rastreio, uma taxa bem aquém da média nacional. Já o Estado de São Paulo teve o maior número de procedimentos do tipo aprovados, correspondendo a 31% do total do País.
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Ainda em 2020, dados da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS), apontou que o câncer de mama já é o tipo mais diagnosticado da doença. Ele corresponde a 24,5% de todos os diagnósticos positivos feitos no mundo e a 6,9% das mortes durante aquele ano.
Apesar de ainda não ter dados concretos sobre este ano, Nina acredita que o cenário dos exames de rastreamento já apresenta sinais de estabilização nos parâmetros pré-pandêmicos. “Pelos contatos com médicos e oncologistas, eles já vêm nos dizendo isso. A própria comunicação do rastreamento e o ciclo completo da vacinação (contra a covid) ajudaram nessa retomada”, comenta.
Tempo de espera e casos mais graves
Outro dado apontado pela pesquisa diz que mais de 60% de todas as mulheres diagnosticadas com câncer de mama no País entre 2015 e 2021 começaram o tratamento depois do recomendado. Segundo a lei 12.732/12, o prazo máximo de espera no sistema público de saúde deve ser de 60 dias após a identificação da doença. Em 2020, o tempo médio desse intervalo chegou a 174 dias.
“No caso de câncer, um dia pode fazer a diferença”, aponta Nina. “Se existe uma legislação embasada cientificamente, é porque aquele tempo é o mais adequado. Se a gente ultrapassa isso mais que o dobro, as chances de cura dessa paciente diminuem bastante.”
Saiba mais
Membro do Comitê Científico do Instituto Vencer O Câncer e oncologista do Hospital Albert Einstein, Abraão Dornellas classifica essa demora entre diagnóstico e tratamento como “inadmissível”. “É preciso entender que não adianta fazer diagnóstico precoce se não estabelecer um tratamento precoce. É completamente inadmissível que uma mulher diagnosticada espere tanto tempo assim.”
Esse aumento da demora na busca pelo diagnóstico também cresceu, de acordo com a pesquisa. No ano passado, apenas 55% dos casos foram identificados de forma precoce, contra 61% em 2015. Já os quadros de confirmação tardia seguiram a tendência inversa e subiram de 39% para 45% no mesmo período.
“Depois desse déficit de exames da pandemia, percebemos que muitas pacientes já chegam com lesões palpáveis. Também percebemos que após a demanda represada da pandemia, houve um aumento na procura de pacientes, mas muitas em estágio mais avançado da doença”, afirma a oncologista Caroline Rocha, do departamento de Câncer de Mama do Hospital A. C. Camargo Cancer Center.
Foi o caso da analista de sistemas aposentada Maria Macedo, de 67 anos. Ao longo de toda a pandemia, ela teve medo de sair de casa e ir ao hospital por causa do coronavírus. Quando contraiu a doença em janeiro deste ano e voltou a fazer exames de praxe, descobriu que estava com câncer de mama em estágio avançado.
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Dona Maria já sabia que tinha um caroço desde 2019, “mas era só uma calcificação, não tinha problema”. “Só que ele começou a crescer bastante, suspeitei e fui correr atrás”, conta. Desde maio, ela já fez quatro sessões de quimioterapia e ainda segue em tratamento, enquanto espera o caroço diminuir para retirá-lo com cirurgia.
“O tratamento é muito agressivo, pensei que não ia aguentar. Senti náusea, tontura, ânsia de vômito, tive feridas no corpo, vi meu cabelo e as sobrancelhas caírem e meu sistema nervoso ficou muito abalado também”, relata. “É um tratamento inimaginável. Nunca pensei que iria passar por isso agora porque amamentei durante anos e sempre cuidei muito da saúde.”
Além da chance de o câncer se espalhar da mama para o corpo ou aumentar de tamanho, o diagnóstico tardio da doença também impacta o tratamento das pacientes, principalmente na faixa etária de Maria, dos 50 aos 69 anos. “A população que é rastreada faz tratamentos menos agressivos”, aponta Caroline. “Essa demora no diagnóstico impacta desde o tamanho da cirurgia, que poderia ser um tratamento conservador e então evolui para algo mais radical, como a mastectomia. O mesmo acontece com a toxicidade do tratamento quimioterápico.”
Para Dornellas, o crescimento de casos avançados do câncer de mama já é observado com as pacientes deste ano e pode, inclusive, aumentar nos próximos. “É uma tendência lógica. Por isso, é fundamental que a cobertura seja ampliada. O câncer de mama não vai deixar de acontecer porque o exame não foi feito.”
Procurado, o Ministério da Saúde respondeu nesta terça-feira, 18, que a gestão das filas de espera para a realização de exames é feita “pelos Estados, municípios e Distrito Federal”. Em nota, a pasta afirma que recomenda, como preconiza a OMS, “a realização da mamografia de rastreamento (quando não há sinais nem sintomas) em mulheres com idade entre 50 a 69 anos, uma vez a cada dois anos, como forma de identificar o câncer antes do surgimento de sintomas”. Entre 2020 e julho de 2022, foram realizados mais de 8 milhões de exames nesta faixa etária, segundo o ministério.