Um dos papeis mais festejados da carambola é o de adornar receitas, já que assume a forma de estrela quando cortada transversalmente. Conhecida como star fruit em países de língua inglesa, a fruta não só embeleza pratos e copos como enche as preparações de nutrientes.
“Devido ao aspecto lúdico, pode ser uma boa aliada na fase em que as crianças rejeitam vegetais”, recomenda a nutricionista e fitoterapeuta Vanderlí Marchiori, da Associação Brasileira de Fitoterapia (Abfit).
Originária da Ásia, a espécie, de alcunha científica Averrhoa carambola, foi trazida ao Brasil no século 19 e gostou do nosso clima. Cresce em quintais das regiões mais quentes e sua produção vem aumentando no país. Experts contam que os frutos são classificados em dois grupos, os do tipo doce e os do tipo ácido. Diferenças sutis na coloração passam batido aos olhos leigos.
Independente do tipo, conforme amadurece, o fruto tende a concentrar açúcares e sua consistência fica mais macia. Outra mudança ocorre na cor. “O teor de clorofila diminui e o de carotenoides aumenta. Assim, os tons esverdeados perdem o lugar para o amarelo”, conta a engenheira de alimentos Ingrid Moraes, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que está envolvida em pesquisas sobre os estágios de maturação do fruto.
“A carambola madura costuma ser utilizada para consumo in natura e na produção de sucos”, exemplifica Ingrid. Em fases anteriores ao amadurecimento, mais crocante e verde, serve para decoração dos pratos, como matéria-prima de geleias, entre outros produtos.
“Definir parâmetros, por meio de técnicas não invasivas, colabora para que seja colhida no estágio certo e pode ajudar a evitar desperdícios”, diz. Seu trabalho conta com tecnologia de ponta. “Uma das técnicas usadas é a espectroscopia de infravermelho próximo ou Near InfraRed Spectroscopy – NIRS, na sigla em inglês”, diz o professor Douglas Barbin, que coordena tais pesquisas na FEA.
A espectrometria revela – por meio da análise do espectro de luz, do comprimento das ondas – a doçura e o teor de ácidos, entre outros compostos. Esse tipo de análise já pode começar na planta, ou seja, na caramboleira, revelando a fase de amadurecimento sem destruir frutos. Também consegue ser feita depois da colheita, na indústria, contribuindo para o destino do alimento.
Puro suco de nutrientes
As carambolas reúnem substâncias preciosas, caso das fibras e de sais minerais como o potássio. Ostentam ainda compostos de ação antioxidante, sobretudo a vitamina C, e outros menos conhecidos, como os fenólicos e os carotenoides.
Por esse conjunto, o fruto aparece em estudos como aliado do coração. Há evidências de que blinde o endotélio, isto é, o tapete celular que recobre as artérias, resguardando-as de machucados e do acúmulo de gorduras.
Além da proteção cardiovascular, uma revisão de trabalhos científicos, publicada no periódico Food Science & Nutrition, aponta ainda efeitos antitumorais, no controle glicêmico e na imunidade.
E uma pesquisa recente, realizada por cientistas tailandeses, mostra que a sinergia de fitoquímicos encontrados na fruta ajuda a controlar o estresse oxidativo e pode ser bem-vinda para melhorar o desempenho durante a atividade física.
Com tantas qualidades já deve ter quem queira aproveitar a temporada para entupir a geladeira, mas aqui cabe uma bela dose de cautela. “Não é um alimento para todo dia”, aconselha Vanderlí. Pode entrar no rodízio de vegetais, sem exageros, dentro da variedade – mas isso quando os rins funcionam bem.
Ingredientes tóxicos
Além de vitaminas, minerais e os tais antioxidantes, a carambola guarda dois ingredientes complicados. “Há, em sua composição, o ácido oxálico, possível causador de efeitos deletérios aos doentes renais crônicos”, sinaliza Durval Ribas Filho, médico nutrólogo, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
“Contém ainda uma neurotoxina capaz de provocar alterações neurológicas nesses pacientes”, alerta. O médico refere-se à caramboxina. “Trata-se de uma substância com estrutura química bastante intrigante”, conta Giuliano Cesar Clososki, do Departamento de Ciências BioMoleculares da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.
“São várias as questões que ainda não foram elucidadas”, revela o professor, que está envolvido em estudos sobre o assunto. Até mesmo a função da substância não está clara, apesar de haver indícios de que atue na defesa da planta.
Clososki conta que a descoberta sobre a toxicidade da carambola se deu em 1990, na cidade de Botucatu, interior paulista, quando pacientes internados, em diálise, apresentaram soluços e confusão mental após consumirem o fruto.
“Se o rim não funciona adequadamente, a caramboxina cai na corrente sanguínea e pode penetrar na barreira do cérebro”, explica.
Na literatura científica, há relatos de convulsões e mortes. Inclusive, em algumas cidades brasileiras, existem leis que obrigam estabelecimentos que comercializam o fruto e seus derivados a avisarem sobre os riscos aos pacientes renais.
Modelo molecular
Grupos da USP de Ribeirão Preto têm esmiuçado a substância há décadas. Os cientistas procuram desvendar os mecanismos de ação, sua estrutura química e a atividade biológica para nortear o desenvolvimento de novos medicamentos, especialmente para males neurológicos. Isso também ajudará a flagrar a presença em produtos industrializados derivados da fruta e, assim, evitar a ameaça aos pacientes renais.
“Ela pode servir como uma espécie de modelo molecular”, diz Clososki. “Um grande avanço nas pesquisas é o recente estabelecimento de uma rota para a preparação da caramboxina por via sintética”, revela. O professor conta que esse processo torna mais rápida e viável a produção da substância, em alta escala e pureza, colaborando para os estudos farmacológicos.
Quanto mais conhecimento, menor o risco. Vale deixar claro, entretanto, que, quando os rins trabalham bem, não há problema. “Ela pode incrementar várias preparações com seu frescor e seu perfume”, elogia Vanderlí.
Além da versatilidade no copo, em sucos e outras bebidas, é ótima pedida tanto em receitas doces quanto em pratos salgados. “Costumo comer suas fatias misturadas com outros vegetais em uma salada colorida e regada a azeite de oliva extravirgem”, ensina Durval.
Desde que não haja excessos e o cardápio seja feito a partir da diversidade, a estrela faz bonito à mesa.
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