Câncer e Preta Gil: como lidar com a saúde mental durante o tratamento?

É fundamental cuidar do bem-estar do paciente e de seus familiares durante o processo. Veja orientações de especialistas

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Foto do author Ana Lourenço
Atualização:

Apesar dos avanços da medicina, a palavra câncer muitas vezes está associada a uma sentença. Isso porque traz para os seus pacientes a noção de finitude, com reflexos emocionais e psíquicos da doença. Por isso mesmo, é fundamental cuidar do bem-estar do paciente e de seus familiares durante o processo.

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A cantora Preta Gil, de 48 anos, diagnosticada com câncer de intestino no começo deste ano, também tem mostrado os desafios da saúde mental nessa fase. Ela fala sobre as dificuldades emocionais de cada etapa do tratamento e também lida com o término do seu relacionamento de oito anos com o personal trainer Rodrigo Godoy.

Para o chefe da oncogenética do Hospital AC Camargo, José Cláudio Casali da Rocha, o câncer deve ser visto como ponto de mudança. “Não no sentido de mutação genética, mas como alerta para que a pessoa reveja o seu histórico, seus hábitos, e assim possa realinhar a sua vida e fazer novo plano de voo”, diz o médico, citando uma combinação entre saúde física, mental, espiritual e coletiva.

A cantora Preta Gil, de 48 anos, diagnosticada com câncer de intestino no começo deste ano, também entendeu a doença, e todo seu processo, como essa catapulta de mudança Foto: Reprodução/Instagram/@pretagil

A importância de cuidar da mente

O acompanhamento psicológico, durante o tratamento de câncer, atua desde a prevenção até o luto, passando pela reabilitação da doença. “Uma pessoa que faz acompanhamento psicológico e tem um olhar para saúde mental terá muito mais consciência do que acontece com seu corpo, e criar hábitos mais saudáveis”, diz a psicóloga Raphaella Pires.

Segundo a especialista, cuidar da saúde mental pode ajudar o paciente a compreender a doença, a lidar com as emoções que possam surgir - seja raiva, tristeza ou culpa. Além disso, ajuda em uma melhor adesão ao tratamento por parte do paciente e a diminuição dos sintomas adversos associados ao câncer. Afinal, o sistema imunológico é fortemente afetado pelos fatores emocionais.

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“O estresse crônico está associado a doenças como o câncer. Isso porque sabemos que com o estresse, nosso DNA sofre alterações epigenéticas, que muitas vezes funcionam como mutações físicas do DNA”, diz médico oncologista José Cláudio Casali da Rocha. “Fatores emocionais e psicológicos afetam a hipófise, ela se comunica com a suprarrenal ou a glândula adrenal, que é o maior produtor de cortisol do nosso corpo, e isso afeta nossa imunidade”, diz.

Fazer uma análise não é só cuidar da cabeça para um momento específico, mas entender as situações que se repetem na sua vida, as maneiras que você reage a elas e os efeitos dela no seu corpo.

“Não tem como eu falar que passei por tudo isso e só foi horrível. Sim, foi horrível, mas quanta coisa aconteceu? Quanta coisa eu pensei nesse tempo? Isso tudo me ensinou. Por mais que seja um período ruim, eu posso virar a página, mas vai continuar fazendo parte da minha trajetória, não importa o que eu faça”, afirma a influenciadora e designer Giulianna Nardini, de 25 anos.

Aos 21 anos, ela venceu o câncer de mama (o mesmo que sua mãe e avó tiveram), enfrentou diversas mudanças no seu corpo e passou por uma mastectomia bilateral. Hoje, quatro anos depois de retirar o tumor, ela fala sobre os aprendizados dessa fase na internet.

“Durante o tratamento, a terapia foi muito importante para me dar suporte, me fazer entender que eu não tinha culpa de conseguir algumas coisas e de que não precisaria me esforçar ao extremo para isso”, afirma. “Além de me fazer entender que a vida estava passando, mesmo eu estando doente. E eu precisava aprender como viver esse tempo do tratamento de alguma forma, mesmo sendo revoltante.”

