Em resolução publicada nesta sexta-feira, 14, no Diário Oficial da União (DOU), o Conselho Federal de Medicina (CFM) restringiu as possibilidades de prescrição do canabidiol (CBD), composto feito a partir da planta cannabis sativa (maconha), e proibiu os médicos de ministrar palestras e cursos sobre uso deste e de outros produtos derivados de cannabis fora do ambiente científico.
Pela norma recém-publicada, o conselho autoriza a categoria médica a prescrever o produto somente para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente associadas às síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut e ao Complexo de Esclerose Tuberosa - e somente nos casos em que o paciente não tiver apresentado bons resultados com os tratamentos convencionais.
A resolução destaca que fica vedado aos médicos a prescrição de canabidiol “para indicação terapêutica diversa da prevista” na nova norma, salvo em estudos clínicos aprovados no País.
Na resolução anterior, de 2014, o conselho dava uma diretriz mais genérica sobre a questão. Na norma, o CFM autorizava o uso compassivo da substância para epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais, sem, portanto, restringir o uso a somente algumas patologias.
Embora na resolução anterior o órgão não liberasse o uso para outras condições além das epilepsias, ele não era categórico ao proibir a prescrição para indicações diferentes daquelas previstas na norma, por isso alguns especialistas apontam retrocesso na resolução.
O conselho manteve o artigo já contido na resolução anterior no qual proíbe o médico de prescrever cannabis in natura para uso medicinal, bem como quaisquer outros derivados que não o canabidiol.
Segundo o CFM, a nova diretriz foi definida “após revisões científicas sobre as aplicações terapêuticas e a segurança do uso do canabidiol”. Após a avaliação, o CFM diz ter observado “a existência de resultados positivos da prescrição do CBD em casos de Síndromes Convulsivas, como Lennox-Gastaut e Dravet, mas resultados negativos em diversas outras situações clínicas”.
O conselho prevê ainda que os pacientes submetidos ao tratamento com o canabidiol, ou seus responsáveis legais, deverão ser esclarecidos sobre os riscos e benefícios potenciais do tratamento e assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), a resolução é controversa e as “vedações interferem na realização do tratamento de vários pacientes e proíbem a propagação de conhecimentos canábicos importantes para médicos e pacientes”.
A principal controvérsia apontada pelos críticos da resolução é o fato de já haver 18 produtos de cannabis medicinal aprovados no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), inclusive um medicamento indicado para o tratamento da rigidez associada à esclerose múltipla.
Medida enfrenta reações
Médicos, ativistas, políticos e entidades ligadas ao uso da cannabis reagiram à publicação da norma. Para a neurocirurgiã Patrícia Montagner, da WeCann Academy, responsável por acompanhar mais de 1000 pacientes que fazem uso da cannabis medicinal “trata-se de uma perda de oportunidade para o Conselho Federal de Medicina assumir seu papel de dar o norte sobre o tema no Brasil, de forma ética e cientificamente apropriada”.
“Sob o ponto de vista científico, a resolução simplesmente ignorou os diversos avanços científicos (e regulatórios) referentes a esse tema que aconteceram nos últimos anos, no Brasil e em dezenas de outros países do mundo. As referências bibliográficas utilizadas para a publicação da Resolução datam de 2014 para trás. Ou seja, de oito anos atrás. Sob o ponto de vista de ética médica, a resolução representa muito mais que um retrocesso, representa uma violação de direitos legais e constitucionais.”, completou a médica.
Patrícia ainda compara a atuação posição do CFM com aquela adotada no auge da pandemia da covid: “Curiosamente, o mesmo CFM defendeu veementemente a autonomia do médico para prescrição da cloroquina, mesmo sem evidências científicas qualificadas que respaldassem o seu uso, agora viola a autonomia do médico para uma abordagem terapêutica comprovadamente segura e potencialmente eficaz, especialmente para pacientes portadores de transtornos graves, refratários e incapacitantes, ignorando completamente as evidências científicas.”
A ativista e paciente Juliana Paolinelli Novaes, de 43 anos, ressalta que a resolução permanece tratando o uso de canabidiol na infância e adolescência em casos específicos de epilepsia, mas questiona: “E quando a pessoa ultrapassa a adolescência? Perde a possibilidade de tratamento?” Juliana também lamenta a proibição da prescrição “in natura”. “É uma ótima opção para efeito imediato nas crises de espasmos e dores neuropáticas, como, por exemplo, no meu caso”, argumentou.
A BRCANN (Associação Brasileira da Indústria de Canabinóides) manifestou-se através de um comunicado, lamentando a nova resolução. " A nosso ver, isso fere o princípio legal da autonomia médica e é inconstitucional, na medida em que fere o livre exercício da profissão, garantido pelo artigo 13 da Carta”, diz a nota.
Ainda segundo o comunicado, “a preocupação é que a nova resolução mantém a possibilidade do conselho constranger a atividade dos médicos que desejam prescrever cannabis para fins medicinais, como já tem sido feito em alguns conselhos regionais com base na resolução antiga, com a ameaça de abertura de sindicâncias e até mesmo acusações de crime, por meio de pareceres que se apoiam na resolução antiga”.
E continua: “O clima na classe médica é de indignação, naturalmente. Afinal, além da restrição do exercício profissional, a resolução também se configura como uma restrição do acesso à saúde, outro direito constitucional, neste caso dos pacientes. Estamos conversando com escritórios de advocacia para analisar as medidas judiciais cabíveis”.
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) publicou em seu Twitter que irá apresentar um Projeto de Decreto Legislativo para sustar a resolução do CFM. Segundo a deputada, trata-se de “um grave ataque à saúde pública”. /COLABOROU GILBERTO AMENDOLA
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