Câncer: D’Or investe R$ 80 milhões em laboratório para nacionalizar diagnóstico e pesquisa de tumor

Um dos objetivos é agilizar resultados de exames para, assim, dar início ao tratamento rapidamente; até então, algumas análises só eram feitas no exterior e demoravam para voltar ao Brasil

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Foto do author Leon Ferrari
Atualização:

A Rede D’Or investiu R$ 80 milhões em uma expansão do serviço de oncologia e acaba de inagurar um laboratório de biologia molecular, o BioMol. Com equipamentos inéditos no Brasil e na América Latina, a empresa quer dar “suficiência nacional” a exames complexos – muitos deles envolvem sequenciamento genético, que, antes, exigiam envio de amostras ao exterior. A ideia é reduzir preço e tempo de espera, a fim de agilizar o início de tratamento do câncer, além de fomentar a pesquisa científica na área, uma vez que o espaço também será usado pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR).

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“O que esse laboratório traz é o domínio do ciclo completo da patologia dentro do Brasil. Praticamente não há nenhum exame molecular novo de sequenciamento ou de caracterização de doenças, tumores incluídos, que não possam ser feitos dentro deste laboratório”, diz Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or. Os grandes destaques são a biópsia líquida, o perfil de metilação e o serviço de patologia espacial (confira mais abaixo).

Embora a aplicação mais direta seja nos casos de câncer, o laboratório pode ser usado por patologias de outras áreas que exijam exames mais detalhados, como neurologia e cardiologia. O laboratório atenderá apenas hospitais da rede e não estará “aberto ao mercado” – assim, explicam os profissionais envolvidos, haverá mais “integração” na entrega dos resultados. “Nenhum resultado vai sair sem a discussão com o médico (que está tratando o paciente)”, diz Fernando Soares, diretor médico da Anatomia Patológica da Rede D’Or e membro do comitê de classificação de tumores da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O laboratório fica em um prédio de três pavimentos, situado no bairro do Jabaquara, na zona sul da capital. Ele contará com 40 patologistas e cerca de 90 analistas de laboratório. A estrutura foi preparada para atender aos 73 hospitais e 55 clínicas oncológicas da Rede D’Or, localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia e no Distrito Federal.

A estimativa dos profissionais é de que os exames fiquem de 20% a 25% mais baratos. Os valores, de forma geral, começam a partir de R$ 1,5 mil e podem chegar a até R$ 13,5 mil. A maioria deles não é coberto pelos convênios.

Nacionalização de exames complexos, como de perfil de metilação e biópsia líquida, são destaques do laboratório Foto: Rede D'Or/Divulgação

Em relação aos prazos, isso vai depender da demanda do profissional de saúde. Alguns testes ficam prontos dentro de cinco dias. Outros podem levar mais tempo, até por volta de três semanas. No caso desses últimos, muitos precisavam ser enviados ao exterior e só voltavam ao Brasil após cinco ou seis semanas, conforme contam os profissionais da D’Or.

O tempo é determinante no tratamento de algumas doenças. A agilidade no resultado pode significar, por exemplo, que um paciente que passou por cirurgia para remoção de tumor não precisará ser submetido à quimioterapia, um tratamento muito agressivo. Ou ao contrário: sinalizar que a quimio precisa ser iniciada o quanto antes.

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“Tem situações em que você pode esperar cinco ou seis semanas”, diz Hoff. “(Mas, às vezes) Se levar muito tempo, se levar meses pra vir o resultado, que é o ocorre atualmente quando manda-se pra fora, talvez você perca o timing. Um tratamento tem que ser iniciado em um certo tempo para que ele possa ter efeito.”

“Não é nem que o paciente vá morrer, mas a doença avança nesse período. O tempo precisa ser respeitado”, completa.

Avanço no tratamento exige exames mais completos

A lógica por trás do investimento milionário é a compreensão de que, cada vez mais, o tratamento oncológico se torna mais específico e personalizado, logo, o diagnóstico precisa ser tão detalhado quanto. Conforme disse o Nobel da Química, Aaron Ciechanover, ao Estadão, quando perguntado sobre o futuro do tratamento do câncer, ele “será feito sob medida para o paciente e a doença”.