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Por mais que seja um período ruim, eu posso virar a página, mas vai continuar fazendo parte da minha trajetória, não importa o que eu faça”, afirma a influenciadora e designer Giulianna Nardini, de 25 anos Foto: Arquivo Pessoal

Saber lidar com os lutos e as perdas da doença

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. A afirmação, justamente, abre espaço para campos de estudos específicos como a psico-oncologia, especializado na saúde mental do tratamento do câncer.

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“Não chegamos frente à morte sem preparação. Aprendemos com as perdas de cada dia. Afinal, cada decisão que você toma, perde outra oportunidade. E a gente tem pequenas perdas ao longo da vida: a perda de um trabalho, a perda de um parceiro, a perda de um casamento. Essas perdas todas que enfrentamos trazem resiliência para lidarmos com a finitude”, afirma a psico-oncologista Maria da Glória Gimenes.

“A psico-oncologia é a área que trabalha ao que se refere as questões psicológicas, psicossociais e espirituais do paciente oncológico, desde o diagnóstico à alta, ou uma possível recidiva. Ela dá uma atenção muito especial para os familiares porque câncer não é uma doença vivida só com o paciente, mas sim pela família inteira”, diz Maria da Glória.

A especialidade oferece suporte emocional ao paciente, sua família e mantêm contato direto com a equipe médica para que os danos psicológicos sejam minimizados - o que exige conhecimento grande dos danos consequentes ao próprio câncer. As especialistas falam em resiliência: os pacientes que passam pelo processo terapêutico conseguem enfrentar melhor os desafios do tratamento.

“Percebemos, em muitos casos, sintomas de tristeza, relacionados com a função da perda da saúde, da rotina, do papel social, de cabelo. Até a raiva também é muito associada por conta da sensação de injustiça, da confusão emocional”, diz Raphaella. “Mas não quer dizer que fazemos com que a pessoa não sinta raiva, nem diga que está errado, mas ajudamos a entender o sentimento de forma funcional. O que é essa raiva? O que está por trás dela? Ajudamos o paciente a caminhar em direção a seus valores e objetivos, e não baseado nesse período que, por conta dessas reações emocionais, pode vir até distorcido.”

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De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% das pacientes diagnosticadas com câncer lidam com a rejeição e o abandono de seus parceiros durante o tratamento. No caso de Preta Gil, a cantora afirmou que o relacionamento já não estava bem e que “seu instinto de sobrevivência a fez querer se separar, mesmo estando com câncer”.

Segundo a psicóloga, “o adoecimento tende a maximizar tanto o que há de bom quanto de ruim. É um momento em que a entrega e a dedicação da rede de apoio é grande”, diz a psicóloga. “Se não houver um ajuste e um cuidado com essas pessoas, vai existi impacto psicológico no paciente.”

O processo, obviamente, exige paciência. Em dias pós-quimioterapia, por exemplo, Giulianna não queria falar muito. Já em outros, ela se preocupava mais com as questões escolares do que a doença em si. “É preciso avaliar o que o paciente precisa naquele momento, porque muitas vezes é um suporte não verbal, mas de presença. Só ficar do lado e mostrar que ele não está sozinho”, indica a especialista.

Para Giulianna, a ajuda psicológica pós-tratamento também foi fundamental para lidar com a solidão. “Durante o tratamento, tem muita gente com você o tempo todo. Sempre está acompanhada. Logo que termina, você não tem mais essas pessoas todo dia e era uma sensação de dúvidas o tempo todo, de confusão e de necessidade de alguém falando que está tudo bem”, diz ela, que segue na terapia até hoje.

O serviço psicológico para pacientes oncológicos ainda não é oferecido em todos os hospitais. O Instituto Nacional de Câncer oferece Cuidados Paliativos a pacientes oncológicos matriculados no Inca, que não se beneficiam mais do tratamento. Para além disso, contam com outros 19 psicólogos no instituto que ajudam nesse cuidado nas enfermarias, ambulatórios e até assistência domiciliar.

