Cannabis medicinal: como é a importação no Brasil hoje?

Agenda de Lula na Colômbia inclui discussão sobre acordo comercial para ampliar importação de produtos à base de cannabis medicinal; desde 2015, produto é permitido no Brasil, desde que importado

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Foto do author Victória  Ribeiro
Atualização:

Na última terça-feira, 16, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarcou em Bogotá, capital da Colômbia, para cumprir agenda presidencial. Conforme o Estadão apurou, um dos assuntos de interesse do governo colombiano é um acordo comercial para a exportação de produtos à base de cannabis medicinal para o Brasil, listado como um dos sete mercados na mira dos fabricantes do país vizinho.

A cannabis medicinal, utilizada na Medicina para tratar síndromes raras, distúrbios neurológicos e doenças como esclerose múltipla, Parkinson e esquizofrenia, é produzida a partir do óleo de canabidiol (CBD), composto encontrado na cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha. Esse extrato é conhecido por seus efeitos analgésicos, sedativos e anticonvulsivantes.

Produtos à base de cannabis medicinal devem estar disponíveis no SUS paulista em maio deste ano, segundo Governo do Estado de SP Foto: Reuters

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O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, planeja aumentar a exportação de produtos à base de cannabis para o Brasil. As estimativas indicam que os produtos colombianos têm potencial para alcançar US$ 123 milhões até 2025 no mercado brasileiro, conforme dados do Observatório Colombiano da Indústria de Cannabis.

Em 2022, aproximadamente 14% das exportações de 13 empresas colombianas foram absorvidas pelo Brasil, ficando atrás apenas da Argentina, com 40%. Por esse motivo, o país é considerado o principal mercado potencial na América Latina, contando com aproximadamente 3,4 milhões de pacientes. Além da Argentina e Brasil, a Colômbia também está direcionando sua atenção para Alemanha, Austrália, Chile, Peru e Reino Unido.

O uso de produtos à base de cannabis para tratamento médico é permitido no Brasil desde 2015, seguido pela legalização da comercialização em 2019. Contudo, é importante ressaltar que tanto o uso pessoal quanto a comercialização desses produtos requerem importação.

As regras não valem para flores e outras partes in natura da cannabis para uso medicinal, que têm a importação proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme decisão do ano passado.

Como solicitar autorização para uso da “cannabis medicinal”?

Conforme explica a sanitarista e executiva de Assuntos Regulatórios, Thaís Gondar, a Anvisa tem viabilizado o acesso a produtos à base de cannabis por meio de duas modalidades distintas.

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  • Uma delas é a importação direta pelo paciente, na condição de pessoa física, por meio de um distribuidor estrangeiro, geralmente uma empresa farmacêutica.

Para que a Anvisa conceda autorização para essa importação, o paciente deve apresentar laudo médico e assinar um termo de consentimento, declarando estar ciente de que o produto não possui alegação terapêutica aprovada.

  • A segunda modalidade consiste na obtenção de autorização sanitária por parte de pessoas jurídicas interessadas em comercializar esses produtos no Brasil. Nestes casos, as empresas autorizadas pela Anvisa podem comercializar e distribuir esses medicamentos para farmácias, que passam a ser os pontos de venda.

Na farmácia, o paciente também deve apresentar laudo médico e assinar o termo de consentimento, declarando estar ciente de que o produto não possui alegação terapêutica aprovada.

Além dessas formas, é possível obter acesso por meio de processo judicial. Nesses casos, famílias ou pacientes buscam habeas corpus para poderem cultivar a planta e obter o óleo CBD.

“Do ponto de vista sanitário, essa alternativa é considerada controversa, uma vez que é difícil alcançar os mesmos padrões de qualidade e controle de obtenção do óleo em ambiente doméstico em comparação com a indústria farmacêutica”, explica a especialista.

Recentemente, uma nova modalidade foi aprovada pelo governo do Estado de São Paulo: a obtenção gratuita por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) paulista.

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Segundo informações da pasta, os produtos estarão disponíveis a partir de maio, sendo destinados a pacientes diagnosticados com síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e complexo da esclerose tuberosa, condições caracterizadas pela ocorrência de crises epilépticas e consideradas resistentes aos tratamentos convencionais.

“Os detalhes específicos dessa política pública ainda não estão claros, especialmente porque o custo para importação, tanto por pessoa física quanto jurídica, é alto. A inclusão no SUS transferiria o ônus financeiro do cidadão para o Estado”, observou Thaís.

Quais as exigências para que um produto à base de cannabis medicinal seja comercializado?

Em relação à composição dos produtos, eles podem conter apenas óleo de CBD ou uma mistura de óleo de CBD com THC, desde que a concentração de THC não ultrapasse 0,2%. Além disso, segundo Thaís, a administração desses produtos é restrita às vias oral e nasal, excluindo suplementos, cosméticos ou outros tipos de produtos.

