Tremores podem ser altamente debilitantes. De acordo com o Ministério da Saúde, o tremor essencial afeta 20% da população acima de 65 anos — embora possa aparecer antes dessa idade —, podendo ceifar atividades laborais e hobbies. Os tremores também são um sintoma grave da doença de Parkinson e podem tornar a simples tarefa de levantar um copo d’água impossível.
Nem todos os pacientes respondem bem às opções medicamentosas para lidar com os tremores — essa é a realidade para a maioria daqueles com tremor essencial — e, até uma semana atrás, a única outra opção no Brasil seria submeter-se à cirurgia de estimulação cerebral profunda (DBS), que implanta eletrodos no cérebro que atuam como marcapassos para modular os disparos de neurônios disfuncionais.

Mas agora, no meio do caminho entre elas, o Hospital Israelita Albert Einstein oferece um novo tratamento não-invasivo, o High-Intensity Focused Ultrasound (HIFU), que já é utilizado em países como Estados Unidos, Chile e Argentina.
De acordo com o Einstein, a aplicação dessas ondas de ultrassom de alta intensidade promete reduzir, de forma imediata, 70% dos tremores dos pacientes. Assim como qualquer outro tratamento, há contraindicações e também efeitos adversos, e é por isso que os médicos da instituição frisam que a indicação correta é fundamental.
Como o som pode tratar meu tremor?
Quando falamos em ultrassom, vem à cabeça o aparelho usado para fazer exames de imagem. Funciona assim: ele emite ondas sonoras de alta frequência (inaudíveis) que penetram no corpo, interagem com a estrutura desejada e são refletidas para o transdutor (aquele sensor que encosta na pele). Esse eco é convertido em imagens.
A ideia é semelhante no HIFU, mas aqui a reflexão do som não é o objetivo, explica Rodrigo Gobbo, diretor médico do Centro de Medicina Intervencionista do Einstein. “Imagine que você construa esse transdutor de forma que todo o feixe sonoro seja focado em um único ponto de tecido, com uma energia muito intensa, de tal forma que não se preocupe mais em receber o reflexo desse som, mas sim que ele seja destrutivo. Esse é o conceito.”
“O dispositivo tem a forma de um capacete, que se comporta como se tivesse milhares daqueles transdutores de ultrassom diagnóstico. São mais de mil elementos situados no capacete. Tudo isso dentro do equipamento de ressonância magnética, que vai proporcionar imagens em tempo real.”
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O foco do ultrassom são os neurônios disfuncionais. A palavra destrutivo pode assustar, mas é válido ressaltar que se trata de uma microlesão que não ultrapassa milímetros. Além disso, o cérebro “não sente dor”. Durante todo o procedimento, o paciente está acordado.
Isso adiciona uma camada de segurança ao procedimento, pois os profissionais conduzem testes neurológicos em tempo real com o paciente, como desenhar uma espiral, falar ou tocar o nariz, para garantir tanto que o tremor está sendo devidamente abordado, quanto que efeitos colaterais serão evitados.
Polyana Piza, neurologista e gerente médica do Programa de Neurologia do Einstein, conta, inclusive, que a primeira lesão feita é reversível. “Você faz com uma temperatura menor, mas já suficiente para entender a resposta do paciente.” Em média, três lesões costumam ser feitas no tálamo, região do cérebro que transmite e processa informações sensoriais e motoras.
Os médicos destacam que, antes do procedimento, o paciente passa por uma avaliação rigorosa. Além disso, segundo Gobbo, o Einstein tem parceria com uma empresa que mapeia estruturas vitais e muito importantes do cérebro, para além dos neurônios disfuncionais. “São partes que deixamos fora do tratamento. É um GPS super complexo para afastar qualquer risco de complicação.”
O procedimento como um todo leva em torno de 1h30 ou menos para ser concluído, e o paciente pode retornar para casa no mesmo dia.
De acordo com a Insightec, empresa responsável pela tecnologia, os estudos clínicos apontaram que as complicações mais comuns relatadas pelos participantes foram desequilíbrio/distúrbio da marcha (26% dos pacientes), dormência/formigamento (33%) e dor de cabeça (51%). A maioria das complicações foi classificada como leve ou moderada, e 48% se resolveram espontaneamente dentro de 30 dias.
Eventos adicionais menos frequentes incluíram: tontura, alteração do paladar, fala arrastada, fadiga e vômito. Complicações persistentes após três anos incluíram: dormência/formigamento (9% dos pacientes), desequilíbrio (4%), instabilidade (4%), distúrbio da marcha (2%) e fraqueza musculoesquelética (2%).
O sucesso do tratamento, dizem os médicos, está na indicação correta. Gobbo explica que, após haver uma recomendação do neurologista que acompanha o paciente, uma outra equipe, também de neurologistas, examina o paciente para identificar se ele tem qualquer contraindicação, como a análise de espessura do crânio.
Quem pode se beneficiar do HIFU?
A indicação do HIFU é para o tratamento dos chamados distúrbios tremulantes do movimento, em que se encaixam o tremor essencial (uma doença na qual o tremor costuma piorar com a ação) e o tremor causado pela doença de Parkinson (ele costuma piorar no repouso).
É válido ressaltar que o HIFU trata um sintoma do Parkinson, não a doença em si, que é neurodegenerativa e, por ora, não tem “cura” — mas há tratamento para os sintomas, que propiciam mais qualidade de vida aos pacientes.
De acordo com Polyana, no caso do Parkinson, a indicação é para aqueles que não respondem bem à medicação — o exemplo clássico é o fármaco Levodopa. Cerca de 20% dos pacientes são refratários a eles, diz. Ou para aqueles no qual o aumento da dose leva a um efeito colateral incapacitante, chamado de discinesia (crises de movimentos musculares anormais).
Era o caso do aposentado Rodolfo Moser, de 73 anos. Os movimentos involuntários acometiam a perna e o braço esquerdo. “Eu tinha de duas a três crises ao longo de dia. Chacoalhava sem controle”, contou ao Estadão.
“A única forma que eu tinha para controlar um pouco os sintomas era me deitando e fazendo um relaxamento, uma meditação.” Ele foi um dos quatro primeiros pacientes a serem submetidos ao HIFU no Einstein. Uma semana depois, diz que não enfrenta mais tremores do Parkinson, que o levaram à medicação.

Para o tremor essencial, trata-se do tratamento da doença, dificilmente contida pelas opções tradicionais. “O tremor poucas vezes é melhorado de forma significativa pela medicação. Temos a chamada resposta ótima para, no máximo, 30%.”
O Einstein não informou qual valor será cobrado pelo novo procedimento. Gobbo adianta que há muito interesse de fazer parcerias com o setor público. “Estimamos que tenham milhões de pessoas no Brasil candidatas ao tratamento, e queremos levá-lo ao maior número possível delas.”