A medicina personalizada e a própria patologia ou biologia molecular são campos em desenvolvimento. Os avanços ocorrem conforme novas tecnologias, que, em geral, custam caro, surgem.

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Soares lembra que, há cerca de 20 anos, quando surgia um paciente com câncer de pulmão, o objetivo era saber se representava um caso de “pequenas células” ou “não pequenas células”. Hoje, diz, se não fornecer um painel molecular do tumor ao médico (que vai muito além dessa definição), em poucos minutos recebe uma ligação do oncologista.

Resumidamente, em alguns cânceres, é preciso observar mutações em determinados genes, indo além do que se consegue ver em um microscópio. É como se, cada vez mais, precisássemos dar um zoom maior no tumor do paciente para entendê-lo melhor e estabelecer um tratamento mais eficaz.

“No nosso laboratório, temos capacidade de analisar desde um gene isolado no qual temos interesse até o genoma completo”, diz Soares.

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“O meu câncer e o de outra pessoa podem afetar o mesmo órgão, mas eles vão ter comportamentos diferentes”, explica Leandro Reis Tavares, vice-presidente médico e de serviços externos da Rede D’Or. Ainda de acordo com ele, devido a diversas condições intrínsecas ao tumor e a cada indivíduo, o tratamento também tende a ser distinto – justamente para respeitar essas características.

Laboratório não começa a atuar com 100% de capacidade diagnóstica, uso será gradual Foto: Rede D'Or/Divulgação

Biópsia líquida

Entre os destaque do laboratório está a nacionalização do ciclo do teste da biópsia líquida. O exame consegue detectar o que os médicos chamam de doença residual mínima no sangue do paciente e antecipar uma recidiva do tumor.

Com esse exame, é possível detectar precocemente a presença de genoma tumoral na circulação sanguínea após a remoção do tumor por cirurgia, por exemplo. O resultado ajuda a equipe médica a decidir se o paciente deve ser submetido ou não à quimioterapia.

A técnica ainda está em desenvolvimento, mas é considerada bastante promissora. Ela já tem algumas aplicações suportadas pela literatura científica. Segundo Hoff, nos EUA, o uso da biópsia líquida em paciente com câncer colorretal já é rotina.

Perfil de metilação

Outro exame nacionalizado com o laboratório é o perfil de metilação, conforme os profissionais. Ele é usado para diferenciar tumores do sistema nervoso central e também em pacientes com predisposição ao câncer (teste germinativo).

Metilação, explica Soares, é um fenômeno que garante nossa diversidade celular. “Todas as suas células têm o mesmo genoma, mas a célula do olho é diferente da célula da mão, do estômago e do pulmão, porque alguns genes estão silenciados, estão metilados”. E analisar essa ativação (ou não) dos genes é capaz de ajudar na identificação de um tumor.

Biorrepositório

O laboratório também conta com um biorrepositório, no qual é possível guardar e preservar amostras de tumores de pacientes operados e examinados para estudos futuros. No momento, já estão armazenadas inúmeras amostras de saliva de pessoas que tiveram covid-19.

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Patologia espacial

Um espaço que definitivamente vai ser beneficiado por esse repositório é a patologia espacial. Aqui, sim, há equipamentos únicos no Brasil e em toda a América Latina. “No aparelho, conseguimos ver de forma espacial o tecido inteiro, todas as células, individualmente”, diz Felipe Ornellas, pós-doutorando do IDOR.

Isso beneficia diretamente a pesquisa em biomarcadores. Resumidamente, falamos de moléculas que os cientistas determinam como alvo e estudam para confirmar se têm relação com o desenvolvimento de uma doença. Se tiverem, são denominadas de biomarcador. Elas podem estar superexpressas (em quantidade acima do normal) ou subexpressas (abaixo do normal). A creatinina, por exemplo, é um biomarcador usado para avaliar a saúde do rim e indicar se algo está desregulado.

Biomarcadores são essenciais para o desenvolvimento de exames e também de novas terapias. Ornellas diz que o acesso ao biorrepositório ajuda na pesquisa, uma vez que várias amostras são necessárias para explorar uma molécula-alvo. Essa integração com a rede de hospitais, observa, também ajuda a ver em prática algo desenvolvido no laboratório. “É mais rápida a translação da bancada para o leito”, resume.

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