Também é proibido o uso de nomes comerciais ou publicidade para esses produtos, que devem ser identificados apenas por um nome genérico, como “Óleo de CBD com THC” ou “Óleo de CBD sem THC”, por exemplo.

No Brasil, os produtos também devem ser rotulados com tarja preta e, como dito anteriormente, só podem ser vendidos mediante prescrição médica, com retenção da receita pela farmácia e assinatura do termo de consentimento. Justamente por isso, a comercialização pela internet é vetada.

“A RDC Nº 660/2022, que define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, define que o produto deve ser industrializado, destinado à finalidade medicinal, e deve ser produzido e distribuído por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização”, afirmou a Anvisa em nota.

Quem pode solicitar?

De acordo com a Anvisa, não há restrição de idade para o uso dos produtos derivados de cannabis. A única exigência é que os pacientes possuam necessidade médica comprovada e imprescindível do produto.

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Vale ressaltar que a autorização é válida por dois anos. Após esse período, um novo pedido de autorização precisa ser realizado.

Quanto tempo leva para obter a autorização?

Se o processo for conduzido por meio da Anvisa, o prazo médio é de 20 dias, contanto que haja prescrição médica prévia. Vale destacar que o processo pode ser realizado de forma totalmente online. Basta clicar aqui.

“Cannabis medicinal” pode ser considerada medicamento?

Conforme explica Thaís Gondar, quando discutimos sobre cannabis medicinal, é importante compreender a complexidade do termo “medicinal”. Embora a expressão tenha se popularizado, esses produtos não se enquadram exatamente na definição tradicional de medicamentos. Isso porque não têm alegações terapêuticas específicas.

Sob o ponto de vista regulatório e sanitário, a “cannabis medicinal” é categorizada de forma distinta. Em 2019, a Anvisa estabeleceu uma categoria específica para esses produtos, denominada “produtos à base de cannabis medicinal”.

Essa nova categoria permite que esses produtos obtenham autorização sanitária, em vez de um registro sanitário, como seria o caso dos medicamentos convencionais.

Quais as principais complexidades envolvidas no uso dos produtos à base de cannabis?

Na opinião de Thais, o momento atual é marcado por certo entusiasmo em torno da “cannabis medicinal”. Esse fato, associado à falta de letramento científico sobre o assunto, colabora para que profissionais de saúde prescrevam os produtos para uma ampla gama de condições, mesmo que não haja evidências científicas sólidas de eficácia relacionadas a essas condições específicas.

“Esse panorama contribui para uma demanda cada vez maior, o que eleva os preços dos tratamentos, impactando especialmente aqueles que realmente necessitam do acesso a esses produtos”, observou a sanitarista.

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Além disso, do ponto de vista regulatório, o Brasil enfrenta restrições legais que proíbem o cultivo em território nacional. Isso torna o país dependente da importação da matéria-prima, muitas vezes proveniente de países como a Colômbia.

“A falta de produção interna resulta em uma predominância de produtos importados no mercado brasileiro, elevando ainda mais os custos e dificultando o acesso para os pacientes”, disse Thaís, que também é CEO do Gerbera Group, startup de soluções em estratégia regulatória.

O que muda com o possível acordo entre Brasil e Colômbia?

Conforme explica Thaís, desde 2016 a Colômbia se posiciona como polo tecnológico de produção de cannabis para fins científicos e saúde. Isso porque o país está posicionado em uma área geograficamente positiva para o florescimento da planta, com 12 horas de sol e 12 de escuridão.

“Essa junção entre condições climáticas equatoriais, com o despertar do mercado global, coloca a Colômbia em uma posição estratégica como exportador da planta”, afirmou a sanitarista.

Hoje, boa parte dos 33 produtos com autorização sanitária para comercialização no Brasil são colombianos. Ainda, há vários produtos provenientes do país vizinho sendo importados para uso individual por meio da autorização da Anvisa.

Do ponto de vista da saúde pública, eventual acordo comercial entre Colômbia e Brasil pode significar uma ampliação do acesso para aqueles que necessitam desses produtos. Isso se deve ao fato de que a intervenção governamental eliminaria a necessidade dos pacientes lidarem com as complexidades burocráticas envolvidas no processo, além dos custos da importação.

“Agora, caso a matéria-prima, como o canabidiol, também venha a ser exportada, isso proporciona uma facilidade de comércio entre fornecedores colombianos e produtores brasileiros, o que reduziria os custos também para a saúde pública”, disse Thaís.

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Para que as mudanças venham a acontecer de forma positiva, a sanitarista acredita que é necessário empreender esforços educativos sobre a “cannabis medicinal”. “A Anvisa tem se destacado pelo trabalho na regulação desse mercado delicado e, às vezes, oportunista”, disse Thais.

“Muitas das alegações terapêuticas veiculadas comercialmente são ilegais e não contam com a aprovação da agência reguladora, justamente por isso os esforços educativos são muito necessários”, avaliou.

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