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“Existe um grande equívoco em relação à definição de cuidados paliativos. Muitas pessoas os compreendem como cuidados diretamente associados ao fim de vida. O paciente dito terminal, mas não. Na verdade, cuidados paliativos são uma abordagem que visa à minimização do sofrimento a partir do controle do sintomas em todas as dimensões de pacientes que têm uma doença ameaçadora da vida”, afirma a psicóloga do Hospital do Câncer IV, do Inca, Mariana de Abreu Machado.

Apesar disso, é muito comum ver outros cuidados relacionados ao bem-estar do paciente nas clínicas. No AC Camargo, por exemplo, são oferecidas práticas integrativas, que focam na qualidade de vida do paciente. Dentro disso, existem opções de aulas de dança, arte, música, yoga e reiki.

“Através de elementos que, muitas vezes são baseados em conhecimentos ancestrais e que atualmente são intensamente investigados pela ciência dentro das melhores universidades e hospitais do mundo, temos a questão das práticas integrativas, colaborando para a reabilitação do tratamento e para a promoção de saúde e bem-estar das dimensões biológica, psicológica e social do ser humano”, diz o médico e responsável das práticas integrativas do AC Camargo Ricardo Monezi.

Segundo ele, o objetivo dos médicos é cuidar de uma pessoa, e não do câncer. “A gente precisa trabalhar com todas as medicinas. Anos atrás, não tínhamos antibióticos ou quimioterapia. As pessoas precisavam cuidar da prevenção, porque ficar doente era fatal. Cuidar da saúde de uma forma integrativa é como você evita doenças”, afirma o médico Casali da Rocha.

Música ajudou Karen Stephanie a lidar com as dores do tratamento de câncer Foto: Reprodução Instagram

A cantora de ópera Karen Stephanie, de 33 anos, sentiu na pele esse efeito. Em 2018 recebeu o diagnóstico de câncer de mama e decidiu mergulhar na música para lidar com a dor. “A música - seja cantar, escutar, trabalhar com ela - não me curou do câncer, mas me ajudou com as noticias ruins, aliviou minhas dores, ajudou a mudar meu humor e a me transformar a cada acontecimento”, conta.

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Ela também fez acompanhamento psicológico e criou o projeto ‘Músicas que Curam’, na qual ela faz palestras e espetáculos mostrando o poder da música, baseado em sua experiência pessoal. “A música foi o motivo da minha maior esperança. Ouvir e sonhar com ela me ajudou no processo. E entendi que para as pessoas, ela toca em um lugar muito profundo, quase terapêutico mesmo”, diz.

Prevenção: O que você deve ficar atento?

  • Reveja seus hábitos

É importante separar um tempo para pensar nos hábitos que você tem no dia a dia e como eles podem estar influenciando sua saúde mental e física. A prática de uma atividade física diária, assim como uma dieta rica é importante para prevenção de doenças. “A gente precisa ter consciência que a doença vem como uma mensagem. Como podemos mudar daqui para frente? É muito comum a pessoa falar que não tem tempo para preparar a comida em casa, para se dedicar a família, para ir à academia, mas quando um câncer chega, por exemplo, a pessoa precisa arranjar esse tempo para se cuidar”, coloca o oncologista.

  • Sempre faça um check-up

Ter um controle de doenças familiares para saber as áreas do corpo a ficar atento e pré-condições genéticas é um bom primeiro passo. Mas também é essencial manter uma rotina de exames mensais ou anuais (seguindo a orientação de um médico) para verificar possíveis mudanças no corpo.

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  • Caso receba o diagnóstico, procure ajuda

É muito importante que o paciente continue fazendo, na medida do possível, atividades que lhe tragam prazer. Além disso, é fortemente recomendado o acompanhamento psicológico para que se lide melhor com as adversidades da doença. “Perceba a forma como você pensa ou reage com as emoções do dia a dia. Para quem está de fora, a família, a rede de apoio, é interessante ficar atento aos comportamentos do paciente. Claro que uma mudança brusca em um primeiro momento é normal, a questão é quando isso vai se estendendo por um longo período, durante todo o tratamento”, conta Raphaella.

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